Cenários do audiovisual impulsionam o turismo

Com o sucesso de produções internacionais, locais que aparecem na ficção atraem fãs do mundo todo

Mais do que consumir histórias, o público quer vivê-las (Imagem: Freepik)

Isadora Favoreto

O que antes era apenas cenário agora virou destino de viagem. Cada vez mais, cenários que antes serviam apenas de pano de fundo para histórias ficcionais passam a atrair multidões de fãs, transformando o turismo em uma experiência imersiva em que cultura, entretenimento e identidade se misturam.

Dubrovnik – Croácia 

A cidade croata de Dubrovnik, rodeada por muralhas medievais, dá vida à Porto Real do seriado de Game Of Thrones (Imagem: Pexels)

Dubrovnik, na Croácia, é uma cidade medieval com muralhas históricas, ruas de pedra e arquitetura gótica e renascentista, o que se encaixou perfeitamente no mundo de Westeros, de Game of Thrones. Dubrovnik foi usada como Porto Real, capital dos Sete Reinos da série baseada nos livros de George R. R. Martin.

Tours guiados mostram aos visitantes locais icônicos das filmagens, como a Fortaleza de Lovrijenac (usada na série como a Fortaleza Vermelha) e o Pátio do Hotel Belvedere, onde foi filmada a batalha Oberyn e A Montanha.

Maya Bay – Tailândia

Em Maya Bay, cenário do filme A Praia, ocorreu um fluxo de 3,5 mil visitantes diários, com barcos e lixo comprometendo 60% dos corais (Foto: Pixabay)

Maya Bay é uma praia tailandesa que se tornou mundialmente famosa após ser cenário do filme A Praia. O longa, que retrata a busca de jovens por um paraíso intocado, acabou provocando o efeito oposto na vida real: uma invasão turística em massa que devastou o ecossistema local.

A praia se tornou vítima do mesmo fascínio que o filme pretendia criticar, mostrando como a imagem, quando descontextualizada, pode gerar impactos que ultrapassam a ficção e atingem a própria realidade. A intencionalidade artística foi distorcida pela intencionalidade comercial e midiática que se seguiu, quando o cenário virou produto.

Representação e realidade

O caso reforça a noção de que a representação nunca é neutra: ao transformar uma paisagem em cenário de ficção, o cinema redefine seu destino.

Para o jornalista e professor de Linguagem Audiovisual da FAESA, William de Oliveira, sempre há uma intencionalidade naquilo que é filmado e mostrado.

É importante sempre ter cuidado e entender o porquê de uma ficção estar mostrando aquilo, pois a perspectiva é sempre de quem te mostra aquele lugar.

William de Oliveira: “O que é mostrado é uma referência, mas não pode ser tomado como absoluto” (Foto: Arquivo Pessoal)

Na visão de William, o audiovisual sempre foi uma forma de “propaganda turística”.

Quando filmamos algum lugar, há o que mostramos e o que não mostramos, pois aquilo que não é mostrado pode esconder algo. Se a minha intenção é destacar aquele local positivamente, eu vou mostrar sempre os melhores lugares, os melhores ângulos e as melhores imagens. Se eu quero mostrar aquilo por uma ótica mais negativa, eu vou mostrar sempre o oposto.

O professor afirma que o audiovisual tem a responsabilidade sobre como as culturas e espaços são representados.

Quando mostramos algo, temos que deixar muito claro nossa intencionalidade naquilo.

Bukchon Hanok Village – Coreia

A Vila Bukchon Hanok, em Seul, é um destino imperdível para os fãs do dorama Love in the Moonlight (Imagem: Pexels)

As casas tradicionais coreanas são chamadas de Hanok. Os Hanok Villages vão muito além de simples cenários de doramas históricos. Eles são verdadeiros portais para o passado da Coreia, em que a arquitetura tradicional se conecta às histórias emocionantes de reis, guerreiras, estudiosos e amores impossíveis.

Bukchon Hanok Village é um dos mais icônicos e frequentados Hanok Villages. É o destino mais clássico de Seul, tanto para dramas históricos quanto contemporâneos. Em doramas como “Goblin”, “Hotel Del Luna” e “Love in the Moonlight”, as ruas tradicionais do bairro já foram palco de inúmeras cenas marcantes.

Para os apaixonados por dramas históricos, conhecer esses lugares é uma maneira de mergulhar na cultura coreana de forma autêntica e sensível.

Yotsuya Suga Shrine – Japão

A escadaria de Yotsuya Suga Shrine, em Tóquio, é o cenário do encontro final dos protagonistas no filme Your Name (Imagem: Pexels)

A Escadaria do Santuário de Suga se tornou um dos lugares mais famosos para os fãs de Your Name se reunirem e recriarem uma das cenas mais icônicas do filme.

No filme, os protagonistas Taki e Mitsuha se reencontram nesses degraus na cena final. O momento é profundamente emocionante e conquistou o público ao redor do mundo, levando fãs de diversos países a viajarem até o local para conhecer o cenário e recriar essa cena marcante.

Os degraus estão localizados no bairro de Suga, em Shinjuku, Tóquio, perto da estação Yotsuya e levam a um santuário chamado “Santuário Suga”, por isso são chamados de “Degraus do Santuário Suga”.

Boris Lumé Patisserie Boulangerie – França

A padaria Boris Lumé Patisserie Boulangerie foi inspiração para a padaria do desenho Miraculous: As Aventuras de Ladybug (Foto: Arquivo Pessoal)

A padaria Boris Lumé Patisserie Boulangerie serviu de inspiração para a padaria ficcional Tom & Sabine Boulangerie Patisserie, onde mora Marinette, a protagonista de Miraculous: As Aventuras de Ladybug.

Essa padaria está localizada em Montmartre, em Paris, na França, um bairro famoso pelas ruas de paralelepípedos, cafés e padarias charmosas. Fãs visitam Montmartre buscando o “cenário de Marinette”, especialmente a fachada da Boris Lumé Patisserie Boulangerie.

Além da padaria, outros locais de Montmartre aparecem no desenho, como a praça principal e cafés, fazendo com que o bairro seja associado à estética de Paris no imaginário dos fãs.

O turismo e a cultura

Para o professor de Teorias da Comunicação da FAESA, Fabiano Mazzini, esse turismo impulsionado pelo audiovisual é um tipo de consumo cultural.

Estar em locais que remetem às obras que consumimos reforça esses pontos geográficos e faz com que as pessoas queiram estar lá. Então, a vivência e a geografia afetiva que esses lugares produzem é fundamental para que eles ascendam a um local de destaque.

Na visão de Fabiano, esses destinos já eram produtos culturais globais.

Eu não vejo isso exatamente como algo novo, mas como algo que já está dado e que fica reforçado por conta das redes sociais e da forma como a gente compartilha a nossa presença nesses locais.

Fabiano Mazzini: “Ao assistir a essas obras, recebemos uma mensagem simbólica e somos levados a locais que façam referência a elas” (Foto: Arquivo Pessoal)

O professor também discute sobre o que esse tipo de turismo revela sobre a forma como consumimos cultura hoje.

Por conta da globalização, esses locais revelam muito da nossa presença nesse mundo da instantaneidade: uma forma de consumir cultura dinâmica, fragmentada e rápida.

Sendo assim, mais do que simples cenários ficcionais, esses lugares revelam o poder do audiovisual de atravessar fronteiras e transformar a forma como vivemos e consumimos cultura. Nesse encontro entre ficção e realidade, o turismo ganha novos sentidos e isso mostra que o cinema, as séries e as animações não apenas retratam o mundo: eles o reinventam.