Virando a Página: Relatos de uma voluntária
O Virando a Página é um projeto social da FAESA Centro Universitário junto a Defensoria Pública do Espírito Santo e tem como objetivo levar a literatura para a vida de internos do Xuri, em Vila Velha. A ideia principal é a remição da pena com a utilização da leitura. Os internos recebem aulas didáticas e dinâmicas voltadas para a escrita, gramática e literatura e ainda recebem livros como forma de objeto de estudo e, principalmente, entretenimento.
A proposta é a leitura dos livros escolhidos e a realização de uma prova sobre as obras oferecidas. Aqueles que conseguirem tirar uma média maior ou igual a seis na avaliação (que se consiste na produção de um resumo ou resenha do livro lido) ganham quatro dias a menos de pena.
O professor da FAESA Antônio Alves de Almeida é quem coordena o projeto, e vai de 15 em 15 dias para Xuri junto com o grupo de voluntários composto por alunos dos cursos de Pedagogia, Ciências Biológicas e Comunicação Social. O Virando a Página foi um sucesso em sua etapa inicial, e neste segundo semestre de 2018, as expectativas de Antônio continuam animadas. O projeto, de acordo com o professor, é de grande importância:
“Nossos alunos de Xuri são pessoas de carne e osso, que erram e acertam como nós, e que sempre possam ter uma chance de recomeçar. A minha expectativa é de ajudar a transformar a sociedade capixaba em um sociedade melhor, mais humana, ética, solidária e inclusiva”, comentou.
As primeiras reuniões aconteceram neste mês de agosto, sendo que a primeira visita a Xuri ocorreu no dia 22/08. O coordenador Antônio foi acompanhado pelos voluntários Nathalia Gonçalves Ferreira, Sara Fabre Menegardo, Mágner Beirão de Carvalho, Mayara da Silva Borba e Daniela Esperandio.
Antes de fazer o percurso até Xuri, a estudante de Ciências Biológicas Sara Menegardo contou que participar do projeto Virando a Página é algo diferente de tudo o que ela já fez, além de ressaltar as expectativas :
“Vai ser uma experiência totalmente diferente. A gente vai dar um pouco da gente para aquelas pessoas, e eu espero aprender com elas, aprender comigo mesma”, disse.
Depois da finalização do encontro com os internos, os voluntários se reuniram e discutiram pontos importantes sobre aquela primeira visita. Questões foram debatidas, e uma certeza concretizada: o primeiro contato tinha sido ótimo!
A estudante do sexto período de Pedagogia Mayara Borba, que participa do projeto desde o início, avaliou tudo positivamente:
“Nossa primeira aula foi muito legal! Os alunos são muito interessados, eles participam, se comunicam e a gente interagiu bem. Minhas expectativas são de que a gente se interaja e se envolva muito mais com eles, e que eles cresçam, que nós cresçamos juntos também”, falou.
Os livros entregues no primeiro dia foram O Pequeno Príncipe de Antoine de Saint-Exupéry e O Menino do Dedo Verde do escritor Maurice Druon.
Virando a Página: Relatos de uma voluntária
Resolvi participar do Virando a Página pelos simples fatos de eu ser apaixonada pela literatura e por eu nunca ter participado de nenhum projeto social antes. A proposta de falar de livros e poemas e português para pessoas que estão guardadas por celas e paredes pareceu uma grande oportunidade de crescimento e obtenção de experiência. Calma, não sou tão egoísta assim. Também quero que eles ganhem algo de mim, e espero ser útil.
Todos estavam muito ansiosos ao chegar em Xuri. Enquanto passávamos pelos corredores, as paredes ganhavam cor com quadros feitos pelos internos, e todos eles – sem exceção, eu juro – eram lindos. Aquilo foi um choque, na verdade. Tanto talento que poderia colorir ainda mais as paredes daqui de fora.
Entramos na sala e fomos vigiados por trinta e dois pares de olhos um tanto curiosos. Ou talvez entediados, não sei descrever o que eles sentiam naquele momento. A questão é: com o passar de minutos fomos nos interagindo melhor, e alguns se mostraram falantes (um tanto falantes).
Nós (voluntários e professor) comentamos sobre a importância de ler e da diferença que um livro faz na vida das pessoas, nos levando para diversos lugares em um mudar de páginas. Se todos eles nos ouviram de verdade e prestaram atenção, não sei. Mas alguns, posso afirmar que sim.
Recitei o soneto XIII do poema Via Láctea de Olavo Bilac, e peço mil desculpas por transformar tal obra em uma sucessão de palavras ditas em engasgos e hesitação. Por ter errado a segunda estrofe inteira. Inventei quatro versos, perdão Bilac! Mas eles aplaudiram mesmo assim, me deram grande moral.
Alguns respondiam o que perguntávamos com empolgação e em palavras simples, mas bonitas. Antes de pisar em Xuri, fiquei receosa. Porém, ao passar do tempo com os trinta e dois, o medo foi indo embora.
Ainda não sei o que penso sobre tudo isso. Confesso que realmente não sei. Mas participar desse projeto está sendo uma porta para mim. Ao mesmo tempo que vejo trinta e dois indivíduos capazes de cometer atos terríveis e cruéis, vejo seres humanos que erraram e que estão pagando por seus erros. Seres humanos que foram esquecidos e que são julgados e que quando saírem da cadeia serão ainda mais julgados e descartados. Como fazer algo melhorar se não há apoio?
Quando eu era criança, ou até mesmo um pouco mais nova, a minha resposta para a situação seria simplérrima: todos merecem uma segunda chance; eles erraram, mas todos erram. Hoje eu não responderia assim, não com tais palavras.
Se me perguntassem, eu diria ”esse mercado já está saturado de julgadores, temos que pensar em evolução e melhorias”, e pelos céus, a literatura pode ajudar.
Pode ajudar, sim.