O Dia da Consciência Social, Histórica e Cultural no Combate às Desigualdades
No dia 20 de Novembro é celebrado o Dia da Consciência Negra. A data, uma homenagem a Zumbi dos Palmares, símbolo de resistência e luta dos escravizados, reforça a importância da luta dos movimentos negros contra a opressão, o racismo e busca por uma sociedade brasileira mais justa
Danilo Muniz
Em dezembro do ano passado, o Presidente do Brasil sancionou a Lei 14.759/23 e tornou o dia 20 de novembro feriado nacional. A data é referente ao dia do assassinato do líder Quilombola, Zumbi dos Palmares, em 1695. Sendo oficializado em 2011, o Dia da Consciência Negra se popularizou no período da redemocratização do País quando movimentos populares ganharam força. Será a primeira vez na história que todos os estados da federação terão a data como feriado.
A primeira e grande visibilidade do tema veio em 1971. Nesse ano o Grupo Palmares do Rio Grande do Sul, representantes do movimento negro, realizou uma apresentação em Porto Alegre. O ato destacava Zumbi como o grande protagonista da luta antiescravista. O movimento contrariava o 13 de maio, data da Abolição da Escravidão, na qual a Princesa Isabel, quem assinou o documento de abolição, era colocada no papel de ”heroína” na luta por liberdade dos negros escravizados.
O dia da morte de Zumbi dos Palmares foi descoberta por historiadores no início da década de 1970, sendo a principal motivação para o fortalecimento da luta pela igualdade étnica. Em 1978, Zumbi foi eleito o símbolo de resistência e luta dos escravizados no Brasil. Também houve reivindicações dos direitos civis dos afro-brasileiros durante o processo. Segundo pesquisadores, o quilombo dos Palmares também acolhiam indígenas e outras minorias que fugiam de perseguições.
Uma grande crítica, em especial sobre a “Lei Áurea”, que acabou por deixar os ex-escravos à própria sorte. Após a escravidão ter sido revogada, problemas surgiram da “lei divina”. Pela informação se concentrar nos centros urbanos, a população que estava no interior do Brasil não soube da notícia. Temerários e sem ter para onde ir, muitos afrodescendentes optaram por ficar nas fazendas, servindo aos senhores de engenho, até mesmo por ligação afetiva. Nenhuma assistência foi prestada por parte do governo aos negros.
O Brasil saiu da monarquia e chegou à República, porém o preconceito étnico ficou de herança. Durante a República velha o governo brasileiro trouxe imigrantes europeus para o País na tentativa de “embranquecer” a população. Em consequência disso, os negros foram excluídos, o que resultou na ocupação de lugares antes não habitados, como, por exemplo, os morros no Rio de Janeiro, que formou as favelas. Apesar da escravidão ter sido retirada, a sociedade ainda era segregada e os afrodescendentes viviam sem direitos civis.
Personagens históricos
A história do Brasil, desde quando os portugueses chegaram até os dias atuais, contém fragmentos importantes que mostram a presença e protagonismo preto na construção deste país. Sendo escravos, revolucionários, marinheiros, poetas, escritores, advogados, jornalistas ou até mesmo presidente do Brasil, os negros não passaram despercebidos pela história. Levantando uma batalha por liberdade, muitas figuras entoaram ”um canto de revolta pelos ares”. A consciência negra é ter consciência da formação e história desta nação.
A história da luta abolicionista no Brasil é marcada por pessoas que dedicaram a vida à causa da liberdade. Uma dessas pessoas é o advogado, jornalista e escritor negro Luiz Gama. Nascido escravizado, Gama conseguiu a alforria e se tornou um dos maiores defensores dos direitos dos escravizados no Brasil. Ele conseguiu libertar mais de 500 pessoas escravizadas. A importância dele para a história do Brasil é tamanha que é considerado o Patrono da Abolição.
No livro “O facismo da cor” de Muniz Sodré, as classes sociais brasileiras são retratadas pela segregação étnica, culminando, assim, personagens importantes da história nacional que tiveram suas identidades negadas. Em 2008, Barack Obama, eleito presidente dos Estados Unidos, levantou discussões acerca do Brasil ainda não ter um presidente afrodescendente. O que pouco se sabe é que o Brasil já teve um presidente negro, mesmo que não fosse autodeclarado. Nilo Peçanha serviu como o sétimo presidente do Brasil após a morte de Afonso Pena.
Nilo Peçanha foi alvo de insultos por causa da cor da pele. Ele nunca falou sobre a ancestralidade e chegou a ser acusado de branquear fotografias para deixar a pele mais clara nas imagens. O governo de Peçanha, conhecido pelo lema “paz e amor”, foi marcado pela criação do Serviço de Proteção aos Indígenas (SPI). O programa foi encerrado em 1967 e deu lugar para a FUNAI. Ele não apenas comandou o país, mas, também, foi senador da República até 1924.
Considerado o “inimigo número um” do regime militar, Carlos Marighella (1911-1969) foi a principal liderança da luta armada, de 1964 a 1969, contra o governo brasileiro no regime. De origem baiana, Marighella serviu o país como deputado federal de 1946 a 1948. Após o golpe de Estado de 1964, formou o partido Ação Libertadora Nacional (ANL), que tinha viés revolucionário. Conhecido pela frase: “Não tive tempo de ter medo”, Carlos Marighella foi um dos pilares da resistência contra a ditadura militar. Ele foi morto em 4 de novembro de 1969 durante uma emboscada em São Paulo. A data da morte do líder revolucionário é lembrada para recordar a importância da democracia.
Enquanto nos Estados Unidos o grupo Panteras Negras crescia pelo país e o movimento Black Power virava tendência, no Brasil o bloco de carnaval Ilê Aiyê se inspirava nos conceitos da luta anti-racista e ancestralidade africana em pleno regime militar. Originalmente, o nome do bloco era Poder Negro, mas, temendo a censura do regime, foi alterado. O bloco foi criado no bairro da Liberdade, em Salvador. A palavra Ilê Aiyê é de origem iorubá – grupo étnico e linguístico da África Ocidental – e significa “nossa casa”. O movimento inspirou o surgimento do grupo musical Olodum.
Liberdade e Igualdade
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou, por meio do censo demográfico de 2022, que a maioria dos brasileiros são não-brancos. Aproximadamente, 20 milhões de pessoas, ou 10,2% da população, se autodeclara preto, o que significa uma alta em relação ao censo de 2010, que era 14 milhões de pessoas. Mesmo representando um percentual considerável do país, o preconceito ainda faz vítimas diariamente. Vale ressaltar que a populção declarante parda representa 45,3% da população total do Brasil.
Muniz Sodré enfatiza na obra literária, “O facismo da cor”, que Liberdade e Igualdade são palavras que usadas juntas se tornam contraditórias, pois o livre é igual, e a igualdade te faz liberto. Neste cenário, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), por meio do anuário da violência de 2024, divulgou que em 2023 69,7% das pessoas mortas por policiais eram homens negros. Os dados mostram a fragilidade dessa libertade e dessa igualdade. Ainda de acordo com os dados, foram registrados 25.507 ocorrências por crime de racismo e injúria racial. O levantamento também aponta que 470 mil pessoas, ou 70% da população carcerária, é preta.
Com o tráfico de escravos no período colonial, o Brasil, mesmo sem saber, escravizou, inclusive, pessoas da realeza africana. Zacimba Gaba foi uma princesa Angolana que foi trazida ao Espírito Santo. Durante a passagem pela escravidão, ela sofreu muitas violências e era castigada com frequência. Mulher forte, Zacimba envenenou o agressor e dono do engenho. A princesa liderou uma grande fuga e formou um quilombo às margens do Rio Doce, se tornando um símbolo de liderança feminina.
A cantora brasileira Elza Soares (1930-2022) é outro símbolo de força. Ela é conhecida pela voz única que entoava aos quatro cantos do mundo as feridas do Brasil. Em 2002, lançou a versão de “A carne”, uma música que denunciava os estigmas sociais de discriminação e apresentava a resistência negra em um vídeo clipe emblemático. A letra, por mais que antiga, reflete os dias atuais. Elza regravou a música escrita e lançada por Seu Jorge com a finalidade de causar um momento de introspecção social. Em 2018, a cantora revelou que alterou a letra da canção. O verso que dizia: “A carne mais barata do mercado é a carne negra” foi substituída por “A carne mais barata do mercado foi a carne negra”.
O tempo da escravidão, mesmo com leis assinadas, parece que nunca teve um fim o Brasil. A população negra continua a sofrer na pele a discrimnação e o processo de invisibilidade. O advogado Savio Andrey Faustino Eustáquio, 38 anos, enfatiza que a lei brasileira não é aplicada de forma automática. Ele cita a lei 10.639/2003 que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas públicas do Brasil. O regimento, aparentemente, teve um efeito inexpressivo.
Savio Andrey ressalta, ainda, que pessoas negras importantes e de relevância social acabaram por ser embranquecidas ou escondiam, por conta própria, os traços de negritude. O advogado acredita que o fato de ser um homem negro acaba impactando na maneira como é visto o trabalho exercido por ele.
No meu entender, só daria para reverter essa situação por meio da mudança de cultura e, principalmente, da vontade política, pois, assim, a aplicação da legislação se daria de forma mais coerente e justa. Caso contrário, teremos sempre que fazer reparações históricas.
Sávio Andrey
Aos 12 anos, Sávio, também, foi vítima de preconceito enquanto comprava filmes em uma locadora. Ele sentiu na pele a força da discriminação. Mesmo assim, esse episódio não reduziu a vontade de superar as estatísticas. Ele se coloca numa posição favorável em relação ao afeto, ao carinho, ao lar, à roupa, à comida e à educação. A mãe e avó de Sávio eram professoras e esse vínculo familiar o ensinou a gostar de estudar.
Existe uma história do negro sem o Brasil, mas não existe uma história do Brasil sem o negro
Januário Garcia (1943 a 2021) – fotógrafo e militante no movimento negro
Edição: Danilo Muniz
Imagem de Destaque (Home): Flickr