“Construindo Pontes: Rumo a uma sociedade Antirracista”

Loren Peterli

Com uma proposta de levar muito mais do que reflexão no Dia da Consciência Negra, o bate-papo “Construindo Pontes: Rumo a uma sociedade Antirracista” traz a realidade dialogando com uma visão de um jornalismo que destrói barreiras impostas pelo racismo. Marcus, Késia e Elis são pessoas pretas e vieram expor experiências com o objetivo de mostrar que, ainda em 2023, a carne mais barata do mercado é a carne negra, conforme dito pela declamação poética da música de Elza Soares pela aluna do curso de Jornalismo Juliana Indami.

O bate-papo foi preparado pelos alunos do 4° período de jornalismo: Kariana Ferreira, Mara Lima, Rafaela Aguiar, Jacyara de Oliveira, Felipe Amorim, Maria Eduarda Souza e Juliana Indami e com orientação da professora FAESA Mirella Bravo. As mestres de cerimônia Mara e Kariana iniciaram o evento trazendo a tona o motivo pelo qual o Dia da Consciência Negra não é comemorado no Dia da Abolição da Escravatura, 13 de maio. Isso se deve, pois, apesar de haver uma abolição formal, os negros continuaram excluídos da sociedade.

Assim, o dia 20 de novembro vem como um movimento negro, chamando a atenção das pessoas de maneira a mostrar que a abolição legal da escravidão não garantiu condições reais para a participação da população negra no Brasil. Por meio de uma encenação, os alunos Danilo Ascaciba e Luiz Edmundo Araújo trazem termos racistas, como, por exemplo, a expressão mulata. Na língua espanhola, referia-se ao filhote macho do cruzamento de cavalo com jumenta ou de jumento com égua. A enorme carga pejorativa é ainda maior quando se diz “mulata tipo exportação”, reiterando a visão do corpo da mulher negra como mercadoria. 

Confira as belas imagens do Evento realizadas pela aluna do curso de Jornalismo da FAESA Clara Fafá

Além de mulher e profissional preta, Késia Moura é jornalista e se destaca pela paixão que possui em construir narrativas que transcendem fronteiras, unindo comunidades e promovendo uma comunicação inclusiva e impactante. Como facilitadora de ações de comunicação e marketing para negócios periféricos, ela contribui ativamente para o fortalecimento dessas comunidades, destacando-se atualmente por sua atuação no Coletivo de Comunicação Popular da Adai (Assessoria Técnica dos Atingidos e Atingidas do Rio Doce).

É a partir dessa experiência que Késia relembra que todas as pessoas que entrevistou sobre o sofrimento, mesmo após oito anos da chegada da lama de rejeitos no Espírito Santo, eram pretas. Essas pessoas que são invisibilizadas durante todo o processo também são invisibilizadas no ambiente que vivem.

Atualmente, de acordo com a Késia, a maioria das pessoas vive dentro de periferias e favelas no Brasil são negras. O racismo ambiental faz uma discriminação também no meio em que elas estão inseridas. Por isso, a comunicação que ela propõe vem com o intuito de trazer o protagonismo total para o povo.

O racismo estrutural acaba com a nossa saúde, pois ele vai tentar nos adoecer. É preciso entender que não estamos dando voz as pessoas negras. Elas já tem voz, só estamos ampliando

Késia Moura

A profissional traz a pergunta: como que nós, comunicadores, vamos ser a ponte/instrumento técnico para que as dores das outras pessoas cheguem no local que sozinha não conseguiriam? Assim, é necessário perguntar quais são os produtos de comunicação que vão ser bons para aquela comunidade que não tem acesso.

Confira os belos momentos do Evento capturados nas imagens realizadas pela aluna do curso de Jornalismo da FAESA Thalita Gomes

Além de profissional preto, Marcus Vinícius Sant’Ana é historiador, mestre em Estudos Urbanos e Regionais pela UFES e Membro do Conselho Municipal de Cultura de Vitória. Nascido na Unidos de Jucutuquara, ele tem o samba como referência de cultura. O historiador relata como o gênero musical já foi um dos elementos criminalizados no Brasil.

Marcus incentiva o letramento racial com o objetivo de instruir as pessoas o tempo todo sobre termos pejorativos e racistas utilizados na linguagem cotidiana da sociedade. Um povo possui quatro pilares de existência: identidade (unitária), pertencimento à comunidade, relação com a terra ou território e religião. Até o nome, por exemplo, que é considerado como parte da identidade de uma pessoa. Assim que chegavam ao Brasil, o negro era obrigado a trocar de nome. Assim, a escravidão fragmenta todos esses elementos.

Vitória é uma cidade formada por mãos negras, porém a mão negra nunca é citada. O solo brasileiro de alguma forma não era solo africano

Marcus Vinícius Sant’Ana
Foto: Arquivo pessoal/Marcus Vinícius Sant’Ana

A história do negro começou estruturalmente no Brasil pela escravidão, mas, mesmo antes, os negros já eram povos estruturados. Marcus explica que quando se fala de carne negra, o corpo negro é colocado numa posição de objetificação, posicionado abaixo dos brancos. O racismo tira o preto da posição de merecimento por conta da cor da pele. É necessário ter representatividade, mas ela não pode mascarar essa divisão social.

Confira o Registro Fotográfico do Evento realizado pelo aluno do curso de Jornalismo da FAESA Thyago Nascimento

Também uma mulher e profissional preta, Elis Carvalho é jornalista, pós-graduada em Influência Digital e enxerga o jornalismo como uma oportunidade de unir informação e entretenimento. Por 10 anos atuou, principalmente, na condição de repórter, produtora e roteirista de Jornalismo Comunitário. Atualmente, trabalha diretamente com Cultura, Turismo e Capixabismo ao produzir reportagens e apresentar o programa Em Movimento da TV Gazeta.

Ao assistir a televisão, Elis não se enxergava. Ela até cogitou mudar de ramo porque pensava que a televisão não era para ela. Esse é um dos motivos que hoje, atuando na área, procura todo tipo de gente preta para colocar na televisão. O preconceito, às vezes, vem mascarado nas afirmações que beleza é uma questão de gosto. Contudo Elis afirma que gosto é uma questão social e que já passou da hora das pessoas verem preto como beleza. Um dos trabalhos feito por ela, é a série Goiabeiras que buscar valorizar o conhecimento tradicional e as inovações no bairro por meio das personalidades das mulheres pretas que trabalham no local.

A nossa história não começou na escravidão, é ao contrário. A escravidão interrompeu a nossa história. Nós precisamos de oportunidades para chegar e permanecer

Elis Carvalho

Exemplos de racismo citado por ela é ser confundida com uma garçonete. Ela diz que não tem problema nenhum em ser a garçonete, desde que essa não seja a única opção, a única escolha. Ela desabafa que em muitos casos, antes de ser vista como mulher, ela é vista como a mulher negra, no sentido pejorativo. E como provar casos assim? Às vezes, é um olhar, uma pergunta desagradável, ou até a falta de consciência


Edição: Loren Peterli

Imagem do Destaque: Thyago Nascimento