Colaborador cego lidera programa de acolhimento, diversidade e saúde mental no ambiente de trabalho

Stefhan Ratske é o criador do Programa Acolher que atende colaboradores da cooperativa Nater Coop, em mais de 70 filiais, em todo o Espírito Santo

Colaboradores da Nater Coop participam da dinâmica do Programa Acolher, que promove inclusão e bem-estar (Foto: Arquivo Pessoal)

Gabriella Guerra

Acolhimento e diversidade deixaram de ser apenas discursos e se tornaram prática diária, em mais de 70 unidades da Nater Coop, no Espírito Santo. A cooperativa agrícola implantou o Programa Acolher, idealizado pelo psicólogo organizacional e colaborador cego Stefhan Ratske, com o objetivo de criar um ambiente de trabalho mais empático, saudável e representativo.

Stefhan Ratske criou o projeto Acolher em 2021, em uma das filiais em Baixo Guandu (Foto: Arquivo Pessoal) 

A história de Stefhan Ratske

Cego desde os cinco anos de idade, Stefhan cresceu em Santa Maria de Jetibá, estudou em escola pública e se formou em Psicologia pela FAESA. “Assim que iniciei minhas atividades como profissional, notei que faltava alguma coisa. Foi quando busquei especializações em psicologia hospitalar, organizacional e suicidologia”, relembra. Antes de chegar à Nater, em 2013 atuou no serviço público, em gestão de saúde mental e em projetos de recursos humanos.

Ele explica que um dos principais desafios como pessoa cega é lidar com a falta de tempo das pessoas para compreender as necessidades de quem tem deficiência. “As pessoas acabam não tendo tempo para nos ouvir e entender o nosso mundo. Às vezes, é apenas uma questão de aprender a caminhar ao nosso lado”, reflete.

Motivado por valores pessoais ligados ao cuidado com as pessoas e ao direito de cada um ser quem é, Stefhan encontrou na Nater Coop espaço para colocar em prática um trabalho transformador. “A aceitação por parte das lideranças, o respeito e a procura enorme, com quase 1400 colaboradores já impactados, mostram que a empresa está realmente engajada em tudo o que o programa está proporcionando”, afirma.

Como funciona o Programa Acolher

Criado em 2021, o Programa Acolher atua em diferentes frentes: oferece psicoterapia aos colaboradores, realiza avaliações psicossociais e participa ativamente do processo de recrutamento e seleção. Ele é um projeto de abrangência geral, voltado a todos os trabalhadores da Nater Coop, independentemente de área ou função.

Dentro desse movimento, nasceram grupos de afinidade que abordam demandas específicas. O Orgulho Nater, por exemplo, começou reunindo 12 colaboradores LGBTQIAPN+ e hoje soma cerca de 30 integrantes, incluindo também pessoas negras e com deficiência. Já o Diversidade | Vozes Nater Coop promove rodas de conversa e trocas sobre inclusão, identidade, igualdade e respeito, dando voz a diferentes minorias. Ambos os grupos são braços do Programa Acolher, que funciona como um guarda-chuva, garantindo espaço seguro de escuta, representatividade e pertencimento.

Segundo o presidente da cooperativa, Denilson Potratz, o projeto reflete o espírito do cooperativismo:

 A Nater Coop valoriza as diferenças, apoia e contribui para o acolhimento, para a diversidade dos seus colaboradores e o Programa Acolher chegou para ficar como uma iniciativa que transmite o sentimento cooperativista de colaboração mútua a todos e todas que trabalham juntos no campo.

O presidente da cooperativa, Denilson Potratz, destaca a importância do acolhimento (Foto: Arquivo Pessoal)

“Esse grupo não é só um espaço de apoio, mas também de troca, representatividade e força”, Kalel Seibel Gunz.

Depoimentos que transformam

O assistente administrativo Kalel Seibel Gunz considera que o grupo fortalece o pertencimento (Foto: Arquivo Pessoal)

O impacto da iniciativa já é sentido por quem participa. O assistente administrativo Kalel Seibel Gunz afirma que o grupo fez toda a diferença em sua vida profissional e pessoal. Como pessoa LGBT, ele destaca que estar em um espaço onde pode ser ele mesmo fortaleceu sua autoestima e até sua produtividade.

Para ele, não se trata apenas de um ambiente de trabalho, mas de um espaço em que a dignidade e a valorização caminham lado a lado com os resultados.

Kalel reforça que o Programa Acolher tem sido essencial para que colaboradores como ele sintam segurança em compartilhar suas vivências, sem medo de julgamentos ou barreiras. Essa liberdade, segundo ele, reflete diretamente em mais engajamento e motivação no dia a dia.

Ouça no depoimento de Kalel como o Programa Acolher impactou a trajetória pessoal e profissional:

De forma semelhante, o líder técnico de Segurança, DataCenter e Compliance, Diones Fernando Treichel, vê no grupo Diversidade | Vozes Nater Coop um espaço seguro que fortalece o senso de pertencimento e acolhimento. Esse coletivo integra as ações do Programa Acolher, que tem abrangência geral, promovendo psicoterapia, avaliação psicossocial e apoio no processo de recrutamento e seleção. Além dele, os grupos de afinidade, como o Orgulho Nater, destinado especificamente a colaboradores LGBTQIA+, permitem discussões direcionadas e garantem representatividade e voz ativa dentro da cooperativa. Para Diones, essa estrutura demonstra que a cooperativa não apenas investe no potencial das pessoas, mas também reconhece e valoriza suas singularidades.

A contadora Juliana Moreira, há 23 anos na cooperativa, ressalta que o programa Acolher é prova do compromisso da Nater com a construção de um ambiente humano, respeitoso e transformador. Para ela, poder compartilhar experiências em rodas de conversa fortalece vínculos, autoestima e confiança entre os colegas.

Importância para a saúde mental e a sociedade

A psicóloga Mayra Morais considera queações como a da Nater Coop são fundamentais, não apenas para a inclusão, mas para a saúde mental no ambiente de trabalho.  Para ela, o trabalho é um dos principais campos onde a identidade humana é moldada, sendo fonte de propósito, pertencimento e bem-estar psicológico.

Mayra explica que quando o espaço de trabalho se torna opressor, marcado por metas inatingíveis ou relações tóxicas, pode gerar estresse, ansiedade e depressão. Nesse cenário, políticas de inclusão se tornam vitais: “Elas não são apenas uma questão de justiça social, mas um investimento direto na saúde psicológica e no bem-estar de todos.”

A especialista reforça que iniciativas como o Programa Acolher aliviam o peso da exclusão, aumentam a autoconfiança e criam um senso de pertencimento essencial para a motivação no trabalho. Além disso, seus efeitos extrapolam os grupos diretamente envolvidos: a diversidade de experiências enriquece estratégias, impulsiona a criatividade e melhora a convivência organizacional. Ela destaca uma afirmação da Organização Mundial da Saúde (OMS): “Não há saúde mental sem diversidade.”

Um modelo para o cooperativismo

Hoje, em torno de 1.400 colaboradores já foram impactados diretamente pelo Programa Acolher, seja pelos atendimentos psicológicos, pelas rodas de conversa ou pela participação nos grupos de afinidade.

Mais do que números, esse impacto revela uma mudança cultural: lideranças e equipes passaram a enxergar o acolhimento e a diversidade como parte essencial da rotina de trabalho. O cooperativismo, nesse contexto, se traduz em respeito, empatia e pertencimento.

O Programa Acolher já se tornou um catalisador de mudanças internas na Nater Coop, mas também pode servir de inspiração para outras cooperativas. Ao transformar o ambiente de trabalho em um espaço de escuta, respeito e acolhimento, a iniciativa mostra como o cooperativismo pode ser protagonista na construção de uma sociedade mais justa, diversa e saudável.

Mais do que um programa, o Projeto Acolher representa cuidado, união e respeito dentro da Nater Coop (Foto: Arquivo Pessoal)

Opinião da autora – Conhecer a Nater Coop e mergulhar no Programa Acolher foi mais do que uma pauta: foi uma experiência transformadora. Inclusão não se limita a discursos ou políticas internas; ela ganha sentido quando toca vidas e abre caminhos reais. Inclusão não se resume a abrir portas, mas a garantir que, ao entrar, cada pessoa possa permanecer sendo quem realmente é. Ao ouvir os depoimentos e acompanhar de perto as ações, percebi que cada gesto de acolhimento fortalece vínculos e dá sentido ao pertencimento. O sonho de qualquer trabalhador é estar em um espaço onde sua singularidade seja respeitada e sua voz, ouvida. E, para mim, como jornalista em formação, dar visibilidade a iniciativas como essa é um privilégio. Projetos como o Programa Acolher me mostram que o jornalismo não se limita a relatar fatos, mas também tem o poder de revelar histórias que inspiram e transformam realidades. Levo essa experiência como um marco na minha trajetória. Mais do que uma reportagem, foi um exercício de empatia e escuta, que me ensinou o valor de usar a comunicação como ponte entre histórias reais e corações dispostos a ouvir. Esse aprendizado vai me acompanhar para sempre, reforçando em mim o compromisso de ser uma profissional que dá voz e visibilidade a projetos que fazem diferença.