‘SETEMBRO AMARELO’ – A saúde mental do universitário em tempos de pandemia
Victor Sartório
Estudo realizado pela empresa americana de tecnologia educacional ‘Chegg’ aponta que os universitários brasileiros, dentre 21 países onde a pesquisa foi realizada, são os que se dizem mais impactados em termos de saúde mental pela pandemia. Um total de 76% dos estudantes de graduação no Brasil concordaram com a declaração: “minha saúde mental sofreu durante o período da Covid-19”. Em segundo lugar ficou os estadounidenses (75%) e em terceiro os canadenses (73%). A Argentina, outro país sul-americano pesquisado, também registrou um alto índice: 69% dos entrevistados.
A pesquisa, denominada Global Student Survey’: A survey of the lives, hopes and fears of undergraduate students across 21 countries in the age of COVID and beyond (Pesquisa Global de Estudantes: Um levantamento das vidas, esperanças e medos de alunos de graduação em 21 países na era da Covid e além), entrevistou 16.839 estudantes de graduação, de 18 a 21 anos, entre 20 de outubro e 10 de novembro do ano de 2020. Os dados são apenas uma amostra da crise de saúde mental trazida pela pandemia, como já alertava a Organização Mundial de Saúde (OMS) em maio do ano passado. À época, o relatório da OMS demonstrou que jovens isolados dos amigos e da escola estão entre os grupos mais vulneráveis ao problema.
A campanha “Setembro Amarelo”, nos tempos pandêmicos, portanto, nunca foi tão necessária. No estudo feito pela Chegg, dos 76% de brasileiros que se disseram impactados em termos de saúde mental, 87% relataram aumento de estresse e ansiedade, apenas 21% procuraram ajuda pela sua saúde mental e 17% revelou ter tido pensamentos suicidas. O expressivo número de estudantes que indicam sofrer de ansiedade, bem como o baixo número de pessoas que efetivamente procuraram ajuda (apenas 2 em cada 10 jovens), alerta a necessidade de se trazer visibilidade à necessidade de falar sobre saúde mental. É a causa da valorização da vida que defende a campanha deste mês.
A coordenadora e professora do curso de graduação de Psicologia da FAESA Centro Universitário, Caroline de Paula Correa Bezerra, mestre em Psicologia Social e do Desenvolvimento, informa que existem fatores de risco presentes no âmbito universitário. A conjugação de trabalho com vida acadêmica reduz o tempo de lazer e de vivência do aluno. Contudo, a psicóloga alerta:
Não é todo aluno que vai ter um adoecimento e um transtorno mental diante desses fatores de risco. O que leva o aluno a adoecer é a combinação de fatores
Caroline de Paula Correa Bezerra
Caroline de Paula afirma, então, que as pessoas não estão diante de uma equação exata, na qual o preenchimento de critérios objetivos resultará num produto de transtorno mental. Cada pessoa lida de forma diferente com os fatores sociais e externos. Tais questões afetam a saúde mental, mas não da mesma forma para todos. Importante, contudo, considerar os fatores externos quando se trata de saúde mental.
No estudo da “Chegg”, apenas 39% dos estudantes brasileiros consideram seu país um bom lugar para viver, sendo a terceira menor proporção, superada apenas por Rússia e México, ambos com ambas com 37%, e Argentina (16%). Apenas 20% desses jovens brasileiros acreditam que vivem em uma sociedade aberta e livre, que apoia a diversidade, os menos afortunados e que dá oportunidades iguais para todos.
Problemas sociais que o Brasil enfrenta são variantes importantes quando se trata de saúde mental. Não há como discutir um sem o outro. O estudo citado revelou que 61% dos estudantes de graduação no Brasil tiveram dificuldades para bancar pelo menos uma das seguintes contas no último ano: serviços de utilidade pública como luz e água (40%), contas médicas (25%), comida (25%) e aluguel (19%). Como tratar a saúde mental do cidadão que sofre com transtorno sem considerar que o mesmo mal consegue suportar financeiramente serviços básicos de vida?
A coordenadora Caroline de Paula explica também que não são todas as pessoas que têm alterações das suas emoções que vão desenvolver um transtorno mental e que vão, diante do transtorno, ter um risco para o suicídio:
Não são todas as pessoas que têm depressão, por exemplo, que tem ideação, pensamento ou prática relacionada ao suicídio. Da mesma forma temos alunos, pessoas que não estão numa circunstância de transtorno mental, mas que, de repente, podem viver uma situação de estresse muito alto e ter um comportamento, sentimento suicida
Caroline de Paula Correa Bezerra
Uma estudante de medicina veterinária de 31 anos, que já se encontra em tratamento psiquiátrico, revela que o contexto da pandemia agravou os sintomas. Para a universitária, o maior incômodo tem sido a sensação de perda dos vínculos e da falta de uma dinâmica fora de casa. Mesmo podendo assistir as aulas teóricas em casa, ela tem tentado ir presencialmente para novamente pegar um ritmo ‘fora de casa’. “É bem mais que apenas assistir aula, pois abrange rituais: acordar, tomar um banho, tomar café, me deslocar”, relata.
A estudante ressalta a importância desses rituais do cotidiano para, inclusive, despertar a criatividade e o aprendizado.
O fato de estar em casa dificulta ter a curiosidade de aprender para além das aulas. Nesses quase dois anos, a sensação que fica é que parte da minha vida ficou suspensa. É como se um borrão de aprendizados representasse esse período. Não tenho me sentido segura em relação às matérias que fiz em EAD
FORMAS DE ACOLHIMENTO PSICOLÓGICO DA FAESA
É importante falar sobre os fatores protetivos, que vão trabalhar a prevenção do aparecimento de transtornos mentais, diminuindo, assim, os fatores de risco. O fortalecimento do acolhimento é, segundo Caroline de Paula, parte da política institucional da FAESA que possui duas formas de acolhimento para os os alunos que estão com alguma demanda relaciona à saúde mental.
O primeiro acolhimento é feito pelo Núcleo Pedagógico (NUPED), que conta com uma equipe de psicopedagogas e psicólogas que fazem o acolhimento pleno e o monitoramento do aluno, no que tange à saúde mental. Lá é feito encaminhamentos externos, acompanhamento do aluno ou, ainda, debate, com coordenação de curso ou professor, de estratégias de acolhimento para manter o aluno e diminuir o impacto da graduação em sua saúde mental. A recepção do aluno é feita por intermédio de encaminhamento do coordenador do curso. “O coordenador pode receber demanda do próprio aluno ou dos professores”, informa Caroline.
A coordenadora continua:
A outra forma de acolhimento indireto é por meio da Clínica Escola do curso de Psicologia. Ela é aberta à comunidade em geral, inclusive ao aluno da própria Instituição. Somente os alunos de Psicologia não são atendidos na clínica, pois são estagiários ou colegas dos estagiários, o que, por uma questão ética, é empecilho
Caroline de Paula Correa Bezerra
Alunos de outros cursos, contudo, podem preencher a ficha de inscrição, assim como população em geral, para ser chamado ao atendimento psicológico na clínica. “Infelizmente o número e a procura são altíssimas e atendemos segundo a quantidade de alunos que estão em estágio”, afirma.
Edição: Karol Costa e Victor Sartório
Imagem Destaque: Freepik