Resiliência no Empreendedorismo

Lições de resiliência, garra e determinação. Conheça as histórias de empreendedores capixabas que mostram na prática o significado dessas três grandiosas palavras

(Imagem: Nayra Loureiro)

Nayra Loureiro e Renan Benha

Resiliência, garra e determinação. Três palavras que refletem a essência de quem decide empreender no Brasil. Em um mundo onde o imprevisível é a única certeza, a Resiliência permite que os empreendedores se recuperem das dificuldades e se mantenham persistentes. A Garra é o que os impulsiona a continuar trabalhando duro, dia após dia, sem desistir dos sonhos. Já a Determinação, é a força que os mantém focados nos objetivos, independentemente dos obstáculos que surgem no caminho.

Nathália Mattos, empreendedora há mais de 10 anos, é um exemplo disso. Moradora de Cariacica, ela começou a jornada no empreendedorismo em 2008, quando decidiu largar o emprego de carteira assinada para abrir uma loja de perfumes. O primeiro negócio, no entanto, não foi a diante e, em 2012, decidiu fazer um curso de técnico em estética e abriu um pequeno estúdio no terraço da própria casa

Nathália Mattos já montou quase 10 empreendimentos (Foto: Nayra Loureiro)

Pouco tempo depois, percebeu que não se identificava com a área da beleza e não quis dar continuidade aos atendimentos. Foi esse desejo que a impulsionou a arrendar uma loja de roupas no bairro Jardim América, em Cariacica. A localização da loja, porém, não contribuiu para que o negócio alcançasse sucesso e ela precisou fechar o estabelecimento. 

Sempre tive vontade de trabalhar para mim mesma. Sempre tive o desejo de crescer

Nathália Mattos

Em seguida, abriu uma banca de revista em frente à Praia de Camburi, em Vitória. “Eu pensava que uma hora ia dar certo”, brincou. Mas não deu, pois o aluguel era muito caro. “Eu acordava às 5 horas e ia de ônibus até lá. Eu tinha que estar 6 horas na banca para vender os jornais”, contou.

Seria a hora de desistir? Não mesmo. Algum tempo depois, Nathália abriu uma loja de roupas femininas e produtos de marca no bairro onde morava, em Flexal, Cariacica. “Fiquei uns três anos lá, mas meu  marido decidiu abrir uma distribuidora e, com isso, fechamos a loja. Em 2014, fui trabalhar com ele. Servia porção, lavava o bar, limpava o balcão, fazia de tudo um pouco”, descreveu.

Após dois anos trabalhando com o marido, Nathália engravidou do filho, atualmente com 8 anos. No ano de 2017, após o resguardo, decidiu abandonar a função que exercia. “Quando eu saí do bar, eu passei a ficar em casa cuidando do meu filho. Nessa fase, sentia a necessidade de estar fazendo alguma coisa. Nunca gostei de ficar parada. Sempre fui muito ligada na internet e gosto de pesquisar as coisas. E eu ficava buscando alguma coisa para eu fazer. Eu via as oportunidades e decidia tentar para ver se daria certo”, disse.

A resiliência de Nathália é um dos pilares do empreendedorismo. Os pilares são fundamentos essenciais que ajudam os empreendedores a construir e manter negócios sustentáveis e bem-sucedidos. Veja quais são os pilares na imagem abaixo:

Os pilares do empreendedorismo (Imagem: Renan Benha)

Então, em 2019, Nathália decidiu vender bijuterias. “Me atrai pelas bijuterias porque era um investimento baixo. Eu comprava as peças e as divulgava nas redes sociais”, explicou. Empolgada, ela decidiu colocar um stand de vendas na varanda da nova casa, em Porto de Santana, também em Cariacica. O portão da residência ficava aberto para receber as clientes. 

Apesar da persistência e desejo de fazer dar certo, o negócio não progrediu. “Não tinha tanto movimento na rua da minha casa. Após um tempo, desistimos porque não avançou. Não dava muito lucro. Não estava fluindo”, relatou.

Nathália passou a vender bijuterias em 2019 (Foto: Arquivo Pessoal)

Em 2020, Nathália decidiu começar a fazer peças artesanais de resina. Começou a comprar os produtos de pouco a pouco e criou um instagram para o novo empreendimento que se chamava “Um mimo criativo”.

Quando eu me identificava com alguma coisa, eu falava: ‘é isso’. Mas era tudo coisa que eu não pensava muito. Eu tinha o desejo de não ficar parada. Eu só mentalizava que uma hora iria dar certo, uma hora ia chegar a minha vez

Nathália Mattos

Em um ateliê que montou na própria casa, ela confeccionava as peças. No entanto, os produtos eram mais caros já que a resina é algo com maior valor agregado. Uma bandeja de frios feita de resina, por exemplo, custava cerca de R$180,00. 

Uma Pedra no meio do Caminho

O que Nathália não pensou antes de decidir confeccionar as peças de resina é que o tempo influenciaria no trabalho. Quando as temperaturas estavam mais amenas, a resina não secava. “Essas questões eu não pensei antes de abrir o negócio, eu só achava muito lindo e queria fazer. Eu comprei um site para vender meus produtos. Fazia dominós personalizados e enviei alguns para outros estados. Mas era tudo muito trabalhoso e caro. Quando as pessoas queriam dar um presente diferente, elas me procuravam. E isso não era sempre”, disse. 

Da mesma maneira que Nathália, outras mulheres também lideram os próprios negócios no ramo do empreendedorismo. Dados divulgados pela Junta Comercial apontam que, no primeiro trimestre de 2024, das mais de 676 mil empresas registradas hoje no Espírito Santo, 216.881 têm mulheres nos quadros societários. Os números incluem todas as companhias administradas por mulheres. Elas lideram em organizações dos seguintes portes: microempreendedores individuais (MEIs), 119.587; microempresa (64.844) e empresa de pequeno porte (9.651).

Como líder do próprio negócio, Nathália sempre foi a responsável pela tomada de decisões. Após analisar os erros e acertos dos empreendimentos, ela explica que já começava a pensar nos produtos que iria adquirir para não levar muito prejuízo caso o negócio não fosse progredir. “No começo da minha jornada, na loja de perfume, eu comprei mais de mil sacolas personalizadas logo no início do negócio. Gastei muito dinheiro. Como eu estava começando, não devia ter comprado tantas de uma vez só”, exemplificou.

 Nathália vendia as t-shirts de forma online e na loja física (Foto: Arquivo pessoal) 

Ainda em 2020, ela decidiu interromper o funcionamento da loja de produtos de resina, pois não havia tanto retorno financeiro. No mesmo ano, na pandemia, Nathália queria começar outra coisa. Ela conta que, enquanto pesquisava na internet o que poderia fazer, encontrou um fornecedor de t-shirts, um tipo de camiseta. “As pessoas estavam começando a comprar muita coisa online. Eu comecei a investir pouco a pouco e a postar no Instagram. As pessoas começaram a gostar. Em cerca de 2 meses, estava obtendo um ótimo retorno”, contou.

Diante do sucesso com as vendas online, Nathália decidiu abrir uma loja física. Segundo ela, essa foi a decisão que culminou no fim do empreendimento. Quando as clientes entravam na loja, sempre perguntavam se ela não tinha outras peças à venda, como shorts e calças. “Diante disso, comecei a pensar que realmente seria bom. Como eu já estava com a loja aberta, comecei a comprar novas peças. Calças, shorts jeans, macacão, tudo que eu achava lindo eu colocava pra vender na loja”, descreveu.

Nathália avalia que se tivesse focado apenas na venda das t-shirts, ela tinha continuado com o empreendimento. “Eu tinha que ter demanda de clientes de todos os tamanhos. Precisava ter uma variedade de modelos e tamanhos, porque ter um modelo com vários tamanhos não adiantava”, declarou.

Além disso, ela relembra que sempre precisava ter novidades na loja e, para isso, precisava de dinheiro. Pouco tempo depois, ela fechou a loja. “Talvez se eu tivesse mantido apenas as t- shirts eu poderia estar com o negócio até hoje. Mas quando eu via uma nova oportunidade, eu olhava para o lado. Tinha que ter capital para investir e eu não tinha”. 

Nathália Mattos produz as peças personalizadas em um cantinho dentro de casa (Foto: Nayra Loureiro) 

Em 2021, a empreendedora continuou a procurar um novo ramo para iniciar mais um projeto. Assim, Nathália se identificou com a venda de peças personalizadas como brindes para empresas e presentes para datas sazonais como dia das maẽs, dos pais e dos namorados. “Eu pensei que eu só ia precisar investir em papel e impressora. Não iria precisar ficar comprando roupa toda semana”.

Linha do tempo – empreendimentos Nathália Mattos (Imagem: Renan Benha)

Nathália aprendeu a produzir os personalizados na internet e não fez nenhum curso na área. Ela conta que no início fazia tudo à mão e, hoje, já possui máquinas para auxiliá-la no trabalho.  “Comecei em outubro de 2021. Na época do outubro rosa, comecei com balinhas personalizadas, bottons, chaveiros, lápis, canetas, canecas, entre outros. Esse ano vai fazer três anos que estou nesse ramo. Acho que agora posso dizer que deu certo”, finalizou.

Confira no vídeo abaixo o relato de Nathália Mattos:

Família e Fé: o Combustível para Não Desistir

Jader André de Moura Ferreira é padeiro há mais de 20 anos e, há 6 meses, abriu uma lanchonete no bairro Itapuã, em Vila Velha. Antes, ele trabalhava como confeiteiro em uma padaria. A ideia de ter um empreendimento surgiu a partir do desejo de proporcionar um padrão de vida melhor para a família. “Acredito que, na maioria das vezes, trabalhar de carteira assinada não gera tantas oportunidades. Quando você tem o seu próprio negócio, a oportunidade está na sua mão”, disse. 

Para Jader, o maior desafio é encontrar meios para investir no próprio negócio. “Por exemplo, conseguir um empréstimo em um banco sendo um pequeno empreendedor é muito difícil. O segredo é trabalhar e seguir com fé em Deus que vai dar tudo certo”, complementa.

Jader não nega que, às vezes, se sente cansado e desmotivado. No entanto, pensar na esposa e nas duas filhas é uma forma de motivação. “Quando penso nelas, lembro que não posso desistir. Deus promete e Ele cumpre. O que me motiva também é chegar aqui e o cliente comer um dos meus salgados e falar que está uma delícia. É muito gratificante”, conta.

Alguns clientes sentem nostalgia ao experimentarem os produtos da lanchonete de Jader. Ele diz que sente uma alegria imensa e gosta de ouvir as histórias contadas pelos cliente.

Quando meus clientes comem a minha coxinha, a minha mentira ou outro alimento e relatam que se lembram da mãe ou de algum familiar que a pessoa já não tem mais, sinto uma enorme alegria

Jader André de Moura Ferreira

Veja abaixo o vídeo do relato de Jader André de Moura Ferreira:

Da Guitarra ao Artesanato: um Empreendedor por Natureza

Christopher Ferreira de Souza, 31 anos, começou a empreender aos 16 anos quando decidiu ministrar aulas particulares de guitarra. Há seis anos, ele também trabalha vendendo acessórios artesanais e, há 2 anos, possui uma banca para vender os produtos no Centro de Vitória. 

A mãe dele sempre foi artesã e empreendedora, o que o levou a decidir pela mesma profissão. “Quando minha mãe engravidou do meu irmão ela não pôde continuar com o empreendimento. Desde então, eu assumi definitivamente com a minha esposa. Nunca pensei em seguir outra carreira sem ser no empreendedorismo”, contou.

Além do empreendimento com as aulas de guitarra, Christopher já trabalhou com comunicação visual e restauração de fotos. Ele avalia que ser empreendedor tem muitos pontos positivos, mas é preciso ter consistência. “Por exemplo, em relação às aulas de guitarra, é preciso divulgar constantemente. Se não há divulgação, não há alunos. Na venda dos artesanatos, é preciso cumprir os horários de trabalho para conquistar a clientela. Somente assim é possível ter sucesso no negócio”, explicou.

Outro desafio, segundo Christopher, é a organização financeira. Para quem é empreendedor, a renda fixa não é uma realidade. O guitarrista orienta os empreendedores a calcularem a renda média do empreendimento e, a partir disso, organizar os gastos com base nesse valor. “É preciso ter também um valor reserva. No trabalho de carteira assinada, o trabalhador recebe um valor fixo todos os meses. Isso facilita o cálculo dos gastos e do valor que vai sobrar depois. Quando você é empreendedor, há dias ótimos de vendas e outros não. Se você gastar com algo desnecessário, pode acabar se complicando com as dívidas”, disse.

O empreendedor afirma ainda que segue a mesma lógica com as aulas de guitarra. Há fases em que há muitos alunos matriculados e outras não. Para Christopher, o que dificulta é que não é possível saber quando o aluno vai entrar e quando ele vai decidir terminar com as aulas. “Quando estou com dez alunos, não posso fazer contas baseadas nesses dez alunos, pois se um deles sair, já terei um problema”, afirmou.

O conselho de Christopher para quem deseja empreender é estudar métodos para alcançar um controle financeiro do empreendimento. Ele afirma que quando se é empreendedor tudo depende de garra e determinação. 

Quem empreende trabalha o quanto quiser. No empreendedorismo há como ficar sem trabalho. E o empreendedor tem a liberdade de trabalhar como preferir. Eu recomendo a todos. São muitos pontos positivos. Nem digo que há pontos negativos. A questão é saber lidar com as características do tipo de negócio. Na minha opinião, é a melhor coisa

Christopher Ferreira de Souza

Assista abaixo o depoimento de Christopher:

Preparação para o Empreendedorismo

O analista do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae/ES) e trabalha no setor de relacionamento com os empreendedores Bernardo Buteri explica que a instituição prepara o empreendedor para trilhar o caminho do empreendedorismo de uma forma mais técnica. “Sabemos que muitos empreendedores venceram e vencem na vida com garra, suor, lágrimas e, às vezes, com pouco conhecimento inicial. Com o tempo, passou a ser necessário que os empreendedores tivessem a noção, nem que seja mínima, de gestão. Nesse sentido, o Sebrae trabalha para preparar a pessoa para ter o olhar de administração e gestão básica para a empresa dela”, explica. 

O Sebrae/ES oferece cursos de capacitação tanto para quem já tem empresa quanto para quem está começando a jornada no empreendedorismo. O objetivo da instituição é reduzir a mortalidade das empresas. Há cursos sobre estudo de viabilidade do negócio, mentorias, cursos específicos como administração básica para pequenas empresas, entre outros.

Há, ainda, a possibilidade de montar um plano de negócio gratuito com um especialista. “Na fase de criação do plano de negócios, analisamos com o empreendedor o quanto ele terá de despesa e se a ideia pode se tornar algo promissor. O Sebrae dá a mão para o empreendedor desde o início do projeto e segue de mãos dadas até que a empresa vire de pequeno porte. Quando ela vira média, deixa de ser público nosso”, descreve o analista.

Bernardo Buteri trabalha no no setor de relacionamento com os empreendedores do Sebrae/ES (Foto: Arquivo pessoal)

Bernardo também afirma que os empreendedores orientados pela instituição conseguem benefícios junto aos fornecedores de crédito e financiamentos. O analista explica que é muito mais fácil para o empreendedor captar crédito quando ele consegue comprovar a saúde financeira da empresa. O Sebrae também oferece uma consultoria para quem tem dívidas e ajuda a montar uma proposta de renegociação junto à instituição bancária. “Vale destacar  que nós não intermediamos. Oferecemos uma ajuda ao empreendedor para que a empresa que está em crise volte a ter uma saúde contábil”, esclarece. 

O analista Bernardo Buteri complementa que o empreendedor que está começando a jornada deve enxergar o negócio como algo que está nascendo e tem uma vida que precisa ser longa. “Quanto mais o empreendedor se preparar no início, mais saúde terá a empresa. Para isso há muitos cursos e capacitações. Há quem tem a veia empreendedora, mas quem não tem precisa saber que o empreendedorismo é um padrão de comportamento. Quem não é empreendedor por natureza, pode desenvolver as habilidades e se tornar um”, finalizou.

O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas é uma entidade privada brasileira de serviço social, sem fins lucrativos, criada em 5 de julho de 1972, que objetiva a capacitação e a promoção do desenvolvimento econômico e competitividade de micro e pequenas empresas, estimulando o empreendedorismo no país.


Edição: Nayra Loureiro

Imagem do Destaque: Nayra Loureiro