Cooperar para Respirar: a Floresta que Renasce com o Trabalho Coletivo
Seguindo o modelo Cooperativista de se unir para gerar benefícios econômicos e sociais, projetos misturam Sustentabilidade, Manutenção da Biodiversidade e Recuperação de Nascentes em uma receita de sucesso

Júlia Galter
Existem árvores que crescem porque foram plantadas em silêncio. Outras, porque foram semeadas por vozes que acreditam no coletivo. No Espírito Santo, o verde da Mata Atlântica encontra abrigo nas mãos de quem decidiu cuidar da terra, não sozinho, mas em conjunto.
No estado Capixaba, Cooperativas Agropecuárias e de Crédito estão se unindo para reflorestar áreas degradadas, recuperar nascentes e devolver espécies nativas à Mata Atlântica, iniciativas coletivas que mostram como o Cooperativismo tem se tornado um aliado na preservação de um dos biomas mais ameaçados do Brasil.
No compasso do cooperativismo brotam mudas, nascem florestas e se multiplicam histórias de resistência. Plantar em grupo é também um jeito de respirar melhor e de garantir que o amanhã não seque antes de florescer.
Presente em quase todo o território capixaba, a Mata Atlântica é uma das florestas mais biodiversas do planeta e também é uma das mais ameaçadas. Segundo dados do SOS Mata Atlântica, restam apenas 24% da floresta original, sendo que apenas 12,4% são florestas maduras e bem preservadas.
Entre 2014 e 2015, Linhares foi o município que mais desmatou a Mata Atlântica, eliminando uma área correspondente a 60 campos de futebol. Mas isso não significou o fim.

Em 2024, o Espírito Santo registrou uma diminuição de mais de 60% no número de desmatamento, totalizando 137 hectares desmatados em comparação a 362 hectares do ano anterior. O número se relaciona a ações de fiscalização, educação ambiental e trabalho coletivo de cooperativas e comunidades rurais.
Em Cariacica, por exemplo, na comunidade do Sabão, 49 famílias agricultoras vivem e produzem em uma área de 240 hectares, a maior parte voltada ao cultivo orgânico. O engenheiro agrônomo e membro da Cooperativa da Agricultura Familiar de Cariacica, Ygor Martins, afirma que o trabalho dessas pessoas impacta diretamente na preservação ambiental da área que fica próxima a Reserva Biológica Duas Bocas, uma das principais unidades de conservação da Mata Atlântica no Espírito Santo.
Ygor relata ainda que muitos são os benefícios “colhidos” com a preservação ambiental .
A fixação desses agricultores em áreas como essa contribuem não somente para a manutenção da vegetação nativa, mas garante, também, a infiltração de água no solo, confere proteção do leito dos rios e possibilita a manutenção da biodiversidade e estabilidade climática do local
Ygor Martins

Para Sergio Boldi, morador do local, além de impactos positivos no meio ambiente, o projeto ajuda ainda a agricultura familiar.
A cooperativa abriu novos mercados fora do estado e por isso agrega valores aos produtos que a agricultura familiar produz. Assim, ajudando a aos jovens permanecerem no campo
Sergio Boldi
Outro exemplo é o projeto Café Produtor de Água, uma estratégia de revitalização de mananciais, recuperação e preservação de matas ciliares. A ação conta com o apoio do Programa Reflorestar, do governo estadual, que tem como objetivo promover a restauração do ciclo hidrológico por meio da conservação da cobertura florestal.
As cooperativas capixabas Cafesul, Cooabriel e Nater Coop estão na linha de frente da implementação, atuando em municípios como Muqui, Nova Venécia e Santa Maria de Jetibá, onde cada bacia hidrográfica ou propriedade terá um projeto adaptado, incluindo, por exemplo, recuperação de nascentes, construção de “barraginhas” e plantio de vegetação nativa. As “barraginhas” funcionam como uma “bacia” escavada no solo e tem como objetivo captar água e aumentar a infiltração no solo, recarregando o lençol freático.
Segundo dados da Organização das Cooperativas do Estado do Espírito Santo (OCB/ES), somente em 2023, as cooperativas agropecuárias do Estado produziram mais de 80 mil mudas nativas e recuperaram cerca de 120 hectares de áreas degradadas. Junto a isso, pelo menos 30 nascentes foram protegidas com cercamento e replantio de vegetação nativa.
Consciência Ambiental e Inovação
As iniciativas de proteção da Mata Atlântica são diversas e muitas delas começam desde cedo nas escolas. Alunos da Cooperativa Educacional de São Gabriel da Palha (Coopesg) criaram o projeto “Ilha Ecológica”, promovendo educação ambiental e conscientizando a população sobre os cuidados com o meio ambiente.

Com a realização da coleta seletiva, a retirada de matérias-primas da natureza reduz e os resíduos são descartados corretamente, evitando que parem em aterros, ou pior, na natureza. A professora responsável pelo projeto Lorethana Cavatti explica que o objetivo é mobilizar não apenas os estudantes, mas os familiares deles e a comunidade local sobre a importância de cuidar do lixo para cuidar do meio ambiente.
Já o projeto “Caminhos para regenerar”, do Sicoob, une conhecimento técnico, prática no campo e inovação. Como mantenedora, a cooperativa incentiva a agricultura regenerativa, uma evolução da sustentabilidade que busca recuperar o solo, aumentar a biodiversidade e fortalecer comunidades rurais, garantindo produtividade hoje e segurança alimentar para o futuro.
A iniciativa é somente uma das ações voltadas para a preservação do meio ambiente, tema cada dia mais urgente. No Sicoob, a linha Ecoar é dedicada a projetos sustentáveis como energias renováveis, projetos de captação de água da chuva e reciclagem em geral.
Outro exemplo é o projeto “Guardiões da Mata”, uma iniciativa da Unimed Sul Capixaba que devolveu animais nativos para seu habitat natural: a Mata Atlântica no Sul do Espírito Santo.

O projeto simboliza um esforço coletivo para recuperar o equilíbrio ecológico de uma das regiões mais pressionadas pela degradação ambiental. Devolvendo as aves para seu habitat natural, a iniciativa contribui ainda para a manutenção da biodiversidade, já que muitas dessas espécies desempenham papéis fundamentais, como a dispersão de sementes de árvores nativas.
Ainda no Sul do Espírito Santo, por meio da Cafesul, foi inaugurada, no ano passado, a primeira unidade de bioinsumos entre cooperativas capixabas. O objetivo é utilizar os bioinsumos da produção de café para controlar pragas e auxiliar na recuperação do solo.
Esse é mais um exemplo de como a produção e a sustentabilidade podem, sim, andar juntas e de mãos dadas.
Ano Internacional das Cooperativas
Em 2025, comemora-se o Ano Internacional das Cooperativas, data proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 19 de junho de 2024 para destacar o papel das cooperativas no desenvolvimento sustentável e na construção de um mundo melhor. Com o tema, “Cooperativas Constroem um Mundo Melhor”, são enfatizadas ações das cooperativas que ajudam a alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU até 2030, promovendo o crescimento inclusivo e a resiliência das comunidades.
No Espírito Santo, com a atuação das cooperativas, os objetivos se tornam cada vez mais fáceis de serem realizados e a Mata Atlântica fica cada vez mais preservada. O presidente do Sistema OCB/ES, Pedro Scarpi Melhorim, afirma que as cooperativas capixabas têm mostrado, na prática, como é possível conciliar crescimento econômico com responsabilidade social e ambiental.
As campanhas de comunicação, os eventos e os projetos de impacto local têm sido ferramentas importantes para sensibilizar a sociedade sobre o papel transformador do cooperativismo
Pedro Scarpi Melhorim

Por meio de práticas como o reflorestamento com espécies nativas, o manejo sustentável da terra, a recuperação de nascentes e a promoção da agricultura agroecológica, essas cooperativas demonstram na prática como funciona a junção de desenvolvimento local e respeito ao meio ambiente. Além disso, muitas delas também investem em educação ambiental, mobilizando comunidades e associados para a importância da conservação da floresta e do uso racional dos recursos naturais.
Assim, o Cooperativismo Capixaba se afirma como um modelo econômico viável e um agente transformador, comprometido com o futuro do planeta e das próximas gerações. Pedro Melhorim diz ainda que as cooperativas do Espírito Santo estão colaborando plenamente com o cumprimento dos objetivos propostos para o Ano Internacional das Cooperativas, o que reforça o compromisso com um futuro mais justo, inclusivo e sustentável.
COP 30 e Compromissos Globais
A proximidade da COP 30, que será realizada neste ano em Belém (PA), reforça a importância de destacar experiências brasileiras que conciliam conservação ambiental com inclusão social e desenvolvimento sustentável. Atuando em áreas sensíveis da Mata Atlântica, muitas das Cooperativas Capixabas já vêm implementando práticas que estão diretamente alinhadas às metas discutidas em conferências climáticas, como o uso responsável do solo, recuperação de áreas degradadas e promoção da biodiversidade.
As ações locais se conectam a compromissos globais assumidos pelo Brasil. E a COP 30 será uma vitrine fundamental para mostrar como o modelo cooperativista pode ser uma ferramenta concreta de combate às mudanças climáticas. Ao promoverem modelos econômicos baseados na cooperação, no uso racional dos recursos naturais e na valorização das comunidades tradicionais e da agricultura familiar, as Cooperativas do Espírito Santo contribuem para uma nova visão de desenvolvimento, sendo mais resiliente, sustentável e descentralizada.
Mais do que reflorestar, essas experiências das Cooperativas mostram que é possível transformar o modo como se vive, se produz e que a solução para os desafios ambientais pode estar, literalmente, nas mãos de quem planta. Uma forma de cooperar para que todos possam respirar melhor.
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Relato da experiência da autora – A Mata Atlântica, com sua força e sua fragilidade, mostra-se como um espelho do nosso próprio futuro. E foi ao conhecer o trabalho das cooperativas que entendi que preservar não é uma tarefa solitária. O Cooperativismo se mostra como uma força capaz de devolver vida ao meio ambiente, seguindo a lógica de que produzir e preservar não precisam caminhar separados. Imergir nesse universo foi testemunhar que o mundo pode, sim, ser melhor, por meio de mim e de você que está lendo essa reportagem.
Diagramação: Redação Lacos
Edição Final: Júlia Galter
Imagem do Destaque: Comunidade do Sabão, em Cariacica (Foto: Acervo da CAFC)