O Verão Que Mudou Minha Vida: a linha tênue entre ator e personagem

Na terceira temporada da série, fãs se exaltam e atacam elenco, provocando intervenção da plataforma de streaming

Público confunde ficção e realidade na última temporada da série transmitida pela Prime Video (Imagem: Prime Video)

Isadora Favoreto

O que começou como um fenômeno de audiência juvenil se tornou alvo de preocupação para o Prime Video. Parte do elenco de O Verão Que Mudou Minha Vida, série adolescente baseada nos livros de Jenny Han, tem sido vítima de ataques virtuais, com insultos, hostilidade e até ameaças de morte — situação que levou a plataforma a se pronunciar oficialmente. O principal alvo das mensagens de ódio é Gavin Casalegno, intérprete do personagem Jeremiah Fisher.

Em comunicado divulgado nas redes sociais, o streaming fez apelo direto ao público: “o show não é real, mas as pessoas que interpretam os personagens são. Elas merecem respeito”. A mensagem foi motivada por uma onda crescente de ofensas, alimentada pela disputa entre fãs que defendem casais diferentes da trama — Belly e Conrad versus Belly e Jeremiah.

Triângulo Amoroso que ultrapassou a ficção

A série gira em torno da história de Isabel Conklin (ou apenas Belly) e sua relação com os irmãos Conrad e Jeremiah. O romance adolescente, que deveria gerar apenas torcidas apaixonadas, acabou se tornando combustível para ataques coordenados em redes sociais.

Desde então, perfis dedicados à série passaram a hostilizar atores fora da ficção, confundindo vida pessoal com narrativa. Casalegno foi o mais atingido, recebendo mensagens agressivas de usuários que não aceitavam a possibilidade de seu personagem ser o “escolhido” de Belly.

Casos como esses não são inéditos. Séries como Euphoria, Riverdale e até franquias como Star Wars já viram parte de seus atores serem alvo de perseguição digital. A mistura de redes sociais, jovens fãs altamente engajados e a identificação intensa com personagens cria um ambiente fértil tanto para celebrações quanto para hostilidade.

Como enfrentar essa hostilidade?

Para o professor da unidade de Comunicação Social e Design Gráfico da FAESA, Felipe Dall’Orto, a intervenção de plataformas de streaming para a conscientização de um público é relevante, mas não responsabilidade delas.

Professor Felipe Dall’Orto: “É importante que as plataformas assumam esse posicionamento, mas não é responsabilidade delas esse tipo de trabalho”.

Felipe lembra que, no Brasil, isso acontece há muito tempo. Ele cita novelas em atores que faziam vilões foram hostilizados nas ruas.

Não é a Prime Video que vai ter que repensar isso. Acho que é um trabalho mais cultural, de mudança de pensamento em relação a esses comportamentos. Não podemos jogar para as plataformas essa responsabilidade de conscientizar o público.

Liberdade de expressão?

Na visão de Dall”Orto, é necessária a moderação e fiscalização de conteúdos publicados nas redes sociais. Segundo ele, as pessoas costumam não entender corretamente o direito à liberdade de expressão, achando que podem difamar as outras sem ter que lidar com consequências. Ele adverte que não fala de censura, mas de cuidado e responsabilização com o que é postado:

Uma coisa é obra ficcional que é produzida pelas empresas de streaming, mas quando as pessoas se apropriam desse conteúdo e passam a atacar e hostilizar as outras no ambiente digital, aí eu acho que teria que ter uma mediação. As pessoas confundem muito a liberdade de expressão, elas acham que, por terem esse direito, podem sair falando qualquer coisa, mas não é isso. Lógico que temos que ter um cuidado com o que a gente posta, porque isso reverbera no mundo real, no presencial. Então deveria ter também uma fiscalização, uma mediação, uma responsabilização nas plataformas em que as pessoas estão postando. Não estou falando de censura, mas de uma responsabilização em relação àquilo que é postado.

Sensacionalismo e ódio

Para o professor, a mídia contribui para a propagação desses discursos de ódio por meio de grupos sensacionalistas:

O trabalho da mídia, na verdade, é divulgar essas ficções, mas as pessoas que, talvez, interpretem mal. A gente tem uma sociedade com um poder de interpretação muito limitado, e aí caímos muito nessa armadilha de grupos mais sensacionalistas, que pegam essas histórias e potencializam.

Para Dall’Orto, o problema na mídia seria justamente a existência desses grupos midiáticos que pegam esses conteúdos e tentam fazer sensacionalismo em cima disso. Isso acaba reverberando para outras pessoas falaram o que elas acham que podem falar.

Fica nítido, então, que acompanhar uma série de perto pode ser emocionante, mas ultrapassar os limites do respeito transforma paixão em violência. O caso do ator Gavin Casalegno é apenas um de vários outros exemplos disso. Por isso, é necessária uma atenção maior àquilo que é postado nas redes sociais.