Os novos contornos da sexualidade e de relacionamentos no Brasil

Enquanto os brasileiros abraçam a tecnologia e as novas tendências para desconstruir tabus sexuais, a frustração com aplicativos de relacionamento se torna um problema para os usuários 

(Foto: Bruno Caetano)

Bruno Caetano

A intimidade ainda é vista como um tabu para muitos brasileiros, mas esse comportamento está, lentamente, sendo modificado nos últimos anos. O isolamento social durante a pandemia fez com que o brasileiro refletisse sobre a relação com a sexualidade e, mesmo após o término da pandemia, muitos desses novos costumes permaneceram. À medida que o mercado da sexualidade cresce, surgem novas tendências de consumo e o ambiente virtual ganha espaço na construção dos relacionamentos dos brasileiros.

O estudo realizado pela empresa Timelens apontou o crescimento exponencial nas buscas por sexshops e plataformas de conteúdo adulto de 2020 a 2023. O site de vídeos pornográficos Xvideos já é o 3º no ranking dos sites com maior tráfego na internet e movimenta mais de 800 milhões de visitas mensalmente no Brasil. Outro site de conteúdo adulto que virou febre no Brasil foi a empresa OnlyFans. Entre 2020 e 2023, a plataforma teve um crescimento de 560% nas buscas online, chegando a 5 milhões de buscas no país inteiro nesse período.

Durante toda a pandemia da COVID, as plataformas de conteúdo adulto estiveram entre os 10 site mais acessados no Brasil (Foto: Bruno Caetano)

A Sexóloga Lorrayne Ismael afirma que para a sexualidade, a pornografia é um ponto de delicadeza. Ela explica que o impacto é significativo no comportamento e na criação de crenças sobre a sexualidade a partir do consumo da pornografia. Lorrayne diz que as interações a partir da tecnologia estão cada vez mais intensas e pode gerar acúmulo de ansiedades ao interagir com o meio em que se vive, fora do ambiente virtual.

Lorrayne considera importante entender as novas formas de comunicação e comportamentos no contexto pós-pandemia em um Brasil cada vez mais conectado. A sexóloga afirma que essas mudanças também trouxeram pontos positivos ao se falar mais sobre a sexualidade feminina, o prazer voltado à mulher e o crescimento na comunicação sobre o amor livre e na diversidade dos relacionamentos.

A educação sexual no Brasil é um assunto polêmico e delicado. Falamos muito sobre e entendemos pouco. Sexualidade vai muito além de sexo, identidade de gênero. Sexualidade é saúde

Lorrayne Ismael

Bem-estar Sexual

Saem os tradicionais sexshops e nascem novos conceitos de comunicação das marcas. Apenas em 2022, o levantamento feito pela Cortex Intelligence apontou que 1.068 novos empreendimentos de bem-estar sexual foram criados no Brasil. As marcas lideradas por mulheres ganharam força e, nas prateleiras, itens de cuidado pessoal e óleos essenciais conquistam o espaço ao lado dos vibradores. O crescimento pós-pandemia atingiu recordes em 2022, uma alta de 34,7% em relação ao ano anterior no setor.

(Foto: João Augusto Lima)
A empresária e educadora sexual Ingrith Maciel foi uma que apostou neste setor com a sócia Taniellen Miranda e criou a própria empresa de bem-estar sexual: a Santo G Boutique. Ingrith conta que, no passado, ao visitar sexshops, era comum encontrar várias próteses penianas, o que assustava as mulheres, faziam elas se sentirem mal e não voltavam à loja. Ela afirma que as mulheres não são ensinadas sobre a sexualidade e que muitas não se conhecem. Então, Ingrith decidiu criar o próprio negócio e o resultado deu certo: em um ano a empresa cresceu em 400%.

Ingrith destaca que, contrariando as expectativas iniciais, o público com mais de 40 anos foi o que mais demonstrou interesse nos produtos da loja. Ela diz que o público feminino representa mais de 60% no consumo da empresa, algo impensável há alguns anos e que isso mostra a essência do negócio na quebra de tabus relacionados à sexualidade. Ingrith reafirma que é importante desmistificar a busca pelo prazer e promover a comunicação aberta sobre satisfação sexual e a diminuição do estigma associado ao uso de brinquedos sexuais. 

Frustações Online

A pesquisa realizada pela empresa Timelens no período de agosto de 2022 a agosto de 2023 nas redes sociais apontou que 70% dos usuários reclamam das dificuldades e frustrações ao usarem aplicativos de paquera. A pesquisa revela que as principais problemáticas que os usuários mencionam são os interesses e desejos sexuais dos parceiros e as experiências negativas nos encontros. Atento a essas problemáticas, os próprios aplicativos têm educado os usuários no comportamento dentro da plataforma e estimulado interações além do online.

No Brasil, de acordo com a pesquisa da empresa CVA Solutions, 18 milhões de brasileiros usam apps de relacionamento (Foto:Bruno Caetano)

O estudante João Augusto, 19 anos, solteiro há dois anos, relata que decidiu criar um perfil em aplicativos de relacionamento pela curiosidade e pela carência de estar solteiro, mas, logo, a experiência se tornou frustrante e o desinstalou. Ele conta que, desde o início, o tratamento foi diferente, todas as conversas que teve foram robóticas e bem diretas e o foco sempre era ligado a sexo. “A objetificação que recebi foi assustadora. As pessoas somente me avaliavam esteticamente e escolhiam se dariam match ou não”, afirma João Augusto.

O cansaço dos usuários já tem até nome: Dating burnout. E esse tema tem sido estudado por psicólogos e cientistas sociais. O uso excessivo de aplicativos de relacionamento e expectativas frustradas são as principais causas desse cansaço emocional e até físico. Em muitos casos o usuário chega a desenvolver distúrbios de ansiedade e enfrentam dificuldades para se criar relações saudáveis e perdem o interesse em ter uma vida amorosa prática.


Edição: Bruno Caetano

Imagem do Destaque: Bruno Caetano, João Augusto Lima