Paradoxo da literatura: o prestígio cultural e a desvalorização do livro nacional
Embora exaltados em prêmios e na tradição literária, os autores brasileiros enfrentam invisibilidade e menor procura em comparação aos estrangeiros

Isadora Favoreto
Celebrada como um bem cultural, a literatura nacional convive com uma contradição: enquanto nomes consagrados ocupam lugar de prestígio, nas prateleiras os livros brasileiros enfrentam o descaso e acabam ofuscados pela preferência do público por obras internacionais, geralmente com mais visibilidade.
A tradição literária
Machado de Assis, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade… o Brasil tem uma tradição literária riquíssima, mas grande parte dos leitores preferem autores estrangeiros contemporâneos. Surge, portanto, um questionamento bastante válido: com uma herança tão forte na literatura brasileira, por quais motivos ainda existe essa enorme preferência pelo que vem de fora?
O professor de literatura do Colégio Marista Nossa Senhora da Penha, Joelson Rocha, vê com bons olhos a popularização dos livros e a leitura por fruição, mas alerta para a limitação a apenas esse tipo de literatura:
Não é ruim ter produtos literários feitos para a demanda pública. O problema surge quando a gente fica preso só nesse tipo de literatura, porque ela atinge uma necessidade imediata: falar de resiliência quando todo mundo está atrás disso, falar de inclusão quando esse é o assunto do dia, trazer um bom suspense que todo mundo está comentando…, mas eles contribuem pouco para a evolução individual ou social, pois viram mais um produto de consumo do que uma obra literária em si.
O professor também discursou sobre o que influencia as decisões das pessoas:
As ações das pessoas são complexas e não obedecem a um roteiro do tipo: lerei toda a coleção de Machado de Assis e depois passarei para Guimarães Rosa! Elas decidem o que ler por vários motivos, e hoje em dia até influenciador digital entra nessa conta. Valorizar a literatura como um patrimônio é uma forma de reconhecer e preservar a memória das grandes obras.
Ele acredita que iniciativas escolares e universitárias ainda têm força para reverter essa preferência:
A escola ensina a gente a ler os clássicos — algo que realmente precisa ser aprendido — e, com isso, ajuda o público a fazer escolhas de leitura mais conscientes.
Na visão de Joelson, a leitura de livros clássicos é essencial para a formação integral de todos:
Não se trata só de bons enredos que dão prazer, como acontece com séries, filmes ou novelas, mas de um jeito de entrar em contato com uma linguagem que faz a gente parar, pensar e encontrar respostas para as nossas questões mais íntimas, psicológicas, sociais e até existenciais! O texto canônico nos faz olhar o mundo interior e o exterior. Por isso, é preciso ensinar e incentivar esse tipo de leitura, que qualquer um pode aprender. Diferente de só consumir cultura como quem compra um produto, a literatura clássica aprofunda a existência humana.
Apesar da rica herança literária do Brasil, muitos dizem ler livros brasileiros para ganhar prestígio e não tanto por ser seu hábito de leitura. Afinal, citar Machado de Assis, Clarice Lispector ou outro autor renomado é considerado culto.
Para aproximar os leitores contemporâneos da literatura clássica nacional, segundo Joelson, o desenvolvimento de uma leitura proficiente é fundamental:
Só lê um livro de Clarice Lispector quem se inquieta com o universo psicológico do ser humano. Só lê Machado de Assis quem entende a necessidade crítica humana de viver em sociedade, mas atendendo aos interesses pessoais. No geral, o prazer e a aprendizagem que emergem dessas obras só se alcançam com olhar treinado, que precisa ser ensinado a ver.
A valorização simbólica
Quando autores nacionais são celebrados em eventos, prêmios e discursos culturais, mas vendem muito menos que best-sellers estrangeiros, é correto afirmar que a literatura brasileira é valorizada no discurso, mas desvalorizada no mercado. Isso mostra um abismo entre prestígio intelectual e consumo popular.

Fica evidente, então, que o contraste entre a riqueza da tradição literária brasileira e a preferência do público por best-sellers estrangeiros revela mais do que um simples dado de mercado: expõe um desafio cultural profundo. Valorizar os clássicos nacionais não significa rejeitar a produção internacional, mas reconhecer que a identidade literária do país depende de leitores dispostos a redescobrir seus próprios autores.
Já está na hora da literatura brasileira deixar de ser apenas um símbolo de prestígio e voltar a ocupar o espaço que lhe pertence nas prateleiras e na imaginação do público.