Inclusão e Diversidade que Inspiram: Projeto da Nater Coop Muda Vidas e Fortalece Laços
O foco do programa é colaboradores de grupos historicamente marginalizados, como pessoas LGBTQIAPN+, negros e pessoas com deficiência. Atualmente, o grupo é composto por mais de 30 cooperados que são impactados positivamente pelo projeto

Letícia Santos
Inclusão e Diversidade andam lado a lado com os princípios do Cooperativismo na Nater Coop, cooperativa agropecuária, localizada no município de Santa Maria de Jetibá. Além de contribuir para levar alimentos à mesa de mais de 30 mil moradores do Espírito Santo, a organização também investe em iniciativas voltadas para o respeito e a valorização das diferenças. Um exemplo é o “Orgulho Nater”, grupo de afinidade liderado pelo psicólogo Stefhan Ratske, 40 anos, cooperado cego que transformou sua trajetória pessoal em inspiração, rompendo barreiras e enfrentando preconceitos ainda presentes na sociedade.
Desde os cinco anos de idade, Stefhan convive com a deficiência visual total. Por conta de um glaucoma, perdeu o olho esquerdo e, embora ainda possua o direito, ele também não funciona. Hoje, utiliza recursos tecnológicos que descrevem imagens e auxiliam a rotina diária. Longe de ser um obstáculo, a condição fortaleceu a determinação em provar que a cooperação vai além do trabalho agrícola: é também sobre respeito, solidariedade e inclusão. A trajetória de Stefhan se conecta diretamente aos princípios cooperativistas, que colocam as pessoas no centro das ações e defendem a igualdade de oportunidades para todos.

Com o incentivo da gestão da Nater e com um propósito de cooperar e contribuir para um ambiente corporativo mais saudável, nasceu em 2021, por meio do “Programa Acolher”, o grupo de afinidade “Orgulho Nater”. A iniciativa é voltada à promoção da inclusão, diversidade e bem-estar no ambiente de trabalho com foco em colaboradores de grupos historicamente marginalizados: pessoas LGBTQIAPN+, negras e com deficiência.
O programa oferece suporte emocional, promove espaços de escuta e aprendizado e valoriza as diferenças individuais, buscando reduzir vulnerabilidades e fortalecer vínculos entre os participantes. Desde a criação, o grupo cresceu de 12 para cerca de 30 integrantes. Além disso, o “Orgulho Nater” está alinhado ao propósito da cooperativa de “unir famílias que alimentam famílias”, reforçando os princípios cooperativistas ao proporcionar um ambiente seguro, representativo e acolhedor para todos.
“Não encontrei dificuldade alguma para implementar o programa, pois sempre tive muito apoio da gestão. Quando eu entrei, a equipe disse que já tinha para onde ir. Então, eles só me trouxeram a situação, colocaram na mesa e me pediram para elaborar um projeto, um programa desse sentido. Desde sempre a cooperativa visou dar visibilidade para o colaborador e proporcionar um ambiente mais saudável. Talvez, o único desafio que tive foi pensar em como fazer isso na prática”, explica Stefhan Ratske, líder do programa.
Stefhan ainda compartilha a vivência pessoal dele. Uma pessoa cega que influencia diretamente a criação do projeto dentro da cooperativa.
Ao longo da minha trajetória desenvolvi uma sensibilidade aguçada e habilidades como percepção pelo toque e pela audição, que me permitem compreender melhor o ambiente e as pessoas ao meu redor. Essa percepção ampliada não só favoreceu a concepção do projeto, mas, também, a forma como praticamos o acolhimento no dia a dia da cooperativa, trazendo atenção, harmonia e cuidado às necessidades individuais dos colaboradores
Stefhan Ratske

Entre as diversas ações que o grupo realiza estão encontros mensais presenciais ou on-line, dinâmicas, formações coletivas, palestras, rodas de conversas, consultas psicológicas e momentos externos com o grupo para estreitar laços e criar novas experiências com o coletivo. O assistente administrativo, Kalel Seibel, deficiente auditivo e pessoa LGBTQIAPN+, fala sobre a importância do projeto.
Estar num ambiente onde posso ser eu mesmo, onde sou acolhido e respeitado, faz toda a diferença. Esse grupo não é só um espaço de apoio, mas, também, de troca, representatividade e força. Ele me ajudou a me sentir mais confiante e pertencente. Isso reflete em tudo, até no meu trabalho. Me dá muito orgulho fazer parte disso tudo. Sou grato a Nater Coop
Kalel Seibel
Confira abaixo o vídeo com o relato de Kalel sobre sua participação no programa:
A cooperativa Nater ainda entende que, mais do que um projeto voltado para inclusão e diversidade, essa iniciativa precisa estar plenamente integrada à cultura organizacional, não se limitando a treinamentos pontuais. “A Nater Coop valoriza as diferenças, apoia e promove o acolhimento e a diversidade entre os colaboradores. O “Programa Acolher” junto com o “Orgulho Nater” chegou para permanecer como uma iniciativa que transmite o sentimento cooperativista de colaboração mútua a todos que trabalham juntos no campo”, afirma o Presidente da cooperativa, Denilson Potratz.
Do ponto de vista do publicitário e especialista em diversidade Beethoven Brasileiro é fundamental que projetos como esses dentro das cooperativas estejam vinculados à cultura organizacional.
É a cultura que vai nortear qualquer ação dentro de uma instituição. Não adianta nada eu dar o treinamento para o meu colaborador, para o meu corpo de colaboradores, sendo que na cultura isso não acontece. Se a cooperativa promove a inclusão e a diversidade, ela precisa fazer que isso caminhe lado a lado com os princípios do cooperativismo para que possamos alcançar resultados e desenvolvimentos maiores
Beethoven Brasileiro
Confira abaixo o vídeo de Stefan explicando como os princípios do cooperativismo caminham lado a lado com a formação do projeto:
Para o diretor-executivo do Sistema OCB/ES e vice-presidente do Sebrae/ES, Carlos André Santos de Oliveira, o programa da cooperativa está totalmente vinculado aos fundamentos do cooperativismo e dialoga com alguns deles. “O projeto “Orgulho Nater” dialoga com o princípio do cooperativismo, chamado Educação, Formação e Informação, pois proporciona momentos de reflexão para os participantes, esclarecem dúvidas, auxiliam no desenvolvimento pessoal e profissional dos beneficiários e disseminam informações relevantes”, relata.
Além disso, Carlos André ressalta que a iniciativa também está diretamente ligada ao princípio do Interesse pela Comunidade, que incentiva as cooperativas a implementarem políticas sociais capazes de gerar impacto positivo na sociedade. No caso da Nater Coop, explica o dirigente, o desenvolvimento econômico caminha junto ao social, por meio de um programa que valoriza e promove a participação diferenciada dos cooperados dentro da instituição.
Vida impactada pelo “Orgulho Nater”
Um levantamento realizado pela Deloitte, em 2023, mostrou que iniciativas de Diversidade e Inclusão (DI) fazem diferença real dentro das organizações, impulsionando a inovação (89%), fortalecendo a retenção de profissionais (90%) e elevando a qualidade da força de trabalho (94%). Esses números ajudam a explicar a experiência da Nater Coop, que há mais de dois anos vem colocando o programa em prática. Nesse período, cooperados e gestores afirmam já perceber mudanças positivas no dia a dia, tanto no ambiente de trabalho quanto na forma como a cooperativa se relaciona com as pessoas.
A resposta do público ao programa tem sido notável com a participação crescente do grupo “Orgulho Nater“. O fato da iniciativa ter começado de forma restrita e, agora, ser amplamente divulgada internamente, com apoio institucional, reforça o reconhecimento da empresa sobre a importância desses espaços. Com a participação de 30 pessoas, o grupo já demonstra ser um catalisador para a mudança na cultura organizacional, promovendo um ambiente onde todos se sintam acolhidos e valorizados
Stefhan Ratske

Os impactos também aparecem nos relatos dos cooperados, que percebem de perto a transformação e reconhecem a importância das ações promovidas pelo programa no cotidiano da cooperativa. O líder técnico de segurança, Diones Fernando e pessoa LGBTQIAPN+, conta que a primeira experiência com o grupo foi marcada pela empatia: ele se sentiu acolhido por pessoas com forte senso de comunidade e pertencimento. Para ele, essa recepção empática, facilitou sua adaptação e lhe garantiu um ambiente seguro e amigável para desenvolver seu trabalho.
Confira abaixo o vídeo de Diones falando sobre a importância desse programa na cooperativa:
Historicamente, o cooperativismo está associado à promoção da justiça social, pois surgiu em contextos de crise econômica e humanitária, proporcionando meios para as pessoas terem mais dignidade para viver. Ao desenvolver ações que promovem a inclusão, as cooperativas reforçam essa visão, tornando-se mais representativas e conectadas com as dores e demandas da sociedade. Isso fortalece a imagem do modelo de negócio enquanto agente de transformação.
A contadora da cooperativa e, também, participante LGBTQIAPN+ do projeto, Juliana Moreira, relata que sente os impactos positivos e vive a mudança por meio do grupo de afinidade.
Essa iniciativa tem criado um ambiente seguro, acolhedor e respeitoso para todos os colaboradores, demonstrando o real compromisso da cooperativa com o bem-estar da equipe. O grupo oferece suporte emocional, acesso a recursos e informações, como aconselhamento psicológico, orientações sobre saúde, treinamentos sobre diversidade e inclusão, entre outros
Juliana Moreira
Juliana destaca que as rodas de conversa e os encontros do grupo de afinidade têm papel essencial no fortalecimento dos vínculos dentro da cooperativa. Segundo ela, esses momentos permitem que os colegas se conectem, compartilhem experiências e encontrem apoio mútuo, criando um espaço onde cada um pode se sentir à vontade para ser quem realmente é. A colaboradora também ressalta que esses encontros ajudam a superar barreiras internas e contribuem para a construção da autoestima, sem deixar de lado valores como ética e profissionalismo, que permanecem como base do trabalho coletivo.
Escute abaixo o áudio de Juliana, onde ela explica o sentimento de pertencimento com o projeto e fala sobre um momento único:
Beethoven Brasileiro ainda reforça que a prática de inclusão e da diversidade agrega para cooperativa um ambiente em que diversas perspectivas são valorizadas e respeitadas, aumentando, assim, a inovação, a produtividade e a sustentabilidade da organização. Para ele, a prática dessa ação não é apenas ética, mas, também, mercadológica, pois atrai novos talentos, fortalece a cultura e melhora a imagem da cooperativa, beneficiando tanto os cooperados quanto a comunidade.
Veja abaixo o vídeo de Beethoven. Ele explica a importância das cooperativas investirem em inclusão e diversidade:
A Nater Coop já projeta planos futuros para fortalecer ainda mais um ambiente acolhedor e inclusivo. Entre as iniciativas está a criação de um coral, que utilizará a música como ferramenta de inclusão e terapia, além da expansão do projeto para alcançar um número maior de colaboradores e até terceirizados.
Estamos trabalhando para que no futuro, possamos criar um coral para trabalhar a inclusão e a terapia por meio da música. Acima de tudo, o “Orgulho Nater” é sobre pessoas, sobre sentir, ouvir, estender a mão e construir juntos um espaço em que cada indivíduo se sinta visto, respeitado e amado. É nesse gesto simples e profundo de cuidado que nasce a verdadeira força da cooperativa
Stefhan Ratske
De acordo com dados preliminares do Anuário do Cooperativismo Capixaba 2025, as cooperativas do Espírito Santo contavam com 368 Pessoas com Deficiência (PCDs) em seu quadro de colaboradores em 2024, o equivalente a 3% do total de profissionais e um percentual superior ao determinado pela Lei 8.213/91. Esses dados demonstram um forte compromisso com a inclusão, diversidade e respeito no ambiente de trabalho. Além disso, esse é o resultado de iniciativas como a da Nater Coop e de outras cooperativas do Espírito Santo.
História da Nater Coop

A Nater Coop foi fundada em 1964 como Coopeavi e nasceu da união de 20 produtores de ovos em Santa Maria de Jetibá. Os cooperados buscavam viabilizar a atividade por meio da compra coletiva de ração e do escoamento da produção. Ao longo das décadas, diversificou as áreas de atuação, entrando em segmentos como cafeicultura, bovinocultura, horticultura, agroindústria e varejo.
Em 2022, passou por um reposicionamento estratégico, adotando o nome Nater Coop para refletir a pluralidade e compromisso com o agronegócio sustentável. Hoje, é considerada a maior cooperativa agropecuária do Espírito Santo com mais de 24 mil famílias cooperadas, 1.400 colaboradores, 42 lojas agropecuárias no Estado e em Minas Gerais, além de exportar café e pimenta-do-reino para mais de 40 países.
Confira abaixo um vídeo de Letícia Santos contando detalhes e curiosidades da cooperativa:
A Nater Coop alia tradição, inovação e cooperação em um portfólio de marcas que refletem qualidade e confiança. A Veneza, referência em laticínios desde 1950, leva sabor e excelência às famílias brasileiras. A Liva, especialista em avicultura, garante ovos brancos e caipiras produzidos com cuidado e responsabilidade. A Pronova valoriza as regiões das Montanhas Capixabas, oferecendo cafés especiais cultivados por famílias cooperadas. Já a Rações Coope proporciona nutrição saudável e personalizada para diferentes espécies animais, fortalecendo toda a cadeia produtiva.
Conheça os princípios do Cooperativismo

Os princípios do Cooperativismo, segundo a Aliança Cooperativa Internacional (ACI), são: adesão livre e voluntária, gestão democrática pelos membros, participação econômica dos membros, autonomia e independência, educação, formação e informação, intercooperação e interesse pela comunidade. Esses princípios colocam colaboradores e comunidade no centro, em vez do lucro, garantindo o desenvolvimento socioeconômico e o bem-estar.
Na prática, o Cooperativismo funciona da seguinte maneira: um grupo de pessoas com objetivos e metas em comum se unem e abrem uma cooperativa para alcançar resultados juntos, atuando como “donas do negócio” e tomando decisões democraticamente em assembleias. Os membros contribuem para o empreendimento, compartilham dos resultados na proporção do uso dos serviços e se beneficiam da força coletiva para reduzir custos, ampliar o mercado e fortalecer sua posição em uma atividade específica.
Opinião da autora – Durante o processo de produção da reportagem, pude compreender que o cooperativismo vai muito além de uma simples instituição. Ele representa uma forma de integração que contribui para uma sociedade mais justa e inclusiva. Ter a oportunidade de escrever sobre um projeto tão rico, que impacta a vida de tantas pessoas, me proporcionou um aprendizado profundo sobre o tema e me inspirou a ser uma pessoa e uma futura profissional melhor, alguém que ouve com atenção, dá visibilidade a grupos muitas vezes silenciados e busca contribuir, por meio da escrita, para uma sociedade mais consciente. As conversas que tive ao longo das entrevistas foram experiências únicas. Em especial, o diálogo com Stefhan trouxe uma enxurrada de ideias e abriu possibilidades para novas pautas, me ajudando a compreender melhor as pessoas e suas diferenças. Além disso, ouvir os relatos de cada participante do projeto mostrou o quanto ele transforma vidas e como a inclusão e a diversidade são essenciais em qualquer ambiente, promovendo respeito, pertencimento e oportunidades reais. Por fim, conhecer a cooperativa foi uma experiência enriquecedora. Eu ainda não tinha contato com essa instituição, mas descobri o quanto o trabalho que ela realiza é fundamental e inspirador para toda a comunidade.
Diagramação: Redação Lacos
Edição Final: Letícia Santos
Imagem do Destaque: Montagem/Letícia Santos