Corpos trans e travestis na saúde

José Modenesi

A coordenadora da Associação Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade (GOLD), Deborah Sabara (Foto: Arquivo Pessoal)

No acesso à saúde, a comunidade trans enfrenta situações de constrangimento e de violência. Por saberem o que podem vivenciar ao buscar o serviço de saúde, pessoas trans e travestis acabam evitando frequentar ambientes que promovem saúde física e mental, uma vez que, esses lugares, muitas vezes, se tornam hostis para a comunidade.

A coordenadora de ações e projetos da Associação Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade (GOLD) e mulher travesti, Deborah Sabara, relembra que o nome social começou a ser implementado no Brasil por meio do SUS, em 2009. Na época, o objetivo era mobilizar as travestis a cuidarem da saúde porque o que as incomodava era, justamente, não serem tratadas de forma digna.


Confira os outros textos que fazem parte reportagem “Vivência trans e travesti”. No primeiro texto da série especial, o leitor conheceu um pouco sobre os desafios e o acolhimento no ambiente escolarESTUDAR E SER TRANS: DO DESAFIO AO ACOLHIMENTO . Já o segundo texto, evidencia que o sistema educacional brasileiro precisa se preparar para receber as pessoas trans e travestis no ambiente escolar: MELHOR FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS E AMBIENTE ACOLHEDOR SÃO FUNDAMENTAIS PARA UMA BOA RECEPTIVIDADE DAS PESSOAS TRANS E TRAVESTIS NA ESCOLA


Formada em psicologia, atualmente ocupando o cargo de subgerente de saúde mental na prefeitura de Guarapari e mulher trans, Júlia Pires, explica que sem o acesso digno à saúde, as pessoas trans e travestis possivelmente vão evitar procurar esse serviço. Por esse fator, o acompanhamento amplo e o monitoramento, que deveriam ser feitos para melhorar a vida daquela pessoa, não acontecem.

A psicóloga e mulher trans Júlia Pires palestrando a convite do coletivo Empoderades (Foto: Arquivo Pessoal)

A atendente e mulher trans Alyssa Gabriela relata que não encontrou no âmbito da saúde o acolhimento e o apoio desejados para fazer o acompanhamento necessário. Devido à essa realidade, ela iniciou a hormonização aos 17 anos e por conta própria.

Alyssa destaca o fato de existir uma falta de preparo dos profissionais da saúde, que, muitas vezes, não estão prontos para atender as demandas que as pessoas trans e travestis apresentam. Ela explica que essa situação torna o processo desgastante e gera medo de sofrer com o despreparo dos profissionais.

Apesar do receio, Alyssa chegou a buscar atendimento nos postos de saúde com o objetivo de cuidar da saúde física, bem como da saúde mental. Em ambas as situações, ela se deparou com o que temia: a falta de preparo dos profissionais. Essa situação acabou a afastando dos ambientes em que ela buscava cuidar da própria saúde.

“Envelhecer com saúde é um direito de cidadania” é a frase estampada na parede da UBS Raul Oliveira Neves, em Jardim Camburi, em Vitória (Foto: José Modenesi)

Além disso, Alyssa relata que ao buscar ajuda profissional de psicólogos, enfrentou mais uma realidade indesejada. Ela conta que quando o atendimento aconteceu, após alguns meses esperando, a psicóloga não estava preparada para lidar com as demandas de uma pessoa trans. Alyssa diz, inclusive, que, durante as sessões, precisava se explicar a todo momento e corrigir falas equivocadas da psicóloga.

Para o coordenador de produção e homem trans João Pedro Juknevicius a realidade de atendimento nas unidades de saúde foi diferente. Aos 18 anos, quando buscou o serviço de saúde do SUS com o objetivo de iniciar a terapia hormonal, ele se deparou com um ambiente preparado para recebê-lo.

Apesar de ter encontrado algumas Unidades Básicas de Saúde (UBS) lotadas, João conta que, após a procura, conseguiu encontrar uma vaga na UBS de Santa Cecília, em Vitória, e o acesso à saúde foi feito de maneira digna, com acolhimento e com respeito.

João Pedro Juknevicius curtindo a praia um tempo depois da realização do procedimento de mamoplastia masculinizadora (Foto: Arquivo Pessoal)

Embora tenha encontrado atendimento digno na rede pública, ao procurar a rede particular para tratar de questões não diretamente relacionadas à transição de gênero, João passou por uma consulta invasiva por conta da falta de preparo do médico que o atendeu para lidar com as demandas de uma pessoa trans.

Para fazer o procedimento de mamoplastia masculinizadora – cirurgia comum entre homens trans – João chegou a colocar o nome na lista de espera para a cirurgia na rede pública. Todavia, com a espera mínima de 5 anos, recorreu à rede particular. Com a realização do procedimento, João conseguiu ter mais liberdade e, como resultado dessa liberdade, também conseguiu melhorar a própria qualidade de vida.

Ajudar a Compreender

“Entrega o seu corpo somente a quem possa carregar”. O trecho da música “Serei A” cantada por Linn da Quebrada e Liniker pode ajudar a compreender o afastamento da comunidade trans do âmbito da saúde por conta da falta de preparo dos profissionais da área. Confira abaixo o clipe da música

Edição: Karol Costa
Imagem do Destaque: Núcleo de Publicidade do Lacos/Gabriel Bom Pastor