RETRATO DA EPIDEMIA DE AIDS NOS ANOS 80 NO BRASIL
Ana Carolina Effgem e Fernanda Sant’Anna
Esta é a primeira matéria da série de reportagem sobre um dos maiores choques da geração da década de 1980 no Brasil e no mundo que foi a manifestação da doença misteriosa conhecida atualmente como Aids. É uma patologia causada pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), que prejudica o organismo a combater infecções e pode ser transmitido pelo contato com sangue ou fluidos corporais infectados. De acordo com dados do Boletim Epidemiológico de 2020, 920 mil pessoas vivem com o HIV no Brasil.
Como na época em que a enfermidade surgiu não se sabia nem o que causava a doença e nem os meios de transmissão, as pessoas só descobriam que estavam vivendo com HIV quando a doença se manifestava, anos após a infecção, por se replicar lentamente no corpo humano, debilitando o sistema imunológico do paciente de forma permanente.
Sobre como o vírus se comporta no organismo e o possível desenvolvimento da doença, a enfermeira Maryanni Camargo afirma que o indivíduo que possui HIV não obrigatoriamente terá Aids. A profissional explica que o vírus vai se multiplicando e somente evolui para a doença quando as células de defesa do organismo, chamada CD4, que é o local que o HIV faz a replicação, começam a diminuir.
A enfermeira diz que quando a pessoa tem HIV, ela mantém essa contagem padrão, mas quando a pessoa evolui para Aids, que no caso já são as manifestações clínicas do vírus, ela evolui com a síndrome da imunodeficiência, ou seja, essas células CD4, diminuem abaixo de 200. “Então, é nesse momento que começa a ter essas manifestações clínicas, pois o sistema imunológico está comprometido”, esclarece Maryanni.
O médico aposentado Elmo de Tarso tinha 32 anos quando tomou conhecimento a respeito da doença no final de 1980. Ele explica que ser diagnosticado com Aids naquela época era praticamente uma sentença de morte, pois a comunidade médica ainda não tinha conhecimento sobre as causas ou os meios de transmissão.
Como não tinha tratamento adequado, uma vez infectado, a morte era inevitável
Elmo de Tarso
Os primeiros infectados foram homens homossexuais, o que fez com que a sociedade mundial acreditasse que esse era o grupo de risco para a doença. O pensamento fez com que as pessoas que não fizessem parte da comunidade LGBTQIA + não se preocupassem com o vírus, fazendo com que o processo de contaminação se acelerasse. É de conhecimento geral que a infecção por HIV é atribuída a determinadas práticas, como sexo sem camisinha, materiais coletivos sem esterilização e transfusão de sangue sem verificação, e não a grupos sociais.
O livro “Gostaria que você estivesse aqui” escrito pelo jornalista Fernando Scheller é ambientado no Rio de Janeiro da década de 80 e retrata o desenvolvimento da Aids, o medo e as perdas geradas pela nova doença. A leitora Shirlei Maria, que era adolescente quando a enfermidade surgiu no Brasil, explica que mesmo não conhecendo diretamente alguém vivendo com HIV na época, pôde observar que assim como Inácio, César e Selma, os protagonistas da história de Scheller, muitas famílias brasileiras precisaram lidar com o surgimento inesperado da doença em pessoas cada vez mais próximas.
O empresário e professor José Dimas Effgem, 56, conta que na época em que ouviu falar sobre a epidemia de Aids, em 1985, ele tinha 20 anos. José diz que ficou sabendo por meio das notícias, especificamente no Jornal Nacional, o noticiário que tinha mais costume de assistir na época. Ele conta que no local onde morava, as pessoas tinham medo, por exemplo, de doações e exames de sangue por conta da possível contaminação. “Foi um medo geral”, relembra José.
Grandes ídolos se foram por complicações da Aids
A música “Ideologia”, de Cazuza, apresenta o trecho “meus heróis morreram de overdose“. Muitos internautas, atualmente, fazem referência a ele e a muitos outros artistas da década de 1980 e 1990 que estão nas estatísticas de Aids, quando alteram o trecho da música para “meus heróis morreram de Aids”.
De acordo com dados do relatório do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS), cerca de 34,7 milhões de pessoas morreram de doenças relacionadas à Aids desde o começo da epidemia até o final de 2020. Entre os principais nomes estão Cazuza, Renato Russo, Freddie Mercury, Michael Foucault e Sandra Bréa.
O jornalista Acácio Rodrigues conta que o falecimento do cantor Renato Russo foi um evento marcante, mesmo tendo apenas seis anos de idade. Ele se recorda da tristeza dos fãs com a morte do ídolo e o fim da banda. “Lembro da cobertura da morte, velório e enterro”, declarou Acácio.
Edição: Fernanda Sant’Anna
Imagem de Destaque: Fernanda Sant’Anna