Para além das telas: One Piece se torna símbolo de protesto e resistência

Bandeira do anime transcende o entretenimento e inspira jovens da Indonésia e do Nepal a lutar por liberdade, criticar governos e desafiar censura

No Nepal e na Indonésia, jovens foram às ruas com bandeira de One Piece como símbolo de protesto, mostrando que a cultura geek pode ser também ferramenta de resistência política (Foto: Pratisha Manandhar/Shutterstock)

Isadora Favoreto

A icônica bandeira dos Piratas do Chapéu de Palha de One Piece foi hasteada publicamente por jovens e estudantes em manifestações no Nepal e na Indonésia. O fenômeno mostra: quando a ficção ultrapassa as telas, a vida imita a arte — e a arte ganha voz nas ruas.

Qual o contexto ficcional para a escolha da bandeira?

Em One Piece, obra japonesa de Eiichiro Oda publicada desde 1997, o protagonista Monkey D. Luffy tem o sonho de se tornar o homem com a maior liberdade: o Rei dos Piratas. Para isso, ele monta a própria tripulação e começa uma aventura pelos mares, se opondo a injustiças, regimes opressores e organizações corruptas.

No anime, a bandeira de cor preta, com símbolo de caveira e dois ossos cruzados, conhecida como Jolly Roger, representa o bando dos Chapéus de Palha. O nome da tripulação e o chapéu desenhado na caveira fazem referência ao chapéu usado pelo capitão, Luffy.

Na Indonésia

Nos meses que antecederam o Dia da Independência da Indonésia (17 de agosto), o uso da Jolly Roger de One Piece ganhou grande visibilidade. Pessoas começaram a pendurar ou exibir a bandeira em casas, carros, grafites… Sendo motivadas pela frustração crescente com o governo atual, considerado cada vez mais centralizador e autoritário.

Em julho, o presidente havia pedido para a população colocar a bandeira nacional nas casas, justamente devido à data importante. Em vez disso, grande parte colocou a Jolly Roger de One Piece, que está sendo usada como uma forma de protesto.

Como impacto, houve alertas de que erguer essa bandeira durante as celebrações poderia violar leis ou ser visto como desafio à unidade nacional. Em algumas ilhas ou províncias, foi proibida a exibição dela por autoridades locais, pois poderia ser tratado como desrespeito ao símbolo nacional ou algo que “divida” o país. No entanto, houve controversa, pois o ato também foi visto como uma forma legítima de expressão democrática.

No Nepal

Em setembro de 2025, manifestantes nepaleses da chamada Geração Z começaram protestos em torno de censura, bloqueio de redes sociais, corrupção e desigualdade.

Nessas manifestações, a bandeira dos Chapéus de Palha foi usada como símbolo de resistência: para expressar oposição ao controle estatal, censura, corrupção… Tudo aquilo que os manifestantes sentiram que se refletia na história de One Piece.

Os protestos resultaram em confrontos com a polícia, deixando mortos e feridos. O governo foi forçado a revogar a proibição das redes sociais e a enfrentar críticas internacionais.

A visão do fandom

Para Max Ryan Alencar, fã de One Piece, o uso da bandeira dos Chapéus de Palha carrega um peso simbólico muito poderoso, tornando possível conectar a ficção e a realidade política.

Max Ryan Alencar: “Os ideais de One Piece se assemelham diretamente aos valores que os manifestantes estão defendendo” (Foto: Arquivo Pessoal).

Ryan vê esse “furo de bolha”, em que o anime ultrapassa a tela e vem para a realidade, como forma de expandir a relevância da cultura geek, que pode formar um paralelo com a política.

Essa passagem para fora das telas é algo vantajoso, pois demonstra como a ficção e realidade estão próximas uma da outra

Fica evidente, então, que o uso de símbolos da ficção em protestos demonstra como a cultura geek pode transcender o entretenimento e se tornar uma ferramenta poderosa de expressão política e social. A bandeira de One Piece é um exemplo claro disso, pois assim como na obra de Oda, ela está sendo adotada como símbolo de resistência contra governos autoritários e injustiças sociais.