Uma nova literatura cibernética

Ana Clara Gonçalves

Obras literárias são usadas nas escolas como tática de formação do cidadão e construção da cidadania, possibilitando relações interpessoais e intrapessoais. Definir a forma literária não é uma tarefa simples, mas pode-se resumir como aquela que está mais próxima da arte do que do utilitarismo cotidiano, atribuindo, assim, várias funções . O termo fanfic, derivação de fanfictions, começou a ser usado no início dos anos 2000, mas a prática pode ser vista em muitas literaturas consideradas canônicas.


Confira os textos que fazem parte reportagem “Fan FictionsNoprimeiro texto da série especial “Fan Fictions”, o leitor conheceu um pouco desse universo literárioDesbravando o Universo das Fanfics . No segundo texto, as Fanfics reforçam as identificações sociais e ajudam no processo de aceitação e de inclusão: Fanfics para Expressão e Representatividade . E no terceiro texto há uma reflexão sobre a inserção das fanfics nas metodologias de aprendizagem para despertar o gosto pela leitura: Uma Nova Leitura Cibernética .


A professora de língua portuguesa da rede estadual do Espírito Santo e doutoranda em literatura contemporânea Francielli Noya, 30 anos, gosta de considerar a literatura uma linguagem que cria novos mundos e novas realidades. De acordo com a professora, hoje, as fanfics possuem um vínculo forte com a cultura pop e com a indústria cultural, mas a ficção que dialoga com outros textos é evidente desde Dom Quixote. Exemplo disso, seria Jorge Luis Borges, um escritor argentino que fez um uso exagerado de citações, inclusive com Dom Quixote, nas obras originais.

As fanfics possuem um vínculo forte com a cultura pop e com a indústria cultural (Foto/Reprodução: Clara Beatriz Cavalcanti/Instagram)

A estudante de Ciências Sociais e autora de onze fanfics publicadas, sendo uma como livro na Amazon e oito em site Norte-Americano, Petra Silva, 23 anos, defende que todo autor é primeiro um leitor. Por isso, para ela, a criatividade para escrever apareceu enquanto lia as histórias de outros fãs. Com o exemplo do autor argentino, trazido pela professora Francielli, é possível discutir a marginalização da ciberliteratura.

Por se tratar de um grande leitor, as obras de Jorge Luis Borges são respeitadas pela academia, pois julgam ter uma relação madura com a literatura, enquanto a fanfic, que também é a expressão de um leitor como escritor, ainda é pouco reconhecida pela Academia de Língua Portuguesa porque na maioria dos casos é considerada ainda como texto infantil. Fato esse que é relatado pela estudante e leitora Clara Beatriz Cavalcanti, 18 anos, que conheceu o gênero em 2018 e que vê muito preconceito e desvalorização com as obras e com os autores do meio, inclusive desestimulando possíveis futuros autores.

Petra reforça a ideia de Clara afirmando que existe um preconceito de que fanfictions são mal escritas, pois a maioria do público que consome e cria são meninas jovens, entre 13 a 16 anos. A discussão vai além dos gêneros literários porque conteúdos, em geral consumidos majoritariamente por mulheres jovens, sempre foram tratados como algo marginalizado, sendo lidos socialmente como algo bobo por uma questão de machismo estrutural.

(Foto/Reprodução: Clara Beatriz Cavalcanti/Instagram)

A Base Nacional Comum Curricular defende o incentivo à leitura e à produção de texto para os alunos. Por trabalhar com adolescentes, a professora Francielli faz uso de textos diversos e diferentes, mas, por sempre trabalhar em escolas localizadas na periferia, vê que os adolescentes se sentem distantes dos livros na maioria das vezes porque os familiares não têm nenhum em casa. Com isso, a professora reflete que as fanfics podem ser aliadas, mas, depende do público, pois existe alunos de classe social “D e E” que não possuem acesso fácil à cultura pop e à cultura digital.

A estudante Clara Cavalcanti expõe que antes de conhecer as fanfics não gostava de ler e esse gênero foi fundamental para melhora do desempenho escolar, principalmente em questão de interpretação textual. Petra complementa que apesar de nunca ter pensado na possibilidade de introdução nas escolas, considera bom que as crianças pudessem ver que elas podem escrever sobre o que gostam e que existe um mundo e um público para isso. E esse tipo de estímulo é essencial para criar novos escritores.

Edição: Karol Costa

Imagem do Destaque: Núcleo de Publicidade do Lacos/Bruna Firmes