Opinião – Van Gogh e a obra ‘Os Comedores de Batata’
Obra muito aclamada e respeitada, Os Comedores de Batata, de Vincent Van Gogh, mostra, nas entrelinhas, uma mensagem de empatia para com os trabalhadores do campo
Natan de Oliveira
Um dos maiores nomes do mundo artístico e principal representante do movimento do pós-impressionismo é Vincent van Gogh (1853-1890). Nascido em Zundert, Holanda, ficou conhecido pela expressividade nas pinturas, estilo inovador, escolha de cores vibrantes e as mensagens críticas escondidas nas obras produzidas. Esses fatores foram diferenciais de Van Gogh em relação a outros artistas.
Apesar de, hoje, ser conhecido e respeitado mundialmente por seus trabalhos, Vincent Van Gogh passou toda a vida no anonimato, vendendo apenas uma obra em vida. As obras do artista podem ser encontradas e apreciadas em vários museus ao redor do mundo, como o Museu Van Gogh, Museu Metropolitano de Arte, Museu Nacional de Belas Artes, entre outros.
Van Gogh passou por várias nuances profissionais. Por ter um interesse pela área religiosa, cursou teologia e foi pastor por um período, apesar de não ter terminado o curso. Contudo, foi o universo artístico que o arrebatou e despertou a paixão.
Por conta de diferentes fatores, Van Gogh passou por diversos problemas relacionados à saúde mental e viveu uma vida conturbada. É possível observar vestígios das lutas contra os problemas psicológicos em obras que costumavam ter um apelo emocional e um tanto quanto melancólico.
O movimento do pós-impressionismo possuía duas vertentes: Emocional e racional. A linha racional do movimento artístico abordava uma linguagem científica e de valores técnicos, enquanto a emocional valorizava os sentimentos humanos e a expressão deles nas obras. A linguagem emocional é muito perceptível nas obras de Van Gogh, inclusive em “Os comedores de Batata“.
A obra
“Os Comedores de Batata”, que foi pintado em 1885, é muito mais do que uma obra bonita, ela possui camadas e significados mascarados por Van Gogh. A obra – pode ser apreciada atualmente no Museu Van Gogh, em Amsterdã, Holanda – traz uma discussão sobre a miséria e as pessoas marginalizadas nesse período da Holanda.
Pensando no contexto da época, a vida no campo era retratada artisticamente por muitos pintores de forma romantizada, trazendo elementos coloridos nas imagens, semblantes felizes e a sensação de calma e tranquilidade. Realisticamente, a vida dos camponeses era exaustiva. Eles eram esquecidos e marginalizados pela burguesia. Viviam vidas simples e eram pessoas da terra.
Influenciado por Jean-François Millet, artista que costumava retratar a vida no campo de maneira realista, Van Gogh pintou o quadro “Os Comedores de Batata” na tentativa de trazer essa visão real e crua da vida no campo e, consequentemente, honrar os trabalhadores desses ambientes.
Os “Comedores de Batata” possui elementos do barraco, como o claro e o escuro, no intuito de transmitir dramaticidade e emoção para a temática. É possível observar uma família no ambiente, reunidos à mesa do jantar. Sabe-se que se trata do jantar pelo horário que marca o relógio localizado no canto superior esquerdo da tela. Além disso, era à noite que a família conseguia se reunir, já que durante o dia trabalhavam.
A família era composta por pessoas com semblantes cansados, com rugas e expressões aparentes. As mãos representadas pela calosidades, protuberâncias e marcas de sol causadas pelo trabalho árduo no campo. A batata, que era um alimento simples na época, é o único alimento à mesa, fruto da colheita feita pela família.
Mesmo com toda atmosfera emotiva que a imagem proporciona, é possível analisar o senso de união dos indivíduos, coletividade, perseverança, esperança e até a inocência. A obra traz a reflexão de como a sociedade é marcada pelas evidentes desigualdades sociais há muitos anos.
Em contraste com as artes que representavam a burguesia na época, “Os Comedores de Batata” escancara como algumas pessoas sobrevivem com o mínimo e, mesmo assim, são “jogadas” às margens da sociedade. Van Gogh ressaltou durante toda a vida que essa foi a obra mais importante, real e significativa. Com ela no mundo, todas as outras obras poderiam ser apagadas.
Apliquei-me conscientemente em dar a ideia de que estas pessoas que, sob o candeeiro, comem as batatas com as mãos, que levam ao prato, também lavraram a terra. E o meu quadro exalta portanto o trabalho manual e o alimento que eles próprios ganharam tão honestamente
Vincent van Gogh
Edição: Natan de Oliveira