Brincar de cooperar: projeto de ecoponto em cooperativa mirim no noroeste do ES avança casas que combinam sustentabilidade e impacto na comunidade

Jovens da Coop-União desenvolveram ecoponto para coleta seletiva na escola, unindo valores cooperativistas e educação ambiental. Batizado de “Ilha Ecológica”, aprendem de forma lúdica os valores do cooperativismo

(Arte: Hugo Dadalto)

Hugo Dadalto

Toda ilha nasce do encontro entre terra, água e gente que a habita, seja por humanos ou seres pequeninos que fogem do campo de visão. No país que abriga cerca de 1.200 porções de terra rodeadas de água, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma delas ficou fora deste mapeamento. E isso não aconteceu por erro de contagem, mas sim por ela ser cercada dos principais valores que norteiam o cooperativismo, o que a faz ganhar um status especial. Sustentabilidade, responsabilidade e preocupação com a comunidade são alguns dos itens indispensáveis para os moradores que, de mão em mão, deixam a preocupação no presente para as futuras gerações sobre os cuidados com o meio ambiente. 

Cercado pelo ar fresco do clima tropical e pela vegetação esverdeada da Mata Atlântica, em São Gabriel da Palha, a pouco mais de 200 km da capital Vitória, uma nova ilha brotou não no mar, mas no coração de uma cooperativa. Ali, nasceu a Ilha Ecológica, em outubro de 2024, fruto do Cooperjovem, na cooperativa Mirim Coop-União. Onde antes havia chão batido e silêncio, agora, o multicolorido das estruturas de concreto e das placas de coleta seletiva ganham um sentido especial e mostram que, por meio da construção coletiva, é possível mais do que erguer paredes: é cooperar para plantar um futuro melhor.

Na “Ilha Ecológica” os alunos aprendem de forma divertida sobre cooperativismo e sustentabilidade, além de realizar ações de sensibilização na comunidade (Foto: Acervo Coop-União).

Na prática, o Programa Cooperjovem combina o ensino dos princípios e valores que guiam o cooperativismo com atividades alinhadas às competências definidas pela Base Nacional Comum Curricular, a BNCC. O regimento norteia a atuação educativa no Brasil. No entanto, toda essa aprendizagem foge da ideia da lousa branca repleta de conteúdo didático. Aqui, isso acontece por meio do Cooperjogo. Dividido em fases como: sonhar, preparar e concretizar, nele, os estudantes avançam cada casa do tabuleiro na busca de uma sociedade mais justa, consciente, colaborativa e próspera. 

Nessa diversão de aprender sobre o universo do cooperativismo brincando, a Ilha Ecológica surgiu da preocupação em conscientizar a comunidade local sobre a correta destinação dos resíduos e o desejo de dar um novo sentido a um espaço que, até então, não era utilizado na escola. Dessa combinação de sucesso, os estudantes avançaram algumas casas até agosto de 2025, quando o espaço passou a funcionar efetivamente. 

Por lá, eles quem são os principais frequentadores do ambiente, seja para descartar o plástico que sobra dos quitutes que saboreiam durante o recreio ou, ainda, o que é utilizada para dar vida aos trabalhos escolares, como resíduos de isopor de maquetes e papéis de cartolina, por exemplo. 

De mão em mão, com cores, tintas variadas e muita criatividade, os alunos da cooperativa mirim pensam e decoram cada espaço do ecoponto (Foto: Reprodução/Redes Sociais Coop-União).

Entre os cooperados que não deixam de marcar presença na Ilha está a presidente da Coop-União, Julia Pessin. No posto de liderança, ela conta que foi a responsável por colocar o protagonismo dos participantes em prática, mobilizando os alunos a contribuírem com ideias e habilidades para executar a proposta de construir o espaço. Ela também foi uma das mãos que ajudaram a trazer os tons coloridos vibrantes do local, manuseando os pigmentos azul e vermelho das paredes e plaquinhas que decoram o ambiente e guiam quem deseja depositar o material na Ilha Ecológica. A líder diz que o resultado desse esforço coletivo não demorou muito para aparecer e veio refletido no brilho dos olhos da jovem.

Da esquerda para a direita: a presidente da Coop-União, Julia Pessin; a secretária da Coop-União, Maria Júlia Tomazeli (Foto: reprodução/Redes sociais da Coop-União)

Foi uma experiência emocionante e gratificante. Ver aquele espaço que antes era abandonado se transformando em lugar bonito e útil para todos foi inspirador. A sensação de que estávamos criando algo que beneficiaria a comunidade escolar foi muito recompensadora
Julia Pessin, Presidente da Coop-União.

Entre as competências do Cooperjogo, está a solução de desafios, e isso Júlia explica que viveu na prática. No entanto, para superar o obstáculo, ela lembra que  foi através do fortalecimento do trabalho coletivo que encontrou o suporte necessário para  tornar a Ilha Ecológica uma realidade possível. “Essa transição de sonho para a realidade foi desafiadora, foi extremamente satisfatória. No início, tudo parecia ser apenas uma ideia distante, mas quando começamos a trabalhar juntos e ver nossas ideias ganhando forma, a empolgação aumentou e nos motivou ainda mais a continuar”, destaca. 

Quem também compartilha o desejo comum com o da presidente da Coop-União de transformar a realidade ao redor é a secretária da Cooperativa Mirim, Maria Júlia Tomazeli. Enquanto se divide na jornada de planejar as reuniões e organizar os documentos que em suas linhas carregam as informações dos projetos da cooperativa, na Ilha Ecológica, ela assumiu outro posto: o de capitanear as atividades práticas para construção do ecoponto.

A parte mais marcante foi quando a gente finalizou a construção e a gente fez a primeira interação com os alunos da escola. Aí a gente mostrou como usar a ilha para a coleta seletiva. Isso foi especial, pois a gente sentiu que estávamos realmente fazendo a diferença e educando nossos colegas sobre a importância da sustentabilidade

Maria Júlia Tomazeli , Secretária da Coop-União.

Ouça os breves relatos das duas jovens que reforçam o papel transformador do cooperativismo por meio da educação ambiental na construção da Ilha Ecológica.

À frente da Coopesg, Giovanni destaca que as práticas sustentáveis acompanham a formação dos pequenos desde as séries iniciais, garantindo, assim, uma formação mais consciente e centrada nas necessidades da comunidade gabrielense. (Foto: Acervo pessoal).

O diretor da Coopesg, Giovanni Venturim, não poupa elogios ao olhar para a dedicação e empenho dos alunos de pensar minuciosamente em cada detalhe da Ilha Ecológica. Para ele, projetos como esse funcionam como um espelho que reflete os princípios que norteiam o cooperativismo em diferentes frentes e, ainda, servem como bússola para guiar todas as iniciativas que a escola Coopesg busca colocar em prática.

Temos muito orgulho de estarmos contribuindo com o projeto cooperativa Mirim, a nossa opinião hoje que ele é muito importante para o desenvolvimento dos nossos alunos que fazem parte do programa e, também, para a disseminação dos princípios cooperativistas. A iniciativa da Ilha Ecológica, de uma certa forma, incentiva os alunos e os participantes do programa a estarem envolvidos e se preocupando com práticas de sustentabilidade, práticas essas que vão ajudar na preservação do meio ambiente na entre outras práticas é boas para o convívio em sociedade

Giovanni Venturim – Diretor da Coopesg

Da escola para casa, o trajeto do diretor também é acompanhado por aprendizagens mais sustentáveis aprendidas na Ilha Ecológica que ele aplica no próprio dia a dia. Giovanni destaca que a separação de resíduos foi um deles. Uma atitude que mostra, na prática, uma cooperação que começou no pátio da escola, também pode atravessar o portão do local e se estender para além dos muros que o cerca. 

Entre o consumo e reaproveitamento: combinação que movimenta a comunidade gabrielense

Em 2023, o Brasil produziu mais de 81 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos no ano, o equivalente a quase 382 kg por habitante. No Sudeste, região que mais gera lixo no país, o cenário não é muito diferente da tendência nacional, alcançando a casa dos 39 milhões de toneladas geradas. Os dados são do  Panorama de Resíduos Sólidos no Brasil 2024. Para se ter ideia da magnitude desses números, seria necessário encher mais de 3 mil vezes a área do Estádio Kleber Andrade, em Cariacica, para comportar a quantidade de material descartado no território brasileiro. 

É a partir desse raio-x feito pelos números do panorama que a rota que cerca a Ilha Ecológica da Coop-União e o que os cooperados aprendem em sala de aula sobre reutilização, descarte correto e sustentabilidade ganha sentido. Dentro da rotina do espaço, as lixeiras coloridas do ecoponto não são o ponto final deste trajeto verde: de lá é que os materiais devidamente separados de acordo com a composição de cada um deles seguem para a Associação de Catadores de São Gabriel da Palha (Ascat).

Aqui, o cooperativismo manifesta não na logística, mas no cuidado coletivo. A ponte entre a Coopeg e a Ascat refletem uma parceria potente para a sustentabilidade do planeta: é a partir do olhar voltado para as necessidades da comunidade que o resíduos que seriam descartados de forma incorreta e demoraram anos para se decompor, podem virar geração de trabalho e renda a quem se dedica ao ofício de dar um novo sentido aos resíduos sólidos em itens reaproveitáveis. 

Aprender para ensinar: ato que move quem multiplica os saberes cooperativistas e sustentáveis dentro e fora da sala de aula

No chão acinzentado da Ilha Ecológica, algumas marcas de passos espalhadas por ele são familiares para quem frequenta o espaço. Rapidamente eles são reconhecidos pelos moradores do ecoponto e, aos poucos, cada rastro deixado pela professora orientadora da Coop-União, Lorethana Scalfoni, mostram que, além de ser uma conhecedora raíz de cada canto do local, é deles que florescem os conhecimentos necessários para guiar cada ação da Ilha. Mais do que conteúdos didáticos, a educadora é um elo na formação de cidadãos mais conscientes, preocupados com o futuro do planeta e a comunidade ao redor. 

Educadora é uma das que acompanhou a construção da “Ilha Ecológica” desde o surgimento. (Foto: Acervo Pessoal) 

A preparação de Lorethana para levar a bagagem de saberes sobre o universo da sustentabilidade aos alunos da cooperativa mirim começa bem antes da chegada dela à Coopesg para iniciar mais de uma de suas aulas. A professora conta que o trajeto é guiado por um tripé que conta com formações dadas diretamente pelo Sistema OCB/ES, outras feitas de forma autônoma e, ainda, as oferecidas pela própria escola Coopesg. A mistura desses três ingredientes forma uma receita de sucesso que tem como toque secreto um dos princípios do cooperativismo de criar um espaço no qual os envolvidos possam aprender, inovar e combinar o crescimento pessoal e profissional ao mesmo tempo.

Da direita para a esquerda: Lorethana segura nas mãos o símbolo que identifica a cooperativa mirim Coop-União. (Foto: Sistema OCB/ES)

Todos esses princípios, principalmente a gestão democrática e o interesse pela comunidade, eu levo isso para as minhas atividades dentro da sala de aula. E aí eu vejo os meus alunos de uma forma diferente, eu percebo que eles são capazes, eu passei a ouvir eles melhor. Com isso, hoje, eu já desenvolvo minhas atividades visando sempre o que é a autonomia e o protagonismo deles, eles sendo agentes ativos dentro de todo esse processo. E ver esse protagonismo sendo desenvolvido é fantástico

Lorethana Scalfoni, professora orientadora da Coop-União

Na cooperativa mirim desde 2022, Lorethana define que a paixão pela iniciativa é o principal combustível que move o trabalho dela com os alunos. Parte desse amor, pelo relato da professora, viram ações concretas alinhadas com a proposta da Ilha Ecológica. Ela também é uma das que após a concretização do projeto passou a realizar a separação de resíduos em casa e reforçou o olhar na hora de adotar um consumo mais consciente e sustentável no dia a dia. Uma prova concreta de que o cooperativismo pode ser uma das alternativas para um presente mais verde e um terreno fértil para potencializar e ajudar a abranger os conhecimentos de quem ajuda a formar todas as outras profissões. 

Nesse universo que combina cooperar, aprender e cuidar, o trabalho de Lorethania multiplica a essência da Ilha Ecológica: ela é mais que um ecoponto, é um espaço de aprendizado onde cada gesto ensina e as escolhas se convertam na busca de um mundo mais sustentável nas pequenas atitudes do cotidiano. Juntos, professores, cooperados e a comunidade local gabrielense plantam um caminho que vai além dos muros da escola com as raízes da consciência e solidariedade regados pelos valores do cooperativismo.

 

Diagramação: Redação Lacos

Orientação: Lara Rosado

Imagem Destaque: Hugo Dadalto