Entregue à Luta e à Solidariedade

Quando a militância LGBT te chama para se entregar de corpo e alma por uma causa que você acredita, só resta se doar por completo para esse movimento revolucionário. Esta é a trajetória de Deborah Sabará na Associação Gold

A ativista Deborah Sabará (Foto: José Modenesi)

José Modenesi

A extensão de terra alcançada por uma chuva forte pode variar, mas uma coisa é fato: a chuva transforma tudo. Quando as águas do céu deixam as nuvens para chegar ao chão, fazem daquele pedaço terra fértil para brotar as sementes ali plantadas.

Deborah Sabará, mulher travesti e ativista, é chuva e também semente. Hoje, com um trabalho relevante para o ativismo no Espírito Santo e no Brasil, ela irriga com a luta diária os solos secos para fazer nascer dessas terras frutos que perpetuam os direitos LGBTs, com um olhar especial para a causa da comunidade trans.

Fruto das sementes plantadas no passado e regadas pela fé no futuro, o hoje que vivemos só pode existir por conta dos avanços que foram conquistados a partir da luta da própria comunidade. Coordenadora da Associação Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade (Gold), Conselheira Nacional do Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ (CNLGBTQIA+), Diretora da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) e Secretária de Direitos Humanos da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) – essa é Deborah Sabará.

A vida de Deborah é uma entrega completa. O trabalho mais significativo é na Gold, espaço em que está presente de forma muito ativa. Para essa causa, a ativista doou os últimos 15 anos da própria vida visando transformar a realidade da comunidade LGBTQIA+. Assim, promove, junto ao time da Associação Gold, ações, campanhas e eventos que colaboram para o desenvolvimento dos direitos desse grupo ao redor do Espírito Santo e do Brasil.

É impossível não notar a dedicação de uma pessoa que doa a vida para o movimento ativista. E esse trabalho feito por Deborah é direto da alma, uma vez que ela gosta muito de construir política LGBT e de ajudar as pessoas a partir desse trabalho que envolve entrega e dedicação.

Ver o trabalho que eu coordeno na Gold e fazer com que outras pessoas pensem igual a mim e busquem um olhar transversal dos direitos humanos é muito bom. A gente quer pensar em projetos para além de oferecer dignidade e direito às pessoas, mas, também, acolhimento e escuta. Tudo isso é muito importante e acontece dentro da Gold

Deborah Sabará
O objetivo de Deborah é colaborar com a transformação (Foto/Reprodução: Instagram)

O ambiente em que aprendeu a como organizar um movimento militante foi a igreja, mas foi a Associação Gold o primeiro espaço de militância LGBT que Deborah integrou, em 2009. Hoje, tudo o que ela toca tem o potencial de virar uma revolução e o trabalho da Associação é uma construção diária que conta com outros colaboradores, também integrantes da comunidade LGBTQIA+.

Em 2008, quando estava num ponto de prostituição da BR 101, recebeu o convite para participar da primeira Conferência Estadual LGBT. Teve um momento de fala no evento e foi destaque na conferência. Nesse dia, Vanilly Borghi, travesti que estava à frente da Gold em Colatina, noroeste do Espírito Santo, ofereceu uma carona para Deborah e aproveitou o momento para convidá-la a representar a Associação.

É na militância e no trabalho árduo que Deborah encontra espaço para fazer o que sabe de melhor: se doar, cuidar e transformar. Na Gold, ela procura colaborar com a harmonia e, num instinto familiar, se preocupa com a saúde física e mental das pessoas que fazem parte daquela equipe.

Quando decidiu que iria doar os próprios dias para uma causa deste tamanho, ainda não sabia a proporção que o trabalho da Associação iria alcançar. Atualmente, na Gold, Deborah reconhece a importância de se manter no propósito de estar totalmente entregue ao objetivo coletivo, que vai muito além de buscar conquistas individuais.

Dessa forma, ao se doar por completo ao coletivo, embora tenha destaque na militância, não usa desse reconhecimento para alcançar objetivos pessoais. A luta de Deborah é revolucionária e sempre em conjunto. Para ilustrar, ela me conta que esperou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e só fez a retificação de nome e gênero depois da viabilização desse processo em cartório.

Tinha o processo, mas eu não aceitei fazer. Só fiz a retificação de nome e gênero após a decisão do STF. E eu acredito que essa é a oportunidade de nós ativistas. Retifiquei apenas quando estava tranquila de que as pessoas teriam acesso a esse direito

Deborah Sabará

Essa é mais uma prova de que a doação de Deborah para a causa é de corpo e alma. Por saber que ocupar os cargos que ela ocupa é tarefa séria, Deborah não aceita estar nesses ambientes por nenhum outro motivo, além da vontade latente de encontrar caminhos para buscar as melhorias necessárias para a comunidade LGBTQIA+.

Depois de ingressar na Gold, a própria realidade começou a mudar muito. Foi destaque em outros eventos e as pessoas que a escutavam começaram a notar que ela fazia a diferença no âmbito da militância. Deborah é modesta e fala que tem dificuldade de reafirmar os elogios que recebe. Mas eu não preciso dessa modéstia para falar dela.

O que Deborah faz é transformar tudo e sem pena de mudar demais as coisas, afinal as mudanças propostas por ela são sempre para melhorar. Com propósito e objetivo, desde que se doou para a jornada na Gold, fez a diferença como poucas pessoas seriam capazes de fazer. Não é por acaso que hoje ocupa cargos em outros espaços do movimento LGBTQIA+ no Brasil, pois, por onde passa, planta e rega as sementes de um futuro melhor para a comunidade.

No cargo de coordenadora que ocupa atualmente, ela está à frente da Associação e cria uma dinâmica familiar entre os colaboradores. O espaço físico do coletivo recebe para trabalhar naquele ambiente outras pessoas da comunidade LGBTQIA+ e essa é mais uma das maneiras de colaborar com esse grupo. Deborah defende que ali também se produzem laços familiares. Assim, a Gold se torna família e ela faz questão de cuidar de cada pessoa da equipe.

É a transformação que eu quero levar para as pessoas. Não sou do contato físico, cobro mesmo e quero que lembrem de mim pensando: ‘ela fez algo na minha vida que está marcado’

Deborah Sabará

A Associação nasceu em 2005, na cidade de Colatina. Em 2009, quando Deborah se tornou representante do coletivo em Vitória, decidiu doar os esforços para colaborar com a Gold. Hoje, a Associação promove inúmeras atividades em prol da comunidade LGBTQIA+, além de trabalhar ainda a favor dos direitos humanos para pessoas privadas de liberdade, população em situação de rua e menores cumprindo medidas socioeducativas.

A sede da Gold, localizada no Centro da cidade de Vitória, ES, funciona como um ponto de apoio para quem enfrenta a vulnerabilidade social. Como em um movimento de doação de dignidade, no espaço físico da Associação as pessoas LGBTQIA+ encontram suporte de assistentes e educadores sociais, cursos profissionalizantes, além de acompanhamento psicológico e outras atividades voltadas para esse grupo.

O resultado é ouvir as pessoas falando que eu as ajudei. Que as ideias contribuíram para minimizar a violência, que abriu os olhos e a cabeça para pensar em direitos humanos. Tudo isso faz com que eu fique feliz. Apesar de ser cansativo e estressante, quando acontecem coisas boas, a gente se renova

Deborah Sabará

Uma das formas de promover a assistência à comunidade LGBTQIA+ é oferecendo o acesso à alimentação. A Associação constantemente faz a doação de cestas básicas e alimentos disponíveis para retirada na sede. Isso porque ainda existem pessoas desse grupo que enfrentam a insegurança alimentar e necessitam de uma colaboração mais ativa nesse sentido.

Na capital Vitória, um evento importante promovido pela Gold é a parada LGBTQIA+ da cidade. Além da celebração da diversidade desse grupo, a parada tem o objetivo de reunir a comunidade em prol da luta pelos direitos indispensáveis para essas pessoas e a Gold doa muitos meses de dedicação da equipe da Associação para que o evento aconteça.

Atualmente, o projeto mais grandioso do coletivo está sendo a criação da 1ª Casa de Acolhimento de Pessoas LGBTQIA+ em Vulnerabilidade Social do Espírito Santo, a Casa Gold. A etapa mais desafiadora foi concluída neste ano, após a doação de 13 apartamentos localizados no Centro de Vitória.

A iniciativa tem o objetivo de oferecer um espaço físico de acolhimento para as pessoas da comunidade que foram expulsas de casa e enfrentam uma realidade de rejeição social e familiar. O lar temporário irá permitir que a comunidade LGBTQIA+ possa estar em um ambiente de casa, enquanto busca sair de uma situação de vulnerabilidade.

Ao falar da Casa Gold, é indispensável compreender que a Associação trabalha também para suprir necessidades que não são acolhidas pelo Estado. “A gente precisa que o Estado acredite que nós estamos fazendo o papel deles. Nós fazemos muito mais que o atendimento. A gente monitora, questiona, critica e elogia para que a política pública aconteça”, defende Deborah. Por isso, o projeto da casa de acolhida é tão importante.

Neste momento a Casa Gold ainda não está aberta, mas já temos o espaço e estamos com uma “vaquinha” para arrecadar o recurso necessário

Deborah Sabará

Diante de todo o caminho percorrido nos últimos anos, Deborah insiste em olhar para frente e o trabalho da Gold é enfrentar os desafios que impactam no futuro da comunidade. Ela busca em ações, doações, eventos e atividades as soluções necessárias para oferecer à comunidade LGBTQIA+ a dignidade que o corpo e a alma precisam para resistir em um mundo que insiste em rejeitar a diversidade.

Quando Deborah se movimenta, leva a comunidade junto a ela. Busca as sementes, planta uma a uma e faz chover naquela terra seca para que, assim, possam brotar e render os frutos necessários para alimentar, de corpo, alma, dignidade e acolhimento, a comunidade LGBTQIA+.

Desde o dia em que se doou por completo para ser ativista pela Associação Gold, luta para promover, junto à equipe, as ações necessárias para caminhar sempre para frente no âmbito da militância LGBT. E se doar por inteiro na luta para que brotem as sementes do futuro é o que Deborah sabe fazer de melhor.

Colaboração

Clique aqui e veja como colaborar com os projetos da Associação Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade (Gold), sob a coordenação de Deborah Sabará.


Edição: José Modenesi

Imagem do destaque (Home): José Modenesi