Campanha “Setembro Amarelo” para valorização da vida
Victor Sartório
“Mãe, pai, não se culpem. Eu amo vocês. Com amor, Mike. 11:45 pm”. Foi o recado que Dale e Darlene Emme encontraram, às 23h52 do dia 08 de setembro de 1994, ao lado do corpo sem vida do filho de 17 anos de idade, dentro de um Ford Mustang ’68, de cor amarelo vivo, em decorrência de um tiro, numa cidade do estado do Colorado, nos Estados Unidos. Foram apenas sete minutos de atraso, entre as últimas palavras do filho e o pior momento da vida dos pais. Um ato que chocou a família e amigos que viam Mike como um alegre, divertido, carinhoso adolescente e sem ter nenhuma ideia do que o jovem passava.
Foi por intermédio da trágica história de “Mustang Mike” – como os amigos lhe chamavam em razão da paixão por mecânica automotiva, que o levou a reformar e pintar de amarelo esse carro – que os pais fundaram, naquele mesmo ano, o projeto “Yellow Ribbon” (“Fita Amarela”, em tradução livre). A iniciativa começou na noite anterior ao funeral de Mike, quando os amigos compartilharam as histórias e tiveram a ideia de anexar 500 faixas amarelas, em homenagem ao famoso Mustang, em cartões que ofereciam ajuda a quem enfrentava problemas psicológicos, com telefone para contato. No dia do funeral, todos os cartões e faixas acabaram e, ao longo dos meses, as ligações e pedidos de ajuda começaram e até hoje não pararam.
Em 2003, a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu o dia 10 de setembro como “Dia Mundial da Prevenção do Suicídio”, escolhendo o amarelo do Mustang de Mike como a cor oficial da campanha. No Brasil, desde 2015, num esforço conjunto entre a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Centro de Valorização da Vida (CVV) é organizado o “Setembro Amarelo”.
A ideia é dar visibilidade à causa para que a sociedade se conscientize e discuta sobre essa questão de saúde mental que mata quase 40 brasileiros por dia. O dado é do relatório “Suicide Worldwide in 2019: Global Health Estimates” (“Suicídios no mundo em 2019: Estimativas Globais de Saúde”) divulgado pela OMS em 2021. A Organização também aponta que nove em cada dez casos, essas mortes podem ser evitadas com a atenção adequada, mais um motivo para a importância de levantar a visibilidade da questão.
A psicóloga do Hemocentro do Estado do Espírito Santo (Hemoes) Bruna Mozer Prucoli afirma que são muitos os fatores de risco para o suicídio: “transtornos psiquiátricos, ter pessoas próximas que cometeram suicídio, perdas significativas, histórico de abuso ou violência na infância”, sendo o principal dos fatores a tentativa prévia. Logo, pessoas que já tentaram suicídio uma vez tem uma chance maior de tentar novamente.
Bruna ainda alerta:
“É importante ficar atento às falas que sinalizam desesperança, perda de sentido e sofrimento intenso, como ‘eu tenho vontade de morrer’, ‘eu queria não existir, sumir’, ‘não aguento mais, não consigo mais suportar’, ‘nada faz sentido’, ‘não tem jeito, não tem solução'”
É fundamental que a pessoa necessitada seja encorajada a procurar ajuda profissional, pois esses especialistas saberão adequadamente orientar, ouvir e ajudar alguém em um estado tão frágil. Segundo a psicóloga, há um tabu muito grande em relação ao suicídio, o que dificulta que a pessoa se sinta à vontade para falar do que está passando. É o que explica o caso de Mike Emme, bem como de milhares de outras pessoas que tiraram a própria vida para grande surpresa dos entes queridos que não faziam ideia do sofrimento que a vítima se encontrava.
A terapia junto ao psicólogo e a introdução medicamentosa por médico psiquiatra caminham juntas: “muitas vezes o tratamento consiste em medicação prescrita por um psiquiatra, o que ajuda a reduzir a angústia de forma que o paciente saia daquele estado de total desesperança e, assim, consiga encontrar novos sentidos na psicoterapia”, esclarece Bruna. Na terapia a pessoa encontra um ambiente seguro para falar sobre a dor, tendo, assim, a chance de ressignificar aquilo que provoca sofrimento e encontrar novas soluções e sentidos.
Bruna lembra que as pessoas em risco de suicídio possuem prioridade de atendimento nas unidades do Sistema Único de Saúde (SUS). A psicóloga explica ainda que, além da pessoa ser orientada a buscar esses canais gratuitos, é, também, recomendável que não deixe a pessoa sozinha ou com acesso a materiais perigosos e a busca por um atendimento deve ser imediata.
É Importante destacar que as questões de saúde mental não se encontram num vácuo, ou seja, não podem ser analisadas sem se considerar o contexto social no qual as pessoas estão inseridas. “Insegurança econômica, grandes perdas financeiras e violência podem aumentar a incidência de transtornos de ansiedade, depressão e outros transtornos psiquiátricos. E se considerarmos que essas situações podem causar sofrimento psíquico intenso e desesperança a ponto de a pessoa não enxergar saída para seu sofrimento, temos, sim, essa relação de contexto de crise com suicídio”, pontua Bruna.
Segundo dados apresentados pela Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo (Sesa) na 3ª Edição (2019) do seu “Boletim Epidemiológico”, 236 capixabas tiraram a própria vida no ano de 2018, sendo 177 do sexo masculino e 58 do sexo feminino.
- Serviços
O Centro de Valorização da Vida (CVV), umas das ONGs mais antigas do Brasil, fundada em São Paulo, em 1962, oferece uma linha gratuita e 24 horas, pelo número 188, por chat, e-mail ou pessoalmente, fornecendo apoio emocional e orientações a quem sofre com problemas psicológicos e considera o suicídio. Para quem necessita, a página na internet é www.cvv.org.br e, em Vitória, o posto de atendimento, com funcionamento 24 horas, se localiza na Avenida Alberto Torres, nº. 153, no bairro Jucutuquara. Vale destacar que a linha telefônica é sigilosa e tudo é feito no anonimato.
Em caso de emergência médica, de natureza psiquiátrica, a referência no estado é o Hospital Estadual de Atençao Clínica (Heac), sendo serviço completamente gratuito, atrelado ao SUS. O Heac está localizado na Alameda Élcio Álvares, 339 – Tucum, Cariacica/ES, telefone (27) 3636-2837. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) também responde as emergências pelo número 192.
- “Não tenho dinheiro para pagar terapia“
Para aqueles que não possuem condições financeiras de buscar atendimento por psicólogo particular, o SUS fornece atendimento psicológico na Unidade de Saúde de cada município, sendo essa a porta de entrada para qualquer serviço de saúde. Havendo na região, a pessoa poderá ser encaminhada aos centros especializados como o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) ou os Centros Regionais de Especialidades (CRE).
Edição: Victor Sartório
Imagem do Destaque: Freepik