MUDANÇAS SOCIAIS APOIADAS PELAS COOPERATIVAS: A REINTEGRAÇÃO DAS PRESIDIÁRIAS

Paulo Victor Barcellos  

As cooperativas são importantes na sociedade não somente para geração de empregos, movimento de economia, mas, também, para contribuição de mudança social. A prática de desenvolvimento dos projetos sociais faz parte da rotina e a corrente do bem cresce a cada investimento no ser humano.

Conforme o último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), calcula-se que Cachoeiro de Itapemirim possui 185.784 pessoas desde o último censo. Nem todas estão circulando livremente pela cidade. Estamos falando das mulheres que estão cumprindo pena na penitenciária feminina de Cachoeiro. 

Cerca de 250 mulheres estão na condição de dententa no sul do Estado. Algumas delas, quando estão no final da pena e se encontram no semiaberto, podem participar de alguns projetos sociais. Isso vai conforme o bom comportamento e histórico no presídio. Esses trabalhos podem ser realizados no próprio presídio, com diminuição da pena por dias trabalhados ou até mesmo na condição de trabalhar em outros locais e receber um salário. 

A Fazenda Santa Casa de Cachoeiro tem o papel de receber essas detentas. O local é palco de transformação social de diversas vidas. As detentas que se encaixam nos requisitos de estar no semiaberto, no final da pena e com bom histórico no presídio, passam por uma seleção e começam a trabalhar na Fazenda. Hoje, o local conta com 6 mulheres que se dividem em tomar conta das vacas, das galinhas, produção de queijo e plantação de diversos frutos. 

Alface, couve, repolho, pimentão, quiabo, jiló. Parece uma lista de feira, mas, na verdade são alguns dos produtos plantados, cultivados e colhidos pelas detentas. Todo esse alimento, quando colhido, é vendido em uma feira para os funcionários da Santa Casa por um preço menor do que no mercado comum. 

O local onde é a Fazenda Santa Casa foi doado pelo governo do estado do Espírito Santo com intuito de ser um ambiente a mais para manter toda a estrutura e ações pertencentes ao Hospital Santa Casa de Misericórdia de Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Estado. Endereçado na região de Monte Líbano, o  local é bastante benéfico tanto para as detentas que trabalham diariamente cuidando das plantações e do gado quanto para os pacientes e funcionários do hospital, que recebem parte da alimentação extraídas da própria fazenda e distribuída para o consumo e também para o asilo mantido pela Santa Casa. A iniciativa reduz gastos, tornando a receita anual ainda mais econômica. 

E a integração das detentas no espaço é regido por todo um processo de treinamento e adequação, direcionando de forma direta os trabalhos e adequando cada uma em todos os ambientes aproveitados para os serviços agrícolas e agropecuários.

A Fazenda Santa Casa é palco de um terreno fértil em esperança no futuro (foto: Paulo Victor Barcellos)

O responsável pelo projeto Cuidar de Vidas da Santa Casa, Sérgio Mariano, explica que esse trabalho é uma forma de gerar alimentos saudáveis para o hospital e, além disso, gerar emprego para as detentas. “Elas trabalham na fazenda de segunda a sábado e ganham um salário mínimo para trabalhar no Projeto. A cada 3 dias trabalhados é descontado 1 dia na pena. Elas passam o dia no local e voltam para dormir no presídio”, relata o Sérgio. 

Com seis funcionárias, o valor é repassado para elas e o total é dividido em quatro partes: um salário é fracionado para os custos quando a detenta estiver de “saidinha”; outro valor é destinado a uma pessoa da família indicada por ela; outro valor é guardado para quando ela tiver liberdade; e a quarta parte é um “imposto” que é pago por elas para que o estado invista em melhorias nos presídios. 

Somando os anos da existência do projeto Cuidar de Vidas, já foram beneficiadas mais de 30 mulheres. A forma que as detentas prestadoras de serviços atuam hoje não difere das mulheres que passaram pelo projeto. Todos os processos são os mesmos e, ao longo do tempo, foram se aperfeiçoando com novas técnicas. Essa nova maneira de trabalho influenciou até mesmo na vida depois da prisão. Tendo em vista a qualificação na área de atuação enquanto cumprem o regime prisional na unidade de Cachoeiro de Itapemirim, algumas detentas sonham em seguir o que fazem na Fazenda como profissão. A rotatividade de cada mulher dentro do projeto é determinante com a pena.

Os vídeos abaixo são os locais onde as mulheres que serão encaminhadas para Fazenda começam a treinar na horta que fica no presídio. Esses alimentos vão para a casa e os pratos dos trabalhadores da penitenciária. A corrente do bem ultrapassa as barreiras das celas

Sérgio não esconde o orgulho que sente com toda a trajetória do projeto que ele viu crescer e ganhar forma. Para ele, cada mudança no plantio, na estrutura e até mesmo na convivência das mulheres já é uma vitória. O resultado de boas colheitas é fruto de um trabalho dedicado e unido entre todas elas.

Já a diretora da Unidade Prisional Feminina de Cachoeiro de Itapemirim, Leida Maria, conta que a rotina de todas as mulheres começa às 5h30. Elas tomam café na unidade prisional e são liberadas para ir caminhando até a Fazenda da Santa Casa. Ela continua dizendo que há muitas mudanças quando uma pessoa que está presa começa a fazer parte desses trabalhos sociais. “Além de ajudar financeiramente a família em casa, a pessoa muda a postura de disciplina na unidade prisional. Elas passam o dia com o contato com a natureza e retornam desestressadas. O contato com animais e meio ambiente é benéfico para elas“, relata Leida Maria.

O olhar, o trabalho, o curso, a educação valoriza o ser humano. Elas tem um novo caminhar. Elas saem da unidade prisional, às vezes, com um emprego garantido. Elas se sentem importantes pelo fato de estar trabalhando. O trabalho dignifica

Leida Maria

Esperança

Andressa Damasceno faz parte do projeto Santa Casa há 2 anos. Ela está cumprindo pena há 9 anos e nos últimos 6 está em Cachoeiro. Ela explica que o projeto entrou na vida dela como uma benção e que após participar viu as coisas mudarem até mesmo dentro dela. 

No total são cinco saídas durante o ano no sistema prisional e ela está na 17ª. Dia 14 de dezembro terá a última do ano e a expectativa é que também seja a última dela. A liberdade está prevista para o dia 12 de março de 2024, mas, com o bom desempenho e a prestação de serviço, tudo deve acontecer em janeiro. Passar mais tempo com a família e continuar tocando a vida é a motivação de Andressa

Andressa e o filho. O sonho de ficar próxima da família está cada vez mais perto (Foto: Paulo Victor Barcellos)

Depois do falecimento da mãe, Andressa ficou com a casa. Saindo do presídio, ela planeja aproveitar o espaço para abrir um comércio. Vender verduras, legumes e queijos é uma ideia da Andressa por já trabalhar com isso na Fazenda. Tudo continua em análise e ela sonha com esse futuro próximo. Além disso, o grande sonho é cursar direito e históricos não faltam. Quando prestou o vestibular, por três anos teve nota para passar no curso. 

O Dinheiro é importante e posso comprar coisas para o meu filho. O fazer para nossa família é importante. Quando estamos na criminalidade não pensamos nisso. Quando vem do seu suor é mais gratificante. Quando estamos lá (presídio) nos sentimos o lixo da sociedade, mas, quando vem a oportunidade de mudar, já muda tudo. Você começa a querer fazer o melhor de si. Quem quer mudança de vida, coloca isso como aprendizado

Andressa Damasceno

O QUE DIZ A COOPERATIVA 

O diretor operacional da Sicoob Credirochas em Cachoeiro de Itapemirim, Eberton Decothe Thompson, explica que a cooperativa cumpre o papel social proposto pelas cooperativas. Isso parte do princípio da participação na comunidade onde o Sicoob está instalada. A preocupação é devolver para as pessoas, por meio das ações, aquilo que eles depositam de confiança e de financeiro.

A parceria com a Fazenda da Santa Casa começou quando o padre que coordenava o projeto procurou a cooperativa e apresentou a proposta. Atualmente, já foi renovado duas vezes o convênio para apoiar reintegração por meio do trabalho na Fazenda. No início a cooperativa tinha o investimento anual de R$ 60 mil. Esse valor era dividido mensalmente em um salário mínimo e conforme a quantidade de presidiárias que estavam trabalhando. Hoje, o valor subiu e R$ 96 mil e são destinados para o projeto.

Esse projeto é fantástico! Mostra a grande importância da transformação social, em especial, para as mulheres. Elas se dedicam, voltam a integrar a sociedade de outra forma e com mais oportunidades por estarem qualificadas para o trabalho

Eberton Decothe Thompson

Para Eberton, os investimentos em projetos sociais é o ponto forte da cooperativa. O Sicoob também se preocupa em desenvolver ações de responsabilidade social e ambiental que beneficiam a comunidade em geral onde está inserido. O hospital Cooperar é um exemplo. Ele foi iniciado pelo Sicoob Credisul por meio da parceria intercooperativa, pois a Unimed vai equipar e gerenciar o hospital, que, também, planeja destinar leitos para o SUS em uma futura parceria.

Um outro exemplo citado de responsabilidade social e ambiental é o projeto Expressão Mamaindê , que iniciou em 2018 com uma atividade de pintura na comunidade indígena Mamaindê, localizada na Terra Indígena Vale do Guaporé, no Mato Grosso. O projeto Plantar o Futuro ganhou vida com uma ideia muito simples e prática: trocar os arranjos florais da decoração das Pré-Assembleias por mudas de ipê. Ao final do evento, os cooperados levam a muda para plantar. Outra iniciativa do projeto foi a doação de 180 floreiras para serem instaladas em pontos das principais avenidas de Vilhena (RO). Esses são alguns dos diversos projetos que ajudam a melhorar a sociedade.


Ficha técnica

Título: Mudanças sociais apoiadas pelas cooperativas: a reintegração das presidiárias
Mês/ano: Outubro de 2023
Gênero: Reportagem Multimídia 
Formato: Texto
Roteiro/Produção/Imagens/Direção/Edição das Imagens: Paulo Victor Barcellos
Trilha sonora: In the sky – ClipChamp
Fontes que participam da Reportagem: Leida Maria, Sérgio Mariano, Andressa Damasceno e Eberton Decothe
Professor Orientador: Valmir Matiazzi
Instituição de Ensino: FAESA Centro Universitário


Edição: Paulo Victor Barcellos

Imagem do Destaque: Paulo Victor Barcellos