Cooperados mirins misturam empreendedorismo e solidariedade em uma receita de sucesso
Jovens e adolescentes de três cooperativas mirins do Espírito Santo – Cooperjetibá, CoopSaber e CoopNair – desenvolvem habilidades e valores transformadores por meio da produção de sabonetes e doces, aplicando, na prática, o cooperativismo para impactar a sociedade e construir um mundo melhor

Nayra Loureiro
No contraturno escolar, o aroma das velas, a fragrância delicada dos sabonetes e o doce cheiro dos cookies e palhas italianas anunciam que os cooperados mirins estão com a mão na massa. À medida que misturam os ingredientes, também aprendem sobre cooperativismo, empreendedorismo, solidariedade, democracia, responsabilidade e liderança. A receita que eles seguem é a de um mundo mais justo e temperado com a essência do cooperativismo. E, assim, o que se exala no ar é a promessa de uma geração que, ao crescer, estará pronta para transformar a sociedade com a mesma paixão e dedicação que colocam em cada tarefa.
Cercada por uma vegetação exuberante, a 80 km da capital Vitória, em Santa Maria de Jetibá, fica localizada a Cooperativa Educacional Centro Serrana, também conhecida como Escola Cooperação. Em uma cooperativa de ensino, os papéis se invertem: os pais não são usuários, eles são os donos do negócio. São eles que, em assembleias, decidem os rumos da instituição e escolhem, entre si, uma diretoria responsável por representá-los e guiar o futuro da escola.
Impulsionados pelo desejo de disseminar os valores do cooperativismo também entre os estudantes, em 2018, o Instituto Sicoob e o Sicoob Espírito Santo, em parceria com o Sistema OCB/ES, lançaram o Programa Cooperativa Mirim e, por meio de objetos de aprendizagem como velas, sabonetes, cookies e palhas italianas, os alunos desenvolvem habilidades humanas e sociais.
Naquele mesmo ano, a Escola Cooperação deu vida à própria cooperativa mirim, a Cooperjetibá. Seguindo os mesmos moldes das “cooperativas de adultos”, 22 alunos do 6° ao 9° ano, com idades entre 10 a 14 anos, se reúnem nas quartas-feiras para organizar as ações da cooperativa e realizar as divisões de tarefas. Periodicamente, são realizadas assembleias que discutem as decisões tomadas dentro da cooperativa.
Há, também, as eleições para eleger quem vai ocupar os cargos da cooperativa. Além disso, eles prestam conta de tudo. Vale destacar que não são todos os alunos da escola que participam da cooperativa mirim, pois um dos princípios do cooperativismo é a adesão livre e voluntária. Participa quem quer. É a democracia na melhor essência
Diretor da Escola Cooperação Charles Moura Netto
A preocupação com a comunidade é, também, um dos princípios a serem seguidos. Os cooperados se preocupam não só com o que acontece em Santa Maria de Jetibá, mas, também, em todo o Espírito Santo e no Brasil. Diante disso, em março deste ano, quando a cidade de Mimoso do Sul, na região Sul do Estado, foi devastada pelas fortes chuvas, a Cooperjetibá se uniu em uma campanha para enviar donativos para a população.

Já no mês de maio, quando as chuvas assolaram o Rio Grande do Sul, no Sul do Brasil, os cooperados fizeram uma doação de materiais escolares para os alunos de uma cooperativa educacional gaúcha. “Além disso, cada cooperado escreveu uma carta de próprio punho direcionada para quem iria receber as doações. Desse modo, desde cedo, eles aprendem sobre a responsabilidade social. Outro princípio do cooperativismo”, afirma Charles Moura Netto.
Donos do próprio negócio

No Brasil, a educação financeira e o empreendedorismo ainda são pouco explorados nas escolas, mas as cooperativas mirins emergem como uma solução inovadora. Na Cooperjetibá, as aulas ganham um sabor especial. Os cooperados, em vez de apenas aprenderem teorias, colocam a mão na massa – literalmente.
Produzindo biscoitos decorados e cookies, os adolescentes vivenciam cada etapa de como gerir um negócio, desde a procura pelos melhores preços dos ingredientes até o cálculo dos custos e a definição do preço justo. Para entender os princípios do empreendedorismo, os alunos passaram por uma formação. “Eles sabem o que é custo médio, margem de lucro, custo operacional e lucro líquido. Futuramente, podem até desenvolver o próprio negócio de acordo com que eles aprenderam na cooperativa”, avaliou a professora orientadora da Cooperjetibá Elisângela Lemke.
O dinheiro arrecadado com a venda dos produtos tem destinos variados. Parte é reinvestida na cooperativa, seja na compra de novos ingredientes e utensílios ou em uma nova capacitação. Há, também, um fundo de reserva e um valor dedicado a ações sociais. No fim do ano, após avaliarem os resultados financeiros, os cooperados se reúnem em assembleia para decidir, juntos, o destino do valor restante, exercendo, mais uma vez, a democracia.
Todos os anos, a cooperativa mirim promove uma ação solidária no Natal. Em 2022, arrecadaram cerca de 400 kg de arroz para a Casa Bom Samaritano. No ano seguinte, uniram forças com o Corpo de Bombeiros da cidade e doaram brinquedos para crianças. Neste ano, os cooperados estão planejando uma nova ação e já buscam apoiadores para beneficiar um orfanato capixaba.
Na prática, a cooperativa mirim é uma aprendizagem de valores cooperativos, de empreendedorismo e de soluções em coletivo que vão dar bagagem para a vida deles
Diretor da Escola Cooperação Charles Moura Netto
Aos 12 anos, quando Gusttavo Holz, Bruna Repke e Júlia Herbest, entraram na cooperativa mirim, eles não imaginavam o impacto que essa decisão traria para a vida de cada um. No vídeo abaixo, os cooperados compartilham aprendizados que vão além da sala de aula. Assista aos depoimentos e inspire-se.
Disseminando valores
Os aprendizados adquiridos nas cooperativas mirins não são restritos apenas aos estudantes. Os valores cooperativistas se expandem, transformando-se em ações que ultrapassam os limites da escola e geram impactos na comunidade. A CoopSaber, cooperativa mirim da escola Coopeducar, localizada em Venda Nova do Imigrante, na região Serrana do Espírito Santo, é um exemplo disso.

Neste ano, em uma demonstração de solidariedade, os alunos organizaram uma campanha emergencial para arrecadar agasalhos, produtos de higiene e cobertores em prol dos atingidos pelas chuvas no Rio Grande do Sul. Em apenas uma semana, mais de três caminhões de doações foram enviados ao estado gaúcho.
Para que as ações da cooperativa sejam concretizadas, além do apoio do Sicoob, os cooperados produzem palhas italianas. Esses produtos, embora ajudem a manter a cooperativa, não são o foco principal. O verdadeiro objetivo é gerar impacto social por meio de ações que tenham a cooperação e o empreendedorismo como pilares.
Em dezembro, por exemplo, será realizada uma ação com idosos de um asilo. Os alunos da CoopSaber também participaram ativamente do ‘Dia C de Cooperar’, data em que as cooperativas de todo o país se mobilizam para oferecer às comunidades serviços essenciais nas áreas de saúde, educação, trabalho, lazer e cultura. “Acreditamos que, se as crianças crescerem dentro da filosofia do cooperativismo e assimilarem esses valores como essência e filosofia de vida. Elas crescerão e contribuirão para a construção de um mundo mais justo, pautado nesses mesmos ideais”, analisa a professora orientadora da CoopSaber Rafaela Caliman.

O nosso objetivo é servir à comunidade por meio do cooperativismo, mostrando aos estudantes que, quando cooperamos, podemos alcançar muito mais. Unidos, conseguimos ir ainda mais longe
Professora orientadora da CoopSaber Rafaela Caliman
É evidente que o conceito de solidariedade é fundamental nas atividades das cooperativas mirins. A todo momento, os alunos são incentivados a colaborar para alcançar objetivos comuns, priorizando a ajuda mútua e a cooperação. A Supervisora de Responsabilidade Social do Sicoob/ES, Sandra Martins, avalia que essas práticas reforçam o espírito de solidariedade entre os alunos e ensinam a importância de contribuir para a comunidade, promovendo um senso de responsabilidade social que será levado para a vida adulta.

A resposta das comunidades e dos pais ao programa tem sido extremamente positiva. Eles reconhecem os benefícios educacionais e sociais proporcionados pelo programa, como o aumento do engajamento dos jovens com a escola e a comunidade, o desenvolvimento de habilidades práticas e a promoção de valores éticos e sociais fundamentais para a formação de cidadãos responsáveis
Supervisora de Responsabilidade Social do Sicoob/ES, Sandra Martins
A cada ação da cooperativa, os estudantes aprendem na prática a se comunicar de forma assertiva, a trabalhar em equipe, a liderar com empatia e a resolver conflitos. Mais do que ensinar teorias, o programa busca formar seres humanos completos, prontos para tomar decisões e conviver em sociedade. Assim, os adolescentes se preparam não apenas para o mercado de trabalho, mas para a vida em comunidade. “A preocupação com o outro nos ajuda a entender que não somos ilhas, mas extensões uns dos outros. O bem-estar do outro é fundamental para o nosso próprio bem-estar”, relata a professora Rafaela Caliman.
Davi Paste, 14 anos, presidente da CoopSaber, e Lívia Nascimento, 15 anos, conselheira fiscal, são exemplos de como o Programa Cooperativa Mirim transforma a visão de mundo dos adolescentes, despertando neles o espírito de liderança e cooperação. Ouça os relatos que comprovam o poder transformador do cooperativismo.
Juzana Moreira, mãe do tesoureiro Angelo José, e Tatiane Nascimento, mãe da Lívia Nascimento, compartilham com orgulho os frutos dessa experiência no desenvolvimento dos adolescentes, enquanto Loreda Venturim, presidente da Coopeducar, traz mais detalhes sobre o projeto. Assista o vídeo:
Cooperativismo ganha espaço na rede pública
A ideia de que cooperativas mirins pertencem apenas ao universo das cooperativas educacionais é desconstruída pela CoopNair, cooperativa mirim localizada no município de Fundão, na região metropolitana de Vitória. Composta por 23 alunos do ensino médio, entre 15 e 18 anos, a cooperativa transforma o dia a dia da escola pública CEEFMTI Nair Miranda, mostrando que o cooperativismo pode florescer em qualquer ambiente, gerando benefícios à comunidade escolar e à sociedade.
A ideia de criar uma cooperativa na escola foi semeada pelo Sicoob e concretizada no dia 8 de agosto de 2023. Atualmente, os cooperados produzem sabonetes artesanais e velas aromáticas, atuando em setores bem definidos. “Temos a diretoria de ações e projetos sociais, de marketing, de produção e a do financeiro. Todos os produtos são desenvolvidos dentro do laboratório de química”, explica a professora orientadora da CoopNair Gislayne Demonel.

Com direito a pipoca e suco, em junho deste ano, A CoopNair promoveu o ‘CineCoop’. A ação levou alunos de uma escola vizinha, também da rede municipal, para assistirem ao filme no auditório da escola. Os participantes nunca tinham ido a uma sala de cinema. “Selecionamos sempre filmes que trazem uma mensagem significativa, que é discutida após a exibição. Antes deles assistirem, também compartilhamos relatos sobre a cooperativa, nossa experiência e como tudo funciona”, disse Majuh Monjardim, de 18 anos, diretora do setor ações e projetos sociais da CoopNair.

Uma parte do dinheiro arrecadado é utilizado para comprar itens necessários para a produção dos objetos de aprendizagem e outra para subsidiar as ações sociais. Durante este ano, já foram entregues cestas básicas a famílias carentes da comunidade ao redor da escola. Quem analisa se há verba ou não para subsidiar as iniciativas é o diretor financeiro Vandyson Santos, 18 anos.
Ouça abaixo a explicação e os principais aprendizados do cooperado mirim
Para que os projetos saiam do papel e sejam executados com excelência pelas equipes, é preciso que as decisões sejam tomadas com precisão. A cooperada Majuh Monjardim, 18 anos, conta que um dos maiores desafios é lidar com a pluralidade de opiniões, já que no cooperativismo não se faz nada sozinho.
É preciso ter o consenso de todos. Uma das coisas mais valiosas que aprendi como cooperada é saber lidar com as pessoas, pois cada um tem uma opinião, uma cultura, um modo de pensar e de agir. Não é somente a minha opinião que vale. Diante disso, meu relacionamento com as pessoas melhorou muito desde que entrei na cooperativa
Diretora do setor ações e projetos sociais da CoopNair, Majuh Monjardim

Todas as segundas-feiras, os cooperados da CoopNair se reúnem para discutir e executar os projetos. À frente dessas reuniões, o presidente da Cooperativa, Pyettro Lopes, 17 anos, lidera o grupo, orientando e incentivando os colegas. O ritmo é dinâmico. Uma equipe trabalha na produção, enquanto o time de marketing registra imagens e outra parte do grupo já planeja os próximos passos.
Da mesma forma que Majuh Monjardin, Pyettro Lopes também reconhece que a habilidade de lidar com pessoas é um dos maiores aprendizados proporcionados pela cooperativa. “Me ajudou muito a melhorar a questão da liderança e compreensão. Eu tinha dificuldade em entender o lado das pessoas, mas na condição de presidente, preciso considerar o ponto de vista de todos na cooperativa. Passei a entender e apoiar melhor as pessoas”, disse Pyetro Lopes.
A Supervisora de Responsabilidade Social do Sicoob/ES, Sandra Martins, explica que formar futuros líderes que possam aplicar os princípios do cooperativismo nas próprias vidas e nas comunidades é um dos objetivos do Programa Cooperativa Mirim. Ao mesmo tempo, os cooperados desenvolvem autonomia, habilidades de comunicação, criatividade e noções de empreendedorismo.
O programa também incentiva o interesse pela comunidade, promove o senso de cidadania e estimula a capacidade de organização e planejamento, preparando os jovens para desafios futuros, tanto no mercado de trabalho quanto na vida pessoal. Ao aprenderem sobre empreendedorismo e cooperativismo, eles se tornam capazes de liderar e inovar em qualquer contexto
Supervisora de Responsabilidade Social do Sicoob/ES, Sandra Martins
A Analista de Desenvolvimento Humano da OCB/ES, Bianca Aparecida da Silva Rocha, faz também uma análise dos resultados e impactos do Programa Cooperativa Mirim. Ouça abaixo:
OPINIÃO DA AUTORA NAYRA LOUREIRO – Ao longo desta reportagem, reafirmei uma crença que carrego comigo: a educação é, sem dúvida, uma poderosa ferramenta de transformação social. No entanto, ao me aprofundar no cooperativismo, descobri que esse modelo de negócio também tem um imenso potencial para promover mudanças na sociedade. Nas cooperativas mirins, essas duas forças – educação e cooperativismo – se unem, revelando-se capazes de gerar impactos significativos na vida de muitas pessoas. Entrevistar adolescentes e jovens tão comprometidos e engajados com os princípios cooperativistas foi uma experiência surpreendente e, em muitos momentos, emocionante. Ver a seriedade com que se dedicam ao projeto e o desejo genuíno de fazer a diferença reforçou em mim a esperança no futuro dessa nova geração. Para mim, contar essas histórias vai além do trabalho jornalístico. É uma honra poder transmitir o impacto dessas iniciativas que inspiram e promovem mudanças reais na sociedade
Edição: Nayra Loureiro
Imagem da Home (Capa): Nayra Loureiro