“Meu Pai Tem Nome”: projeto garante dignidade a crianças de escolas públicas com o reconhecimento de paternidade

Iniciativa do Ministério Público, com apoio da Unimed e do Sicoob, já atendeu mais de 400 estudantes capixabas, unindo direitos legais, identidade e pertencimento

Mariana Bernardino

Com o intuito de promover o reconhecimento da paternidade de crianças e adolescentes matriculados na rede pública de ensino, o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) criou o projeto “Meu Pai Tem Nome”. Para tornar essa ação viável, o projeto conta com uma ampla rede de apoio que reúne diferentes setores da sociedade. O Instituto Unimed Vitória assumiu a responsabilidade de disponibilizar exames de DNA, etapa essencial para comprovar o vínculo biológico, enquanto o Sicoob contribuiu com o financiamento das atividades.

A iniciativa surgiu da necessidade de enfrentar um problema social que afeta milhares de famílias capixabas e compromete tanto o acesso a direitos legais quanto a formação da identidade de jovens em situação de vulnerabilidade. Do ano de 2024 até agosto de 2025, o projeto já atendeu mais de 400 estudantes de escolas públicas.

Essa parceria garante que o processo seja acessível às famílias e fortalece o papel do cooperativismo como agente de transformação social. A expectativa é de que a iniciativa continue crescendo e alcance ainda mais famílias nos próximos anos, ampliando o impacto social e emocional do direito à paternidade.

(Foto: Unimed Vitória)

O Instituto Unimed Vitória, no dia 9 de agosto de 2024, assinou um Termo de Cooperação Técnica com o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) para apoiar o desenvolvimento de ações do Projeto “Meu Pai Tem Nome”.

Segundo a Promotora de Justiça Maria Zumira, o Ministério Público sempre buscou suprir essa lacuna de paternidade, da ausência de paternidade e da ausência de exames que favorecessem a resolução dessa questão. “O projeto nasceu por iniciativa de uma colega lá em Cachoeiro de Itapemirim, quando ela conseguiu um convênio com a Unimed e o Sicoob. E daí expandimos para outros municípios”, afirma.

Direitos garantidos

O direito à paternidade é garantido pelo artigo 226, § 7º, da Constituição Federal de 1988. Reconhecer o nome do pai na certidão de nascimento, garante à criança o direito fundamental à identidade, à filiação e à origem familiar. Além desse aspecto afetivo e social, esse reconhecimento também assegura direitos legais, como herança, pensão alimentícia, acesso a benefícios previdenciários.

“Ter o nome do pai na certidão fortalece a dignidade, o pertencimento e a proteção integral da pessoa” Milene Mello – Gerente Unimed Vitória (Foto: Mariana Bernardino)

No Espírito Santo, de 2020 a 2024, foram registrados exatamente 15.451 casos de crianças com o nome apenas da mãe na certidão de nascimento, segundo dados do Sindicato dos Notários e Registradores do Espírito Santo (SINOREG-ES). Esses números revelam que a ausência da paternidade no registro civil vai muito além de uma questão burocrática: trata-se de um problema social que atravessa gerações.

Fonte: Sindicato dos Notários e Registradores do Espírito Santo (SINOREG-ES)

A ausência do nome do pai na certidão de nascimento representa uma falta para a criança e para o adolescente, e essa falta interfere na construção da identidade do sujeito, o que pode afetar sua autoestima, seu sentimento de pertencimento, sentimentos de exclusão por ser diferente do grupo.

As crianças em situação de desigualdade social sofrem mais com a falta do nome do pai por uma combinação de fatores socioeconômicos, jurídicos e psicológicos. Para a Socióloga Maria Ângela, projetos, como esse, que busca resgatar o pai na certidão, é extremamente importante, porque eles buscam o resgate da autoconfiança da criança e do adolescente.

Socióloga Maria Ângela, destaca a importância da atuação do projeto na vida das crianças e adolescentes de escolas públicas (Foto: Arquivo pessoal)

Mesmo que não solucione 100%, é importante de toda maneira, porque preenche um vazio que ficou até aí. E isso vai fazer com que a criança se sinta pertencente a esse grupo. Ela vai ter um pai para citar, mesmo que o pai não compareça no dia dos pais, mas sabendo que tem e quem é ele, ele já vai se sentir igual – Socióloga Maria Angêla

Ainda segundo a socióloga, as escolas precisam estar muito atentas aos comportamentos dos alunos e precisam atuar junto com a família. Dar abertura para terem acesso a essas ações, e, principalmente, acolher a criança e acolher o adolescente.

Quando a criança cresce sem esse pertencimento formal, as marcas emocionais podem se refletir no desempenho escolar, nas relações sociais e até nas perspectivas de futuro. Por isso, cada avanço obtido por meio de projetos como o “Meu Pai Tem Nome” representa não apenas uma vitória individual, mas também um passo coletivo em direção à equidade e à justiça social.

As ações do projeto acontecem no alvo, que são as escolas públicas do Espírito Santo. A última atuação foi em setembro de 2025, na escola EMEF Marechal Mascarenhas de Moraes, em Vitória, onde 30 pessoas foram atendidas (Foto: Ministério Público do ES)
A equipe presente fez atendimentos individualizados dando as orientações necessárias de cada caso. Os atendimentos são feitos de forma individual para atender as necessidades de cada um. (Foto: Ministério Público do ES (MPTES)

Desafios

A partir do momento em que a mãe e o filho têm conhecimento do projeto, ambos podem ir imediatamente ao Ministério Público ou receber o chamado do banco de dados do próprio Ministério. A partir desse banco de dados, a pessoa é chamada para a promotoria para indicar o nome do pai. O reconhecimento é feito de forma voluntária por ele. Caso o genitor não compareça, não é possível realizar esse conhecimento.

O Ministério Público atua para suprir a ausência da paternidade no documento de nascimento, indicando uma possível questão de reconhecimento de paternidade. Esse tema está relacionado ao Direito de Família, mais especificamente às ações de investigação de paternidade. Para os exames serem realizados, eles são encaminhados para a Unimed que envia o material para um laboratório e entrega esses resultados diretamente para o Ministério Público. Essa parte técnica dura em torno de 10 dias.

A Promotora de Justiça Maria Zumira, conta que na maioria dos casos a mãe não sabe quem é o pai ou os pais estão mortos. “Hoje, nos casos de pais falecidos, nós conseguimos que os nossos parceiros financiem a reconstrução genética do suposto pai” (Foto: Arquivo pessoal)

Cooperativismo que transforma vidas

O Instituto Unimed Vitória foi criado pela Unimed em 2012 para ampliar essa atuação de responsabilidade social. É uma associação sem fins lucrativos que tem o objetivo de apoiar e desenvolver projetos sociais ligados a instituições, também sem fins lucrativos.

“A Unimed Vitória é uma cooperativa, e o cooperativismo já tem essa premissa, um dos seus princípios cooperativistas é o interesse pela comunidade.” Milene Mello – Gerente Unimed Vitória. 

Apesar dos desafios que ainda cercam o reconhecimento da paternidade, iniciativas como o “Meu Pai Tem Nome” mostram que é possível transformar realidades por meio da união entre poder público e cooperativas parceiras. O projeto não se limita a garantir direitos legais, ele devolve às crianças e adolescentes a possibilidade de construir sua identidade com mais segurança e dignidade.

Mais do que um nome em um documento, cada reconhecimento representa um passo para reduzir desigualdades, fortalecer vínculos e promover inclusão social. Ao alcançar as escolas e chegar perto das famílias, o projeto reafirma que paternidade é também um direito fundamental — e que reconhecer esse direito é reconhecer a própria cidadania.