O poder de transformação do esporte
Da periferia ao primeiro capixaba a competir em um torneio internacional de Kung Fu. Da depressão ao Judô. As artes marciais como ferramenta de mudança de vida para jovens de Vitória
Daiane Obolari e Kamily Rogrigues
Já ouviu dizer que o esporte é capaz de transformar vidas? Com certeza essa frase pode ser considerada clichê. Contudo a verdade é que sendo clichê ou não, o esporte é capaz de salvar da depressão, das drogas e de restaurar a autoestima. Enfim, de promover mudanças na vida das pessoas.
O atleta de artes marciais Rafael Sorín é um ótimo exemplo. Após um período envolvido com drogas, tendo até sido preso aos 13 anos, o atleta, que já havia tido contato com o esporte na infância, retornou aos treinos.
Atualmente, ele dá aulas para crianças no Centro de Treinamento Artes Marciais, em São Pedro, Vitória, e ressalta o quanto é gratificante. “Participar da formação das crianças é incrível, pois eu também comecei criança. Eu conheci o Kung Fu com oito anos através dos meus irmãos que já treinavam”. O sucesso foi tanto que ele será o primeiro capixaba a disputar o Campeonato Mundial de Wushu, que acontecerá entre os dias 13 e 21 de novembro, em Dallas, nos Estados Unidos.
A história de Rafael esbarra na do seu treinador Stallony Maicon. Da mesma maneira que Rafael, Stallony também cresceu no bairro São Pedro, em Vitória, e teve contato com o esporte ainda na infância. E foi no Kung Fu que o treinador viu a oportunidade de conhecer o Espírito Santo, um pouco do Brasil e do mundo. Hoje, Stallony tem uma academia e Rafael é o braço direito dele.
Para o treinador, poder passar conhecimento aos alunos é emocionante, pois, da mesma maneira que ele, poucos alunos têm a chance de conhecer a Grande Vitória e o esporte possibilita isso.
Se eu não tivesse conseguido sair do bairro, eu não teria conseguido montar a academia. Eu tinha a mentalidade que vejo em muitos alunos, de que aqui em São Pedro tem tudo e eu não preciso de mais nada
Mestre Stallony Maycon
Com o esporte, Stallony foi campeão mundial enquanto atleta e tem a esperança de ser campeão mundial enquanto treinador de Rafael Sorín. Entretanto, ambos ainda correm atrás de recursos e patrocínio para conseguirem realizar a viagem ao país norte-americano para o Campeonato Mundial.
Uma história de superação
O esporte, em especial o Judô, também foi um importante agente de mudança na vida do atleta Willian Guedes. Isso porque foi por meio do esporte que ele conseguiu superar a depressão. Apesar de ter tido o primeiro contato com essa modalidade ainda na adolescência, no bairro São Pedro, em Vitória, por meio do projeto social “Magnus Kodokan Judô”, fruto de uma parceria com a Central Única das Favelas (CUFA), ele acabou se afastando em um determinado momento da vida.
E foi no auge da depressão que o judoca retornou ao projeto. “Eu me encontrava sem expectativas de vida. Ensino médio incompleto, sem trabalho, amigos afastados e sem muito diálogo com meus pais. Um dos instrutores do projeto me encontrou na rua e me convidou para voltar”, destaca. Foi ali o divisor de águas na vida dele. Após a retomada dos treinos, foi incentivado a se graduar e, hoje, dá aulas no Centro de Treinamento Stallony Team.
Para embalar os treinos atualmente, Willian gosta sempre de ouvir a música “The Rock City Boy”. Ele conta que essa canção sempre lhe traz boas lembranças. Isso porque é uma música que fez parte da playlist de treino por um bom tempo e faz parte da abertura de um anime que assistiu no período após a depressão e remete a uma temporada de superação dos personagens da história.
O psicólogo Álvaro Leal explica que a prática de exercícios e a manutenção da saúde mental reduz o risco de desenvolver depressão e auxilia no tratamento.
A atividade física ajuda o nosso cérebro na regulação emocional, pois o exercício aumenta a sensação de bem-estar das pessoas e libera uma série de neurotransmissores e de substâncias que vão promover a sensação de bem-estar
Psicólogo Álvaro Leal
Inspiração para a nova geração
Tanto Rafael quanto Stallony são enxergados pelos alunos com admiração. E, por parte deles, não faltam incentivos para que os alunos se engajem cada vez mais no Kung Fu e participem de competições. E estão tendo êxito! Isso porque João Márcio de Souza, 11 anos, e Gabrieli Botaci, 8 anos, disputaram no último sábado (24), o campeonato infantil de Kung Fu e saíram vencedores.
Para os jovens atletas, ter a oportunidade de participar do campeonato e, ainda, levar a medalha de ouro para casa foi a realização de um sonho. “O resultado superou as nossas expectativas. Foi um sonho realizado. Daqui para frente, pretendemos disputar mais campeonatos”, destacam.
Benefícios da prática do esporte ainda na infância
A prática esportiva é fruto das relações estabelecidas na sociedade. Dessa forma, o esporte contribui para a socialização devido a criação de relações interpessoais.
De acordo com o professor universitário e mestre em educação Vitor Nunes, a prática esportiva na infância contribui muito com o processo de socialização. O esporte promove a inserção na sociedade, além de apresentar à criança o convívio com regras, auxiliando na formação do código moral.
O esporte tem um papel socioeducativo fundamental, pois além de gerar entretenimento, também ensina a criança a trabalhar em equipe e a respeitar as regras. Para Vitor, praticar um esporte na infância também auxilia na melhora comportamental e ajuda a criança a ter mais foco.
A designer de unhas Tati do Santos é mãe de uma criança de 7 anos que treina Kung Fu no Centro de Treinamento Artes Marciais. Ela relata ter percebido o filho mais disciplinado e mais educado.
Ele passou a ter mais disciplina depois que começou a treinar Kung Fu. Tudo isso ele aprendeu dentro do tatame. Hoje, ele é um dos alunos preferidos na escola e a professora gosta muito dele por ter disciplina. Ele escuta, respeita e não responde mal
Designer de unhas Tati do Santos
Além de todos esses benefícios, ter o esporte presente desde cedo contribui para que a criança passe a ser mais organizada, desenvolva o espírito de equipe e a empatia. O psicólogo Álvaro Leal explica que quanto mais cedo você inserir o esporte na vida de uma criança, mais consciente ela se torna e consegue interagir melhor com o ambiente e com as pessoas.
O psicólogo ressalta ainda que quando a criança está no esporte, se torna capaz de aperfeiçoar os movimentos motores, pois precisa pensar sobre a trajetória do próprio corpo e do objeto utilizado no esporte. Isso permite que desde a infância a criança seja resolutiva e assertiva.
O que diz o poder público
O secretário de Esportes e Lazer de Vitória, Rodrigo Ronchi, relata que a cidade de Vitória tem uma política voltada para o esporte como bem-estar social. Nesta medida, ampliar os espaços para a prática esportiva e fomentar todas as atividades do segmento é prioridade. Ele cita, como exemplo, o programa de Cadastramento de Projetos Esportivos Voluntários iniciado recentemente.
Ronchi explica que a prefeitura leva o serviço e a prática para toda a cidade. De modo que os Núcleos Esportivos, Academias Populares e Espaços estão distribuídos em vários pontos do município.
No ano de 2022, os Núcleos Esportivos e Escolinhas de Esportes da Prefeitura de Vitória/SEMESP atenderam uma média de 1,5 mil alunos por mês. Foram mais de 18 mil atendimentos ao longo do ano para um público formado, em sua maioria, por crianças e adolescentes, que correspondem a 75% do público
Secretário de Esportes e Lazer de Vitória, Rodrigo Ronchi
Onde encontrar os projetos esportivos?
Os Núcleos Esportivos e Escolinhas de Esportes da Prefeitura de Vitória estão espalhados pelas nove regiões administrativas da cidade, como, por exemplo:
- Tancredão;
- Praça de São Pedro;
- CT de Vôlei de Praia da Praça dos Namorados.
São oferecidas modalidades como natação, vôlei, vôlei de praia, basquete, futsal, ginástica artística, atletismo, judô, corrida de rua, futebol society e beach soccer. Para saber mais detalhes sobre as Escolinhas de Esportes da Semesp e sobre como participar, basta entrar em contato com a coordenação de Programas Esportivos e de Lazer pelo telefone (27) 3382-6430.
Edição: Daiane Obolari e Kamily Rodrigues
Imagem do Destaque: Daiane Obolari