A Constituição Cidadã e as Garantias do Estado Democrático

Promulgada em 05 de Outubro de 1988, a Constituição da República Federativa do Brasil, também conhecida como “Constituição Cidadã” é a garantia do Estado Democrático de Direito para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária

Danilo Muniz

Este texto faz parte de uma série de conteúdos destinados a promover a noção dos direitos civis e democráticos para fortalecer os vínculos com a cidadania

Carta Magna do Brasil, a Constituição da República Federativa do Brasil, completará 36 anos em Outubro deste ano. Contendo 250 artigos, é a segunda constituição mais extensa do mundo – atrás da Índia – e também é a que possuiu textos mais completos. Popularmente conhecida por ‘‘Cidadã’’, o processo de elaboração ocorreu no do fim do regime militar conhecido como redemocratização. Escrita para promover o bem geral do povo brasileiro, a lei máxima do Brasil defende uma nação para todos.

O Brasil teve sete constituições ao longo de diferentes regimes. De colônia à república democrática, a população brasileira conquistou importantes direitos e estabeleceu deveres fundamentais. O sufrágio universal – direito ao voto – faz parte desse leque de triunfos. A participação eleitoral é uma peça determinante para a liberdade e consciência política, porém democracia não se restringe apenas a isso.

Democracia é uma palavra de origem grega que significa  o poder do povo. A democracia é compromisso constitucional  para a construção de uma ‘’sociedade livre, justa e solidária’’. O caminho para um país ‘’fraterno, pluralista e sem preconceitos’’ passa pela sociedade civil. Os representantes eleitos, as leis aprovadas, os índices de desenvolvimento social refletem o que o Brasil quer para o futuro.

Qual futuro teremos com as ações de hoje?

Segundo os dados do Fórum brasileiro de segurança pública (FBSP), em 2023, foram registrados 11.610 casos de racismo, 214 homicídios de pessoas LGBTQIAPN+, 1.467 vítimas de feminicídio, e a cada 6 minutos um estupro acontece. Dentre muitos estigmas sociais, a pesquisa aponta um aumento significativo para os crimes de ódio, que têm como vítimas os grupos mais vulneráveis.

Segundo dados do The Economist Democracy Index 2023, o Brasil ocupa o  51° lugar no ranking das melhores democracias do mundo. No cenário da América Latina – considerada terceira região mais democrática do planeta – o país está na oitava posição. De acordo com a pesquisa, a democracia brasileira é  falha. Dentre os fatores analisados pelo o estudo a avaliação do funcionamento do governo é classificado com a nota 5,38.

Se comparado com a melhor democracia do mundo, a Noruega, os números do Brasil apresentam  desafios expressivos. Em contrapartida, à pontuação do Brasil em relação ao funcionamento do governo, a Noruega teve 9,64.  Enquanto os noruegueses gabaritaram em cultura política, os brasileiros receberam metade: nota 5. O que exemplifica o abismo entre as duas nações.

Constituição da República Federativa do Brasil (Foto: Rodrigo Viana/Senado Federal)

De acordo com o Índice de Percepção de Corrupção (IPC), que define os países mais íntegros do planeta, o Brasil pontuou com nota 36 numa escala que vai de 0 a 100.  Comparando os dados do The Economist Democracy Index, os países com regimes autoritários são os mais corruptos. Torna claro a percepção de que o funcionamento do governo, em especial no combate a corrupção, falha em diversos países da América latina.

Neste cenário, podemos afirmar, então, que a Democracia é sustentada pela harmonia dos poderes da união – executivo, legislativo e judiciário – junto com a população. Quando se tem uma “racha” nessa relação o sistema não funciona e resulta em um Estado estigmatizado em busca de soluções rápidas. Os dados materializam a descrença social nas políticas públicas devido a ausência de impacto positivo no cotidiano dos cidadãos.

Para entender melhor o assunto, conversamos com o advogado, mestre em direitos e garantias fundamentais e professor da FAESA Centro Universitário Paulo Vitor Lopes Saiter Soares.

Democracia não está atrelada a um único conceito. A ideia de que a maioria decide e a minoria é oprimida, não é uma concepção democrática. O pensamento seria um problema no Estado Democrático de Direito, justamente por acabar excluindo as concepções minoritárias em termos de representatividade. Portanto democracia é a voz de todos sendo em grande ou pequena parcela. Para Paulo Vitor:

Estado Democrático de Direito é, justamente, hoje,  a conjugação da democracia majoritária – que ainda existe – mas que busca preservar também os interesses da minoria que não tem essa representatividade majoritária no parlamento

Paulo Vitor Lopes Saiter

O professor da FAESA Paulo Vitor Lopes Saiter Soares (Foto: Arquivo pessoal)

O professor explica ainda que um Estado que não respeita ou se preocupa com o todo não pode ser chamado de democrático. Paulo Vitor relata que o Brasil passou por diversos Estados: liberal, social e agora o democrático de direito e cada um deles com características diferentes: o liberal voltado para o processo majoritário e ponto; o social com o executivo com amplos poderes e o democrático de direito com a proteção de direitos fundamentais para todos.

As estatísticas são instrumentos para medir a atuação do sistema brasileiro. Quando os índices trazem informações iguais às expostas pelo  FBSP e do IPC compreende-se a razão da democracia brasileira não ser plena. A democracia falha sofre muitos abalos. Quando existe o compromisso constitucional e não há execução na prática, a democracia entra em vertigem.

Não podemos pensar que a constituição é a solução para todos os problemas, pois existe uma dupla realidade: a da norma, jurídica, a Constituição e a realidade fática que é a realidade social. A realidade social está ancorada em diversos fatores: econômicos, políticos, culturais, etc. O Brasil tem uma herança cultural preconceituosa. Herança difícil de superar de maneira rápida e simples

Paulo Vitor Lopes Saiter

A Magna Carta é uma utopia – lugar onde se pretende chegar – um sonhado “país das maravilhas”. A realidade social e as normas muitas vezes não se cruzam. Desde a independência, o Brasil viveu períodos  autoritários e democráticos. A atual lei fundamental é a mais longa de uma fase democrática e tem como missão ser a mais estável de todas. Quando sistematicamente direitos são violados, a democracia estremece.

Impregnado em várias esferas da sociedade, a corrupção é uma das problemáticas que corrobora  para a falta de confiança nas instituições governamentais. O livro que não chega na escola, a comida que não chega no prato do faminto, a casa vazia do morador de rua, o remédio que não chega no posto e o criminoso que não fica na prisão: as consequências do desvio de conduta que afeta tanto governantes quanto sociedade civil.

Em esclarecimento sobre patrimonialismo, o professor Paulo Vítor cita autores brasileiros: Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro. A apropriação do espaço público para atender certos interesses privados – patrimonialismo – é o princípio de um ciclo vicioso. O interesse público passa para segundo plano dando lugar para que a corrupção se estruture no país. Escândalos dessa natureza afastam a população da participação do debate político.

Você conversa com qualquer pessoa na rua e a pessoa fala que não gosta de política. Essa frase é muito perigosa, pois quando eu não gosto de política alguém vai fazer por mim”, disse o professor universitário alertando sobre os riscos de não debater sobre a esfera que afeta diretamente a vida social. Ele ainda complementa dizendo que: “quando a sociedade se afasta, a democracia se abala. A democracia é justamente o espaço para a fiscalização social”.

A banalização, então, dos princípios éticos na prática de desvio de caráter por parte da sociedade apresenta um pilar estruturante do país. Com tantos mecanismos de combate a corrupção, o Brasil ainda enfrenta dificuldades gritantes e que necessitam de resolução. O professor Paulo Vitor afirma ainda que: “a educação é a base para uma democracia plena”.

Vale destacar que em 06 de janeiro de 2021 e 8 de janeiro de 2023, o mundo estampava nas capas de jornais os atentados contra os poderes democráticos de grandes democracias: EUA e Brasil. O sustento desses regimes  foram as respostas rápidas contra os atos. O papel da comunidade organizada é imprescindível para repudiar os atos antidemocráticos. As  atitudes que ferem a constituição, ou seja,  atos antidemocráticos são os crimes de ódio: os homicídios, os preconceitos, as segregações, as representações e todos os tipos de violência. Paulo Vitor acredita que uma revolução educacional seria capaz de mudar a realidade e aproximar o fático cada vez mais do utópico.

Opinião do autor

Democracia não é de dois em dois anos e não é exercida nas teclas. Democracia é a amplitude que garante direitos, deveres e princípios invioláveis. Democracia é parte do dia a dia, desde a oportunidade igualitária de acesso à educação até o acesso ao mercado de trabalho. Democracia é quando problemas surgem e a solução é sentar todos e conversar qual a melhor decisão. A democracia se faz por todos em todos os dias e em todos os momentos


Edição: Danilo Muniz

Imagem do Destaque da Home (capa): Núcleo de Publicidade do Lacos/Alyson Ferreira