A Rota Verde: a Jornada Sustentável do Café Capixaba
Da lavoura orgânica no Espírito Santo aos consumidores europeus. Café viaja em veleiro livre de emissões de carbono, simbolizando uma nova era para a cafeicultura sustentável

Ester Tavares
Em um cenário global cada vez mais atento à origem dos produtos e ao impacto ambiental de sua logística, uma iniciativa pioneira nascida no Espírito Santo está redefinindo os parâmetros da exportação agrícola. A história do café orgânico capixaba que cruzou o Atlântico a bordo do veleiro Artemis, sem emitir uma única grama de CO2 durante o transporte, é mais do que um caso de sucesso. É um exemplo concreto de como a sustentabilidade, quando integrada da lavoura ao consumidor final, gera valor, reconhecimento e abre as portas dos mercados mais exigentes do mundo.
A jornada da Rota Verde, uma narrativa que envolve a visão de um líder cooperativista, a dedicação de um produtor campeão e o suporte estratégico de uma instituição que acredita no poder do coletivo. A semente dessa Rota inovadora foi plantada longe das lavouras, no frio de uma feira na Dinamarca. Foi lá que o presidente da Cooperativa Cafesul, Renato Theodoro, teve o primeiro contato que mudaria para sempre os rumos da exportação da cooperativa.

Em um stand da Fairtrade, certificação que a Cafesul já possuía, o café orgânico capixaba despertou o interesse de uma torrefadora suíça com uma demanda muito específica. O cliente buscava, não apenas a qualidade excepcional do grão, mas uma redução radical na pegada de carbono de toda a cadeia produtiva. “Eles, além de comprar o café orgânico, queriam transportá-lo de veleiro“, explica Theodoro, detalhando a proposta que deu origem ao projeto pioneiro.
Confira abaixo o depoimento do presidente da Cooperativa Cafesul, Renato Theodoro, sobre o modelo Cooperativista e o mercado de café
Mas essa iniciativa não surgiu do nada. Ela é fruto de uma trajetória sólida. A Cafesul, pioneira na certificação Fairtrade e também na certificação orgânica para o café Conilon no Brasil, já cultivava uma longa história de compromisso com a sustentabilidade. Anos antes, em 2019, durante uma feira em Berlim, Renato Theodoro havia percebido o crescente interesse do mercado europeu por produtos orgânicos. “Reuni a diretoria e falei que a gente teria que começar um projeto de café orgânico na Cooperativa“, recorda.
O modelo Cooperativista mostrou-se a espinha dorsal para viabilizar essa ambição. Ao agregar dezenas de pequenos produtores, a Cooperativa pôde oferecer o suporte técnico e comercial indispensável para que agricultores familiares atingissem os rigorosos padrões internacionais, um desafio intransponível para quem trabalha isoladamente.
O maior obstáculo, contudo, revelou-se operacional. Exportar via veleiro é uma logística completamente diferente da convencional.
O café não vai em contêineres. Tivemos que prepará-lo em pallets especiais, com embalagens à prova de umidade para garantir a qualidade do grão da saída da Cooperativa até a Europa
Renato Theodoro
O vídeo abaixo apresenta o preparo e os cuidados com a mercadoria a ser embarcada no veleiro
O cuidado meticuloso valeu a pena. O sucesso do café no mercado europeu foi tão significativo que a torrefadora suíça lançou uma marca própria batizada de “Caravela”, que ostenta orgulhosamente um mapa do Brasil destacando o Espírito Santo no rótulo.
Como um reconhecimento que coroa o esforço, clientes europeus foram sorteados para uma imersão no Brasil, visitando as propriedades dos produtores capixabas que deram origem ao produto. “Nós levamos o nome do Espírito Santo para o mundo“, comemora Renato Theodoro.
Novas exportações no mesmo formato estão em negociação, consolidando uma relação comercial pautada na qualidade e na responsabilidade ambiental. Renato Theodoro afirma que a lição que fica é de confiança inabalável no produtor local.
Nós temos que sempre acreditar nos nossos produtores. A grande lição é que eles são capazes de cumprir com todas as exigências e normas internacionais para atender os mais exigentes mercados
Renato Theodoro

Do outro lado, na ponta inicial da cadeia, a notícia da exportação verde foi recebida como a confirmação de um ciclo virtuoso. Para o produtor de café Luiz Claudio de Souza, saber que seu café orgânico percorreria o oceano a bordo do Artemis foi a validação de décadas de dedicação a uma agricultura que respeita o meio ambiente. “É muito gratificante. A gente faz um trabalho pensando no consumidor final e na questão ambiental. Quando vê que o transporte também segue essa mesma lógica é significativo. Significa que a cadeia toda está se preocupando“, reflete o agricultor, cuja vida é dedicada a preservar a vida do solo e das nascentes em sua propriedade.
Ouça o depoimento de Luiz Claudio sobre o processo de produção do café sustentável
Luiz Claudio afirma ainda que a conquista é inseparável da Força do Cooperativismo. “Sou um entusiasta. Individualmente, nossa preocupação tem que ser somente com a produção. A Cooperativa dá tranquilidade para a gente produzir qualidade, enquanto ela busca o mercado e cuida da logística“, afirma, destacando que o apoio técnico foi fundamental para a complexa transição para o sistema orgânico e para custear as certificações, cujo valor seria proibitivo para um produtor individual.
Visionário, Luiz Claudio enxerga nesse modelo de exportação um caminho sem volta, impulsionado por uma mudança no comportamento do consumidor.
É um mercado crescente. O consumidor está cada vez mais vigilante com a saúde, disposto a pagar mais por um produto de qualidade que não agride a natureza e sabendo que esse valor extra chega até o produtor
Luiz Claudio
Herdeiro de uma tradição familiar de migrantes italianos, Luiz Claudio é testemunha e protagonista da revolução pela qualidade do café Conilon capixaba. Um grão que outrora era menosprezado, foi elevado à categoria de especial por meio de um cuidado minucioso em cada etapa, do plantio à pós-colheita, a expertise que lhe rendeu por três vezes o título de melhor Conilon do Brasil.


Essa busca pela excelência é um legado familiar. Em 2024, a esposa e o filho também subiram ao pódio em um concurso nacional, provando que a qualidade é um projeto coletivo. “Às vezes, a gente não pode perder isso nunca: não conseguimos fazer nada sozinho. É muito gratificante ver todo mundo unido e com o mesmo objetivo“, comemora Luiz Claudio. Agora, o maior sonho do cafeicultor, transcende os prêmios individuais.
Quero ampliar e compartilhar o conhecimento. Precisamos ter mais pessoas produzindo de forma sustentável para que, no futuro, as próximas gerações tenham um ambiente melhor. Sozinho você não vai a lugar nenhum; a gente precisa estar unido para fortalecer essa proposta de um mundo melhor
Luiz Claudio
Em uma perspectiva macro, a bem-sucedida exportação da Cafesul é vista pelo Sistema OCB-ES como um símbolo de uma transformação profunda e irreversível no agronegócio. O analista de Desenvolvimento Cooperativista, Vinícius Schiavo, relata que a iniciativa é emblemática. “Essa ação simboliza um movimento que já é realidade: a sustentabilidade deixou de ser um diferencial romântico para se tornar uma exigência concreta do mercado internacional“, afirma.
Vinícius Schiavo ressalta que feiras internacionais, muitas delas com apoio da OCB-ES, são vitais para que os produtores capixabas criem esses vínculos, elevando o nome do estado e demonstrando a capacidade de inovação mesmo de cooperativas de menor porte. O analista diz que o caso da Cafesul não é um ponto fora da curva. É parte de um ecossistema em evolução em que outras cooperativas já adotam tecnologias como o biochar, carvão produzido da palha do café que melhora o solo, e participam de programas como o Café Produtor de Água, que remunera agricultores por serviços ambientais.

Vinícius Schiavo é enfático ao destacar o modelo Cooperativista como o pilar que torna tudo isso possível. “O modelo agrega valor, volume e governança para o pequeno produtor, que sozinho não teria como enfrentar barreiras como a complexa legislação europeia“, explica. Ele refere-se a regulamentações como a EUDR, que exige comprovação de que produtos importados estão livres de desmatamento.
Confira o vídeo depoimento de Vinícius Schiavo
Diante de exigências tão específicas, o trabalho de assessoramento do sistema torna-se crucial.
O nosso trabalho é contínuo: assessoramos na obtenção de certificações, promovemos rodadas de negócio e levamos as cooperativas para discutirem de frente com o comprador externo, preparando-as para um futuro em que as práticas ESG serão cada vez mais comuns e obrigatórias
Vinícius Schiavo
A mensagem é clara: o futuro do agro capixaba no mercado global será verde, coletivo e sustentável. A Rota Verde do Café Capixaba, portanto, é muito mais do que uma viagem de um veleiro. É a prova de que quando a produção responsável, a cooperação e a visão de mercado se alinham, o resultado é uma xícara de café que nutre não apenas o corpo, mas, também, o planeta.
Opinião da autora: Produzir a reportagem foi mais do que um exercício jornalístico. Foi uma lição de esperança e eficiência. Testemunhar a dedicação do Luiz Claudio com a terra, a visão estratégica do Renato e o suporte fundamental do sistema Cooperativista me mostrou que a sustentabilidade verdadeira é um projeto tangível e rentável. Ver o nome do Espírito Santo brilhar em mercados exigentes não é um acaso, mas o resultado de um trabalho sério, coletivo e obstinado. Essa experiência reforça minha convicção de que o futuro do agro capixaba está em boas mãos, mãos que cuidam do solo, valorizam as pessoas e entendem que a qualidade é o melhor negócio. Saio da apuração não apenas com uma matéria jornalística, mas com a certeza de que, unidos, somos capazes de construir rotas verdes para qualquer lugar do mundo.
Diagramação: Redação Lacos
Edição Final: Ester Tavares
Imagem do Destaque: Montagem/Ester Tavares