Resenha: “Vidas Secas”, a dura realidade do sertão nordestino

Isadora Favoreto
Publicado em 1938, o livro Vidas Secas, de Graciliano Ramos, é um cânone da literatura brasileira que, com apenas 176 páginas, trata-se de um romance bastante comovente ambientado no sertão nordestino. Apesar de estar inserida no Modernismo brasileiro, com forte presença do regionalismo, é uma obra sem idealização: o sertão é mostrado com uma dureza real.

Por meio da simplicidade e economia da linguagem, com palavras duras, cortantes e sem enfeites, capturando a essência da vida dura no sertão e a resistência dos personagens frente às adversidades, a obra aborda temas como a seca e a pobreza, refletindo a realidade de muitos retirantes que enfrentam a miséria e a desigualdade social.
Ao iniciar a leitura, nos é apresentada uma família de retirantes, composta por Fabiano, a esposa Sinhá Vitória, dois filhos e a cadela Baleia, que caminham sem rumo pelo sertão, tentando sobreviver à seca. Eles chegam a uma fazenda abandonada onde tentam se estabelecer, mas logo são pressionados pelo proprietário a deixarem o local ou aceitarem condições de trabalho como arrendatários.
Em Vidas Secas, o sertão é tanto cenário quanto personagem. A seca, impiedosa, dita o ritmo da vida, molda o caráter das pessoas e revela a fragilidade das relações humanas. Ainda assim, há momentos de ternura, especialmente na relação com Baleia, a cadela que representa a pureza e a esperança que Fabiano parece ter perdido.
É interessante destacar que o livro explora a animalização e humanização dos personagens. A seca nordestina e as desigualdades sociais levam os personagens a se comportarem como animais, enquanto a cadela Baleia, por outro lado, possui características humanas.
Fabiano, por exemplo, é constantemente apresentado como se fosse um bicho, com um jogo de linguagem entre as expressões “homem” versus “bicho”. Outro exemplo é que, diferente da Baleia, os dois filhos não possuem nomes próprios. São chamados pelo narrador e pelos próprios pais apenas de “menino mais velho” e “menino mais novo”.
Essa inversão de papéis entre o animal e o ser humano é uma estratégia literária que Graciliano utiliza para refletir sobre a condição humana em tempos de miséria e desigualdade.
A narrativa acompanha a trajetória dessa família sem seguir uma linha cronológica rígida: os capítulos podem ser lidos de forma independente, como pequenos contos que se entrelaçam para compor um quadro maior da vida no sertão.
O autor constrói um retrato duro da seca, da fome, da exploração e da falta de perspectivas, mas sem cair no sentimentalismo. Os temas centrais da obra giram em torno da luta pela sobrevivência, da opressão social, do sonho de uma vida melhor e da repetição cíclica da miséria.
Graciliano Ramos não escreve para emocionar — escreve para expor. Sua prosa é denúncia e espelho, mostrando a desigualdade social e a ausência do Estado na vida dos mais pobres. O sonho de Sinhá Vitória por uma cama de couro, pequeno diante da grandeza da seca, sintetiza a força do livro: a luta por um mínimo de conforto e humanidade.
Mais de oito décadas depois, Vidas Secas segue atual. Continua a ecoar nos tempos de crise, mostrando que a seca maior talvez não esteja apenas na terra, mas também nas relações sociais e na alma do país. A obra de Graciliano Ramos continua a ser relevante, oferecendo uma reflexão profunda sobre a luta pela sobrevivência e a dignidade em meio à adversidade.