Cooperativismo Quilombola: Impulsionando a Resistência e o Progresso na Comunidade de São Domingos

A Cooperativa dos Trabalhadores Rurais e Agricultores da Comunidade Quilombola do Córrego de São Domingos (CRTA), a primeira cooperativa quilombola florestal do Brasil, se destaca como motor de resistência e desenvolvimento, transformando a vida de mais de 200 famílias

(Imagem: Kariana Ferreira)

Kariana Ferreira e Rafaela Aguiar

A palavra “Quilombo” carrega em si a essência, a força e a ancestralidade de um povo. Originada da língua quimbundo, do continente africano, o significado remete a um “local de descanso” ou “acampamento”. Composto por descendentes de remanescentes das comunidades formadas por escravizados, os territórios onde as comunidades Quilombolas se estabeleceram vão além de refúgios, eles guardam histórias profundas de Luta, Cooperação, Resistência e Tradição.

Presentes em todo o território brasileiro, as comunidades Quilombolas mantêm sua cultura forte e viva. De acordo com dados do Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Geral (IBGE), mais de 1,3 milhão de pessoas nasceram em comunidades Quilombolas, que estão espalhadas por 25 estados do Brasil. No Espírito Santo, essa realidade se reflete em 26 dos 78 municípios do Estado, onde mais de 15 mil Quilombolas vivem. Conforme os dados da pesquisa do IBGE no Estado, somente 2,7 mil pessoas vivem em territórios Quilombolas, sendo que 40% delas estão em São Mateus.

Dados da população Quilombola do Brasil e do Espírito Santo (Fonte: IBGE/Censo 2022)
Quantidade de pessoas que residem em Quilombos no Espírito Santo (Fonte: IBGE/Censo 2022)

No norte do Espírito Santo, entre os municípios de São Mateus e Conceição da Barra, está a Comunidade de São Domingos. Em 2014, os moradores do Quilombo fundaram a Cooperativa dos Trabalhadores Rurais e Agricultores da Comunidade Quilombola do Córrego de São Domingos (CRTA). O diretor financeiro da Cooperativa, Cledilson Cardoso,  afirma que a ideia de criar a Cooperativa surgiu do atual presidente, Valdete Jeronimo, e do primo dele, Antônio Blandino, por conta da necessidade de serviço e de sobrevivência da região. Confira abaixo o video de Cledilson Cardoso.

Valdete Jeronimo conta também que a ideia inicial era ter uma empresa própria que prestasse serviço para Fibria Celulose. Assista o vídeo abaixo

Nossa região era uma região de uma escassez muito grande de emprego, pois havia muitas pessoas sem estudo, sem profissão

Valdete Jeronimo

A CTRA é a primeira Cooperativa Quilombola do Brasil a prestar serviços florestais atuando com preparação de terrenos, cultivo e colheita. Atualmente, conta com 22 cooperados e 42 funcionários para colaboração na prestação de serviços. A empresa faz parte da Organização das Cooperativas do Estado do Espírito Santo (OCB/ES), que tem como objetivo fomentar a economia local e fortalecer a atuação das cooperativas, oferecendo serviços de orientação e capacitação, além de defender os interesses das cooperativas e dos cooperados.

Cooperados e colaboradores da CTRA (Foto: Arquivo Pessoal/Valdete Jeronimo)
 

As cooperativas são uma importante fonte de desenvolvimento econômico e social no Espírito Santo. De acordo com a edição mais recente do Anuário do Cooperativismo Capixaba, produzido pelo Sistema OCB/ES, as cooperativas do estado reuniram 747 mil cooperados e empregaram 11,5 mil colaboradores. No ano, elas faturaram R$ 11,5 bilhões”, frisou o assessor de Relações Institucionais da OCB/ES, David Ribeiro.

David Ribeiro explica ainda que as cooperativas, além de fomentarem a geração de empregos e renda, foram responsáveis por recolher R$ 589 milhões em impostos e taxas para os cofres públicos. A OCB/ES tem como prioridade o fomento da economia onde as instituições estão localizadas. O assessor ainda ressalta que por meio das cooperativas, esse público pode gerar renda local, produzir de forma sustentável, fortalecer a cooperação e a solidariedade entre os membros da comunidade, além de acessar mercados para comercializar os produtos.

Para as comunidades Quilombolas, as cooperativas representam uma chance de prosperar frente aos desafios encontrados no mercado de trabalho convencional

David Ribeiro

Impactos da Cooperativa na Comunidade

Adeilson Cardoso é um dos cooperados e trabalha como encarregado da equipe de moto roçadeira. Ele conta que antes da Cooperativa tinha muita dificuldade de ter uma renda fixa e que a única alternativa eram empregos temporários, os conhecidos “bicos”. “O fluxo de vida já mudou. Para a gente está melhor por trabalhar seguro dentro da empresa”, disse Adeilson.

Confira abaixo o depoimento de Adeilson Cardoso

Adeilson explica que o principal objetivo da Cooperativa é trabalhar e ajudar a comunidade. Anos antes da criação da cooperativa, havia uma enorme escassez de empregos e uma grande taxa de violência de acordo com oMapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasilda Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ainda segundo os levantamentos da Fiocruz, os moradores eram expulsos de seu território pelas grandes empresas que trabalhavam com plantação de eucalipto.

As empresas baseavam a ação na Lei Federal nº 5.106 de 1967 para adquirirem muitas terras do Sapê do Norte, forçando, dessa forma, os Quilombolas a abandonarem as casas. Nesse contexto, a Cooperativa dos Trabalhadores Rurais e Agricultores da Comunidade Quilombola do Córrego de São Domingos (CTRA) se torna essencial, representando a resistência e a autonomia dos moradores locais. “Hoje, a comunidade é uma referência. Antes da cooperativa, a comunidade era apagada e parada. Hoje, já apresenta um rendimento maior”, relatou o presidente da CTRA, Valdete Jeronimo.

Valdete Jeronimo afirma ainda que a CTRA leva renda para 60 famílias, além de mais de 21 cooperados/donos. A Cooperativa tem ainda uma oficina que trabalha com o conserto dos veículos da Instituição, além de uma padaria e um restaurante. Jerônmo afirma também que, ao todo, 200 pessoas dependem da Cooperativa direta e indiretamente. Assista ao vídeo abaixo

Quilombo São Domingos

Muitos Quilombos no Espírito Santo se formaram após a abolição com a chegada de famílias negras que migraram de outras regiões em busca de novas oportunidades. No entanto, inúmeros negros africanos já haviam desembarcado no Porto de São Mateus trazidos à força para trabalhar como escravos nas grandes fazendas de farinha de mandioca. Hoje, São Mateus abriga a maior população Quilombola do Estado, com quase 7 mil pessoas que mantêm vivas as tradições e a história dos antepassados. Entre essas comunidades, destaca-se São Domingos, o Quilombo mais populoso do Sapê do Norte, localizado às margens da BR-101.

No vídeo, Kariana Ferreira apresenta um pouco do Quilombo São Domingos. Confira

O que é uma cooperativa?

Informações Coonecta (Imagem: Kariana Ferreira)

Guiada por sete princípios universais, as cooperativas são em resumo um empreendimento onde todos os colaboradores envolvidos são donos dos negócios. Um modelo colaborativo que alia o desenvolvimento econômico e social.

As cooperativas têm como objetivo auxiliar com as necessidades locais, prosperar de forma conjunta e dar oportunidade de geração de renda para os colaboradores. As cooperativas não têm os lucros como foco principal. Os ganhos financeiros são importantes para que elas tenham viabilidade econômica para auxiliar no desenvolvimento do seu quadro social.

Os sete princípios universais do cooperativimo são: a adesão livre e voluntária dos membros, uma gestão democrática e participativa,  a participação econômica dos cooperados, autonomia e independência, a promoção da educação e o interesse pelas comunidades por meio de contribuições sociais.


Edição: Kariana Ferreira

Imagem da Home (Capa): Kariana Ferreira