Geração Conectada e os Perigos do Excesso Tecnológico na Infância e na Adolescência

O uso excessivo de celulares e tablets representa um dos maiores desafios da sociedade atual. Os jovens, cada vez mais conectados, sofrem com o isolamento social, desenvolvem problemas físicos e mentais e, ainda, tem dificuldades no aprendizado

O uso do celular por crianças e adolescentes traz novos desafios para a sociedade (Foto: Gabriela Henriquez)

Gabriela Henriquez

A exposição excessiva no tempo de consumo em frente aos celulares e tablets entre crianças e adolescentes é um problema coletivo e de atenção à saúde da juventude. Especialistas em saúde e educação analisam os riscos do celular, ferramenta que parece ser inofensiva, e alertam para os casos de depressão e ansiedade.

Com a possibilidade da população de comprar aparelhos e ter acessibilidade às informações com os avanços tecnológicos, houve uma série de benefícios. Entretanto, muitos jovens estão passando cada vez mais tempo conectados, despertando, assim, alertas para o aumento significativo de problemas a longo prazo com o uso inadequado.

Uma pesquisa do Comitê Gestor da Internet no Brasil em 2022 verificou a média de popularidade das plataformas online entre os jovens do Brasil. O levantamento indicou que 89% dos adolescentes de 9 a 17 anos estão conectados, o que representa 25 milhões de crianças e adolescentes. Desses, 95%, ou 23 milhões, utilizam o celular como o principal dispositivo para acessar aplicativos e sites, gerando impactos negativos na saúde mental de adolescentes e aspectos de isolamento social. 

A estudante Rebeca utiliza o celular mais que as horas permitidas, mas ela percebe a importância nos alertas (Foto: Gabriela Henriquez)

A dependência é realmente emergente para muitas crianças e adolescentes, pois os celulares e tablets são “companheiros” e fazem parte dos hábitos diários. E essa é a realidade da estudante Rebeca, 17 anos, nome fictício. Ela conta que passa o “feed” do Instagram no celular por algumas horas. “O tempo passa sem perceber e, às vezes, acabamos nos isolando fisicamente das outras pessoas por estar em contato direto com o telefone”, diz.

E a utilização dos aparelhos celulares e a duração em frente as telas têm sido associadas a uma série de problemas de saúde mental, incluindo ansiedade e depressão. “Quando estou online por algum tempo, sinto que a minha cabeça fica mais ocupada durante os dias. A mente fica mais agitada, mas tem horas que consigo relaxar, mas depende dos momentos, afirma Rebeca. 

A Psicóloga Clínica e especialista em transtorno comportamentais Aline Costa Bazoni faz orientações e fala da importância do bem-estar emocional das novas gerações. A Psicóloga destaca também a importância de estabelecer limites claros e conscientes, promover atividades offline, como exercícios físicos e momentos de convivência familiar, para equilibrar o tempo de uso das telas.

Listar os prejuízos que o uso de telas provoca em cada faixa etária não esgota as possibilidades, pois o desenvolvimento humano é integrado. Hábitos, estilo de vida, costumes, o desenvolvimento cognitivo, físico e emocional acontecem em etapas. Para se avançar é necessário concluir a etapa anterior. Um exemplo prático é aprender a andar de bicicleta. As habilidades devem ser ensinadas antes mesmo que você tenha contato com uma bicicleta. O equilíbrio se desenvolve quando passamos a ter o controle. Um componente extremamente necessário para se manter em cima de duas rodas só começa quando consigo sustentar a cabeça e ter consciência

Aline Costa Bazoni

Dados divulgados pelo IBGE em 2022 abrangem o acesso à Internet, à televisão nos domicílios e a posse de telefone celular pelas pessoas com 10 anos ou mais de idade. As comparações mais recentes são entre 2019 e 2021, pois o módulo da pesquisa não foi a campo em 2020 por causa da pandemia de Covid-19. No ano de 2021, entre os 183,9 milhões de pessoas com 10 ou mais anos de idade no Brasil, 84,7% utilizaram a Internet. Esse percentual foi maior entre os estudantes: 90,3%, sendo 98,2% para os da rede privada e 87,0% para a rede pública de ensino.

O especialista em tecnologias aplicadas e mestre em educação da Universidade Univértix Hely Toledo Loque compartilha os estudos em relação à ligação direta entre o excesso de telas e o aumento dos níveis de ansiedade. Hely Toledo defende ainda políticas públicas integradas que promovam a conscientização coletiva e a criação de espaços seguros para que os jovens possam interagir de maneira equilibrada, tanto online quanto offline.

As pesquisas mais recentes indicam forte relação entre o maior tempo de exposição a telas, a níveis elevados de solidão e isolamento social, além de quadros depressivos graves. Há também relação com desenvolvimento cognitivo, ou seja, jovens que se expõem por mais tempo a telas apresentam menores níveis de concentração, piores escores em testes de memória e, consequentemente, menor rendimento escolar

Hely Toledo Loque

Os números que mais preocupam os especialistas, segundo os dados da pesquisa do Comitê Gestor da Internet no Brasil, mostram que 43% dos jovens no Brasil já passaram por discriminação virtual. As meninas são as mais prejudicadas com os conteúdos: 31% foram tratadas de forma ofensiva, 27% acabaram expostas à violência e 21% tiveram acesso a materiais sobre estratégias milagrosas de emagrecimento. O levantamento ainda aponta que um quarto dos adolescentes no Brasil afirmam que passam muito tempo conectados e não conseguem controlar o tempo em frente às telas.

A estudante Letícia diz que diminuiu o uso do celular para estudar e ingressar em uma universidade (Foto: Gabriela Henriquez)

Neste cenário preocupante é possível também encontrar adolescentes que estão buscando maneiras mais conscientes e saudáveis de usar a tecnologia no cotidiano. A estudante Letícia, nome fictiício,17 anos, relata que percebe os benefícios e os malefícios do uso dos celulares e tablets no cotidiano.

O uso do celular e da internet trouxe benefícios para mim e para muitos amigos. Hoje, é mais fácil fazer pesquisas e buscar as coisas que queremos, além de conseguir tudo na hora e mais rápido. Sei que isso também é malefício. No atual ambiente digital ao conseguir tudo do jeito que nós queremos reflete na nossa saúde mental, trazendo transtornos psicológicos. Esse uso excessivo dos celulares e tablets acaba afetando outras áreas de nossas vidas, como o lazer, os estudos e até os relacionamentos

Letícia

Letícia confessa que a média diária para uso do celular é de duas horas por dia, mas que no passado usou muito mais. Já em outros aparelhos, como, por exemplo, a televisão, é de uma hora, pois é um período em que ela está estudando muito para entrar na universidade

Desenvolvimento Infantil

Nathália Guimarães (Foto: Arquivo Pessoal)

A neuropsicóloga do desenvolvimento e psicomotricista Nathália Guimarães reforça os danos na evolução infantil e afirma que as práticas devem ser reeducadas e a supervisão é fundamental. A profissional sugere que pais e educadores incentivem o uso responsável da tecnologia e criem rotinas que incluam atividades diversificadas, proporcionando um ambiente saudável e de acompanhamento no crescimento dos jovens.

As faixas etárias mais prejudicadas são crianças em idade escolar de 6 a 12 anos. Os impactos afetam o desempenho cognitivo e linguístico que estão em desenvolvimento. Para adolescentes de 13 a 18 anos, o uso excessivo da tecnologia pode afetar a concentração nos estudos, causar sentimentos de inadequação nas interações sociais, diminuir a autoestima e expor ao cyberbullying

Nathália Guimarães

A mãe de Valéria, nome fictício da estudante do ensino fundamental com 9 anos, a empregada doméstica Carla, também nome fictício, compartilha como o uso excessivo da tecnologia tem afetado a filha e de que maneira, ela sendo mãe, tem lidado com isso. 

A minha filha estava apresentando falta de apetite e insônias constantes com pesadelos por causa do celular. Houve um período que precisei proibir o uso do aparelho. O vício era demais, mas eles sempre encontram um jeito de pegar o aparelho. Diminuiu muito após as proibições, mas ainda é difícil

Carla

Carla alega ainda ter preocupações com a utilização dos aparelhos tecnológicos quando está longe da filha, pois há muitos conteúdos violentos e crimes virtuais que adolescentes estão sujeitos. “Tenho muito medo da pedofilia em um possível contato com pessoas estranhas. Além disso, percebo que o uso em excesso do celular atrapalha no desenvolvimento escolar da minha filha”, conta.

Em março de 2022, um resumo científico divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), destacou os impactos após o período do COVID-19 nos serviços de saúde mental, mostrando os jovens como os mais afetados e expostos aos comportamentos destrutivos e suicidas. Esse aumento se deu pela interrupção dos atendimentos à saúde e a cuidados com as condições mentais, neurológicas, além da falta de cuidados presenciais. 

O especialista em Gestão de Serviços de Saúde Pública da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e Coordenador Geral de Inovação do Ministério da Saúde, Rafael Partelli, reforça a importância de seguir as recomendações dos serviços de saúde para o uso de telas entre jovens. 

Rafael Partelli (Foto: Arquivo Pessoal)

Rafael Partelli relata que as diretrizes do uso da tecnologia por crianças e adolescentes pelas organizações de saúde pública e associações pediátricas recomendam que crianças de 2 a 5 anos tenham no máximo uma hora de tempo de tela por dia, enquanto para crianças e adolescentes de 6 a 18 anos, o tempo de tela deve ser limitado a duas horas diárias.

Para Rafael Partelli é importante também proporcionar a criança tempo e espaço para leituras, atividades físicas e interação em grupo com coleguinhas da escola, vizinhos ou do bairro. A interação social ajuda a reduzir o tempo de tela conforme recomendado pelas instituições de saúde. “Dentro de casa é essencial criar espaços livres de telas, como, por exemplo, durante as refeições ou em outras atividades em família. Assim, ao reduzir o tempo de tela e promover atividades lúdicas e dinâmicas ,tanto no ambiente doméstico quanto em espaços externos, conseguimos seguir as recomendações de saúde para um uso equilibrado da tecnologia“.

Em relação aos dados e estatísticas, Rafael Partelli mostra outros resultados de uma pesquisa feita pela American Academy of Pediatrics e que destaca os prejuízos sociais e emocionais. Os estudos indicam que o uso excessivo de celular e tablets está ligado aos sintomas de depressão (25% a mais), ansiedade (20% a mais) e problemas de sono (30% a mais).

As crianças com mais de duas horas por dia em frente a uma tela têm 40% tem chances de desenvolver sobrepeso, podendo causar fadiga ocular, síndrome visual do computador e problemas de visão. Crianças que passam mais de três horas por dia em frente a telas têm 70% mais risco de desenvolver miopia. A tecnologia, antes de dormir, pode interferir na qualidade do sono. Já as crianças ou adolescentes com acesso irrestrito a dispositivos eletrônicos têm 50% mais chances de apresentar dificuldades de concentração e pior desempenho escolar

Rafael Partelli

Desigualdades Sociais e Saúde Mental

As crianças e adolescentes que enfrentam as vulnerabilidades sociais, como residir em comunidades que são comuns as violências, principalmente as intrafamiliares, e que passam pela falta de recursos financeiros são as mais propensas a sofrer com os problemas de saúde mental por causa do consumo exagerado dos aparelhos tecnológicos e, também, pelas questões sociais que envolvem um complexo cenário. 

Rafael Partelli enfatiza a necessidade de um ambiente familiar que promova esse equilíbrio e o acolhimento. Ele relata as campanhas e programas de conscientização que podem ser feitas em saúde pública para informar pais e educadores sobre os riscos e benefícios da tecnologia.

É interessante promover campanhas educacionais no ambiente escolar e também da saúde, utilizando estratégias com os agentes comunitários de saúde para disseminar informações educativas sobre o uso indiscriminado de telas. Além disso, campanhas de divulgação em massa por meio de jornais, televisão e internet poderiam ajudar a mudar a cultura sobre o uso de telas, focando na conscientização e na redução do uso excessivo

Rafael Partelli

Para Rafael Partelli as campanhas devem promover o uso sustentável e consciente dos aparelhos tecnológicos, incentivando atividades coletivas e educacionais, como futebol, zumba, dança e outras atividades. “Essas campanhas poderiam ser incorporadas pelas secretarias municipais de esportes e lazer, em parceria com as secretarias de saúde e educação para garantir, assim, uma abordagem integrada e eficaz”.


Edição: Gabriela Henriquez