A FÉ QUE GUIA MULHERES E HOMENS

As religiões, ao transmitirem valores, ideias, ações e costumes, podem ser utilizadas para manter hierarquias sociais e perpetuar a desigualdade de gênero

O conteúdo atualizado em 28 de novembro de 2024

Celebração religiosa em um centro de umbanda (Imagem: Danilo Muniz)

Danilo Muniz e Janderson Vicente Júnior

A crença em Deus ou em uma força superior se faz presente na vida de muitos cidadãos, principalmente na dos brasileiros. Esse tipo de fé comumente se relaciona com as religiões. A religiosidade transmite valores e costumes considerados sagrados. Eles são capazes de determinar ideias, ações e até funções sociais para os gêneros feminino e masculino. A determinação de tarefas, às vezes, pode ser usada para inferiorizar as mulheres nos espaços religiosos e no convívio social.

A professora de sociologia Márcia Correia de Lima, 51 anos, afirma que esse sexismo ocorre devido uma ideia que coloca o feminino em uma posição de completa obediência em relação ao masculino. Ela entende que tradições sagradas, em alguns casos, são interpretadas de forma errada. A má interpretação produz o pensamento de que as mulheres devem, a todo tempo, serem submissas aos homens.

Professora Márcia Correia (Imagem: Arquivo pessoal)

Márcia Correia enfatiza que essa ideia de subordinação surge para atender a lógica patriarcal. A professora diz que o patriarcado utiliza a religião, principalmente a cristã, para legitimar esse sistema e estabelecer normas que devem ser seguidas plenamente por todos, independente da crença pessoal. Ele também é a causa de inúmeros casos de violências contra mulheres registrados no Brasil.

Há uma normatização e uma tentativa de silenciamento quando essa normatização é questionada. Nós chegamos até aqui porque as regras foram quebradas. Mas elas foram quebradas por aqueles grupos que se sentiram prejudicados e menosprezados pelas normativas

Márcia Correia

O professor universitário Vítor Nunes Rosa, 59 anos, destaca que a essência da religião é a promoção da harmonia social. Ele esclarece que existem papéis diferentes para mulheres e homens, mas que o uso indevido da fé é o responsável pela desigualdade de gênero. As pessoas que praticam verdadeiramente os ensinos sagrados são contrárias aqueles que usam a fé para inferiorizar e excluir a mulher, que é valorizada por muitas vertentes religiosas.

Catolicismo

O catolicismo é uma das religiões mais cultuadas no Brasil (Imagem: Janderson Vicente Júnior)

O padre Ricardo Passamani, 38 anos, reconhece que a religião pode ser usada para fins egoístas. Ele, porém, concorda que essa postura não condiz com o real objetivo dela. O padre, por meio de uma perspectiva católica, conclui que os católicos precisam denunciar os males que assolam a sociedade, inclusive aqueles praticados contra as mulheres. Ricardo afirma que líderes religiosos devem ser responsáveis ao aconselharem os fiéis, visto o valor e a fé que as religiões recebem deles.

O psicólogo Alexandre Vieira Brito, 39 anos, vê as lideranças religiosas desempenharem o papel de guias para os fiéis. Ele conta que as diferentes religiões são úteis para que os indivíduos vivam em paz entre si, além de serem alternativas usadas para auxiliar o tratamento de situações traumáticas. Alexandre relata que dentro das religiões há funções diferentes estabelecidas para os gêneros e que têm efeitos variados sobre cada um deles.

Padre Ricardo Passamani (Imagem: Danilo Muniz)

O padre Ricardo explica, também, que no catolicismo as funções de mulheres e homens são distintas. Ele argumenta que essa separação promove a completude entre os gêneros. Na religião católica, a mulher não pode assumir o papel do clero, ou seja, de padre ou bispo, por exemplo, devido a tradição. Isso não quer dizer que as mulheres não são valorizadas e que são excluídas da estrutura religiosa católica. Elas podem liderar grupos de orações ou equipes criadas para atender demandas da organização.

Um exemplo de liderança feminina é a presidente do Conselho de Ensino Religioso do Estado do Espírito Santo (CONERES), Rita Cola, 79 anos. Ela é católica agostiniana e não deixa de desempenhar um papel importante para a igreja e sociedade. Rita percebe um forte estigma contra as mulheres, porém acredita que essa situação surge das relações entre as pessoas baseadas em uma lógica que não valoriza e exclui o público feminino de muitas esferas da sociedade.

Quando eu vejo o mal, eu vejo que é o oposto que Deus quer

Rita Cola

Matriz Africana

As religiões de matriz africana por terem uma tradição singular são vítimas recorrentes de preconceito religioso (Imagem: Danilo Muniz)

As religiões de matriz africana funcionam de uma forma diferente do catolicismo. Mulheres, tradicionalmente, desempenham papéis de liderança nos terreiros ou casas religiosas. A professora de sociologia Márcia Correia explica que essa cultura possivelmente é resultado do sistema matriarcal presente no continente africano em tempos passados. Ela afirma que essa influência é vista na cultura dessas organizações.

Mãe Priscila e o marido (Imagem: reprodução/Instagram)

A mãe Priscila do caboclo 7 fechas, 41 anos, comenta que, dentro das vivências e conhecimentos que possui dessa vertente religiosa, não percebe uma separação de afazeres de acordo com o gênero. Priscila considera que todos os indivíduos são iguais e, por isso, as tarefas e obrigações não são diferentes. Ela finaliza destacando que a religião não pode ser usada para oprimir aqueles que buscam apoio nela.

Eu acredito que quando a gente passa daquele portão para dentro, a gente é um só. Nós somos irmãos

Mãe Priscila
O Babalorixá Rodrigo de Ògun (Imagem: reprodução/Ilê Ògun Oxún)

O Babalorixá do terreiro Ilê Ògun Oxun, Rodrigo de Ógun, 47 anos, narra que
já frequentou a igreja evangélica, mas que o candomblé o tocou na alma. Ele expressa a força das raízes africanas da religião e a vê como forma de resistência. Rodrigo escreveu o livro “O Que é o candomblé?”. Ele explica que, embora haja divisões de tarefas no terreiro, observa-se o protagonismo das orixás femininas, como Oxun, Iemanjá e Iansã, que têm muito poder dentro da filosofia iyoruba e do candomblé, que não nega o feminino, pelo contrário.

Oxum é uma orixá cultuada nas religiões de matriz africana, sendo símbolo de força e sabedoria feminina. A jovem umbandista e recém-consagrada Gabriela Penha Falcão dos Santos, 18 anos, compartilha essa mesma perspectiva. A religião lhe trouxe a paz e a fez amadurecer. O terreiro se tornou ponto de encontro consigo mesma, gerando reflexões sobre problemas pessoais e como enfrentá-los com sabedoria. Gabriela conclui afirmando que os ensinos umbandistas a fizeram evoluir espiritualmente.

Considerações
O texto original sofreu alterações, pois o fragmento referente ao Babalorixá Rodrigo de Ógun  teve interpretações equivocadas que acabaram por comprometer o entendimento correto do conteúdo e das práticas religiosas do candomblé. Na religião os aspectos sagrados e doutrinas ritualísticas não podem ser quebradas. Pedimos desculpas pelo equívoco e agradecemos a compreensão.


Edição: Janderson Vicente Júnior

Imagem de Destaque (Home): Danilo Muniz