Inclusão social: as barreiras enfrentadas por pessoas com deficiência no mercado de trabalho

Pedro Ramos e Paulo Victor Barcellos

As barreiras enfrentadas por pessoas com deficiência (PCD) para ingressar no mercado de trabalho no Brasil são grandes. Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) , em um estudo realizado em 2019, apontam que a taxa de participação de PCD no mercado era 28,3%. Um número baixo, pois a Lei da Previdência Social nº 8213 de 1991 exige que empresas com 100 ou mais funcionários devam ter um número mínimo de 2% a 5% de trabalhadores com deficiência.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2019

Vale ressaltar que em 2019, o Brasil tinha 17, 2 milhões de pessoas com deficiência, o que representa 8,4% da população. No Espírito Santo, aproximadamente 133 mil pessoas possuem algum tipo de deficiência, dentre elas visual, motora, auditiva ou intelectual. A analista de recursos humanos Paula Renata Maciel, 31 anos, é uma dessas 133 mil pessoas com deficiência. Ela encara a realidade de ser PCD após ser assaltada há 6 anos.

Um tiro no rosto foi definitivo para que surgisse uma nova realidade na vida de Paula. A visão monocular, deficiência que ela passou a ter, não era reconhecida nacionalmente. Apenas em março de 2021 a lei foi sancionada no Brasil e classificada como deficiência sensorial, do tipo visual. Já no Espírito Santo a lei foi sancionada em dezembro de 2007.

Eu uso prótese hoje em dia. Coloquei em julho deste ano. Vou ser bem sincera, pois não coloquei a prótese porque eu quis. Eu coloquei para minimizar os olhares que eu tinha na rua

A Analista de RH da Unimed Paula Renata (Foto: Pedro Ramos)

A maneira que ela pensou em se sentir incluída na sociedade, com a nova realidade, era vencer degrau por degrau e um dos primeiros foi o mercado de trabalho. A analista trabalhava em uma empresa que não se adequava às condições dela  e, assim, começou a buscar novos horizontes. Entre idas e vindas de entrevistas de emprego, foi recrutada pela cooperativa Unimed Vitória depois de um convite da empresa. 

Eu não sabia que existia esse tipo de deficiência. Na época em que perdi a olho comecei a procurar mais informações sobre o assunto e entender sobre o novo eu

Paula Renata
Paula Renata Maciel: “Já recebi propostas de emprego em empresas que não estavam adaptadas para as minhas condições. Eu teria um trabalho e um salário, mas não me sentiria bem. Hoje, estou muito feliz” (Foto: Pedro Ramos)

A valorização no trabalho é o que emociona Paula. Para ela, a existência da representatividade, inclusão dentro da empresa, andar pelos corredores e reconhecer o próximo como um dos seus resulta em um espelho para motivação diária.  “Entrei aqui como assistente administrativo. Com 6 meses fui promovida para assistente de RH e, hoje, sou analista de recursos humanos. Aqui, eu percebo que meu trabalho é valorizado independente de ser deficiente ou não”, desabafa a analista.

Já a batalha do assistente de gestão da qualidade e processos Kim Viana, 29, foi um pouco diferente. Nascer prematuro, com os tímpanos perfurados e otite crônica, não fez com que ele não enxergasse um futuro promissor. Antes, por não ter conhecimento dos seus direitos, ele era encaixado em vagas de emprego como qualquer outra pessoa, mesmo com as limitações.

Hoje, estou na cooperativa Unimed, encaixado em uma vaga como PCD e vejo que isso é levado em conta. Me sinto valorizado como pessoa e vejo que a empresa está sempre buscando instrumentos para melhorar o nosso trabalho

Kim Viana

Observava conversas sobre a minha audição. As pessoas falando muito baixo para eu não escutar e muita “zoação” com as minhas condições. Sempre tentei relevar e “engolia calado” por conta do emprego

Kim Viana: “Que a gente ultrapasse as barreiras. Somos mais que isso e podemos ir mais além. Me dê os instrumentos que vamos desenvolver (Foto: Pedro Ramos)

Nem sempre a tranquilidade estava presente no cotidiano de Kim. Não ser inserido de maneira correta e com condições adequadas para o trabalho, fez com que ele fosse alvo de descriminação e preconceito nos antigos empregos. Atualmente, Kim trabalha na cooperativa Unimed Vitória.

Um dos principais instrumentos de trabalho dele é o telefone, com isso, o setor que ele trabalha se mobilizou junto com a empresa para buscar condições em que ele pudesse trabalhar da mesma maneira que todos. Assim surgiu um fone adaptado para atender as ligações. “As empresas precisam entender que ações como essa são importantes para a gente. Não é contratar por contratar. Precisamos de um ambiente digno para que a gente desenvolva nosso trabalho. Aqui, onde trabalho, sinto que consigo ser eu e desenvolver meus projetos da mesma maneira que todos”, justificou.

O fone adaptando para o desenvolvimento do trabalho faz com que Kim evolua nos projetos da mesma maneira que todos da equipe (Foto: Pedro Ramos)

A coordenadora do recurso humano da cooperativa Unimed Vitória, Adriana Verli, explica que atualmente na empresa existem 128 profissionais com deficiência. Esse número ultrapassa a porcentagem estimada como cota. “Aqui, na cooperativa, qualquer pessoa pode se candidatar a uma vaga de emprego. Quando se trata de uma vaga para PCD, nós procuramos divulgar mais para trazer mais esses profissionais para o mercado de trabalho”, afirma Adriana. 

Ela reforça que, apesar de existir a lei e obrigatoriedade social e legal de ter vagas preenchidas por pessoas com deficiência, o foco da empresa é que as pessoas se sintam acolhidas profissionalmente e que não estão no ambiente somente pela cota. Existe uma política de inclusão. Todos os funcionários participaram do processo seletivo normalmente e foram selecionados pela capacidade de exercer a função e não somente pela cota.  

Adriana Verli, Kim Viana e Paula Renata.  (Foto: Pedro Ramos)

Dentro da empresa existe o programa “Para Todos”. O intuito é dar visibilidade e trazer treinamento para pessoas com e sem deficiência. Durante a semana são feitos treinamentos relacionados à diversidade, como, por exemplo, aulas de libras. Para a Cooperativa, entender o papel social da inclusão em todos os sentidos da diversidade é benéfico para o desenvolvimento da empresa. “Tudo que é diverso faz com que a gente pense diferente”, finaliza a coordenadora. 

Ouça a fala de Kim e Paula

Esperança no Futuro

Cargos baixos ocupados por pessoas com deficiência é o que preocupa Kim e Paula. De acordo com eles, ainda existe o paradigma na sociedade de que deficiente não produz, mas, na verdade, não é falta de produção. Para os dois, as condições e oportunidades que são oferecidas não são as mesmas.

Onde podemos chegar? Será que esse é o nosso limite? Será que as pessoas com deficiência que não encontram oportunidades vão continuar com os subempregos por conta da cota? É preciso desenvolver um funcionário para que ele possa crescer, se espelhar e motivar a crescer. Se não tem identificação, não tem parâmetro para crescimento

Kim Viana e Paula Renata

Para um futuro melhor, Kim relata que é necessário mais investimento na saúde pública, mais visibilidade e conhecimento da pauta social. Cada vez mais é necessário abraçar a causa e que, de acordo com cada necessidade, o ser humano possa ter condições de igualdade. 

Edição: Sofia Galois

Imagem do Destaque: Pedro Ramos e Paulo Victor Barcellos