Rick Rodrigues: Costurar a Arte e Suturar a Vida
O artista plástico Rick Rodrigues encontrou no bordado os caminhos para tecer a própria história numa narrativa artística costurada entre contratempos e conquistas
José Modenesi
Para bordar as palavras e costurar esse texto, ofereço a minha escuta ao artista plástico Rick Rodrigues. O encontro online me conectou à cidade de João Neiva, no interior do Espírito Santo, onde Rick mora desde que nasceu. Logo, ele começa a tecer as histórias e a contar, costurando cada detalhe, os caminhos que trilhou ao longo dos 35 anos de vida.
Junto com Rick, nasceu, também, o artista passarinho – como ele se denomina – que borda, diariamente e sem cessar, a própria arte. “Passarinho porque tem uma fragilidade, uma beleza, mas, principalmente, a liberdade de voar e pousar, de ir e vir”.
Quando menino, gostava de criar e de desenhar em todos os cantos, inclusive nas bíblias e nos livros da mãe e do pai, mas não somente no papel. O pequeno Rick também desenhava nas paredes, nas portas, nas janelas e nos móveis. E foi essa criança, que transformava tudo em arte, justamente quem o inaugurou no âmbito artístico e o levou, posteriormente, para o bordado.
A conexão com a costura é desde a infância, mas o bordado chega com força anos depois. Rick desenhava escadas estreitas e com muitos degraus, numa folha gigante. Entre os anos de 2014 e 2015, sentiu vontade de fazer esses degraus com linha.
Depois desse primeiro trabalho, decidiu bordar lenços que estavam separados para uma outra obra. No ir e vir da agulha, ele acessou memórias com o irmão Zenas, que partiu no ano de 2009. Rick se conectou com a cena do irmão costurando e lembrou do interesse que surgiu assim que o viu costurar. Nesse dia, Zenas explicou como funcionava a costura e, assim, começa a história do bordado na vida do artista.
Na infância, não tinha acesso a museus, galerias ou teatros. Apesar disso, o artista afirma com orgulho que vivia a arte da forma que acreditava ser melhor para se guiar nesse caminho. Rick não conseguia acessar a arte de outras pessoas, mas, encontrava, dentro de si mesmo, um universo artístico particular.
Em 2009, essa realidade mudou. Ele decidiu que iria entrar para o curso de Artes Plásticas, na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Na época, o artista trabalhava num laboratório de informática em João Neiva e estudava nos intervalos do trabalho.
A espera pelo resultado foi aflitiva, mas valeu. Rick passou no vestibular e se mudou para a capital Vitória. Depois de iniciar o curso, estava inserido no mundo das artes das outras pessoas e, assim, viajou para além daquele universo artístico particular. Visitou inúmeras exposições e teve a oportunidade de inaugurar a primeira exposição ainda na Universidade, na Biblioteca Central da UFES.
Passei a visitar museus e galerias e a entender esses espaços. Iniciei minhas pesquisas, me agrupei, xeretei tudo e também inaugurei minha primeira exposição
Rick Rodrigues
A arte de Rick Rodrigues é, segundo ele, um trabalho autobiográfico. A cada fio bordado e em cada desenho que ele tece nos panos, nas sacolas ou nas caixas de fósforo, existe a história de um artista que viveu para que a vida se tornasse arte.
Falar sobre as obras, naturalmente, remete ao artista criança. Ele lembra que não foi fácil, mas valoriza os momentos bons e a felicidade presente na simplicidade. “Fui uma criança muito feliz (…) Era uma criança viada, artista e feliz”, relata Rick.
Nascido e criado numa cidade pequena, não há como fugir da realidade de uma pessoa gay interiorana. Ainda assim, se curvar diante da homofobia nunca foi uma opção. “Sempre reivindiquei meu espaço, mesmo sem entender quem eu era”.
Com o passar do tempo e com a evolução como artista, Rick Rodrigues é notado por diferentes espaços artísticos no Brasil. Atualmente, ele é parceiro da Galeria Oá. No espaço, comercializa as obras e tem ainda a oportunidade de acessar ambientes para a exposição de sua arte no país.
É a arte de suturar que revoluciona a carreira de Rick Rodrigues. Foi a partir do bordado que seu trabalho se tornou mais conhecido. Para ele, a força está na fragilidade da arte que produz e na sensibilidade do bordar.
Meu trabalho é delicado, meu trabalho carrega fragilidade nos elementos e nos materiais. Mas tem, também, a fragilidade subjetiva. E aí entram traumas, violências e dores que eu vivi ao longo da vida
– Rick Rodrigues
O que ele faz, de certa forma, é costurar a própria vida. O artista conta que costuma tratar as questões mais duras da existência, mas sem perder a delicadeza desse trabalho artístico. Rick explica que o gestual do bordado é muito interessante, pois é um exercício de repetição. Para ele, dores, fragilidades, lembranças, amores e afetos são reafirmados a cada ponto.
As inúmeras vezes que o repetir e o reafirmar acontecem durante o gestual do exercício de bordar, de certo modo, reiteram a força de uma obra artística que nasce desse fiar sensível, delicado e reafirmativo. Ele elabora um pouco mais, falando sobre a maneira que apresenta as dores nas obras que produz e reforça que essas fragilidades aparecem de forma natural, como parte do processo artístico.
O artista defende ainda que, a cada repetição, os sentimentos e as experiências que viveu são suturados fio a fio. Para Rick, dessa forma, algo se reorganiza dentro dele e a agulha, de alguma maneira, encontra o caminho da cura por meio do bordado.
Quando eu percebo, já estou falando sobre o trauma e, de algum modo, me curando. Eu entrego questões muito íntimas e por meio da arte vou suturando essas feridas. O bordado é uma sutura. Quando você está com uma ferida aberta no corpo, o médico te costura. No fim das contas, ele te borda… e isso cura
– Rick Rodrigues
Ao tocar nesse ponto, Rick relata que as produções são uma necessidade pessoal e que os significados nem sempre são o objetivo. “As mensagens vão sendo inseridas com os outros olhares, mas eu faço porque preciso”.
Para o artista, produzir arte é a forma que encontra de existir no mundo por meio de um trabalho artístico que faz parte da sua própria natureza humana. “Esse fazer me esvazia, me preenche e me faz humano”.
Isso me leva de volta às histórias que o artista teceu ao longo do texto e não me oferece outra alternativa a não ser concluir que é, de fato, a arte quem costura tudo. Cada relato trazido por Rick e toda a trajetória trilhada pelo artista são as evidências de que ele faz da arte um meio para expressar o que sente e para ser quem se é.
Num fiar autobiográfico, o artista sutura muito dos momentos que viveu, sejam eles felizes ou dolorosos. Vejo, então, que expondo os sentimentos e mostrando por meio da arte o que ele deseja externalizar, Rick encontra no meio do mundo artístico o espaço para costurar o seu próprio universo de arte: lindo, profundo e revolucionário.
>>> Esse conteúdo faz parte da série “Vidas que Contam”. Os textos apresentados descrevem o Perfil de pessoas anônimas e foram elaborados por estudantes do curso de Jornalismo da FAESA Centro Universitário. As produções tiveram a orientação do professor Fabiano Mazzini na disciplina de Jornalismo Literário e Livro-reportagem.
Edição: José Modenesi
Imagem do Destaque: Núcleo de Publicidade do Lacos/Alyson Ferreira