A história do Halloween e o sucesso no Brasil
Victor Sartório
Da mesma maneira que a Páscoa e o Natal, o Halloween, o Dia de Todos os Santos e o Dia de Finados são datas comemorativas definidas simbolicamente pela Igreja Católica na Idade Média de forma a tanto assimilar tradições pagãs de uma Europa culturalmente plural, quanto a endossar a doutrina cristã ao povo em processo de unificação. As três datas, que serão comemoradas nos próximos dias, 31 de outubro, 1º de novembro e 2º de novembro, possuem relação ancestral direta com a comemoração celta do Samhain, que significa, em galês (dialeto da região de Gales e uma das variantes do idioma celta), “fim do verão”. Aquele povo, que habitava, principalmente, as atuais regiões da Grã-Bretanha – mas também regiões da Ibérica, do leste europeu e da atual Alemanha –, celebrava um ritual de passagem: de uma estação do ano amena, produtiva e fértil, para o início da estação fria e improdutiva.
As festividades duravam dias, a partir do dia 31 de outubro, e a ideia de transição não parava no clima: acreditava-se que, junto a esse limiar de mudança de temperatura, também se colidiam forças sobrenaturais e materiais, seriam horas nas quais os mortos peregrinavam pelo plano terreno, quando os vivos, assim, junto ao período de colheita, auxiliavam na passagem dos entes com luzes e fogueiras.
Nos séculos seguintes, com a contínua cristianização da Europa, a comemoração católica do “Dia de Todos os Santos” (All Hallows’ Day), até então celebrada em maio, em comemoração a todos os santos, conhecidos ou não, foi transferida para o dia 1º de novembro, coincidindo com uma das principais celebrações pagãs – essa alteração foi realizada sob ordem do Papa Gregório III, em meados do século VIII. Assim, a véspera dos Dia de Todos os Santos, All Hallows’ Eve, se tornou o Halloween.
Países de origem hispânica não possuem o costume de comemorar o Halloween, mas, sim, o “Dia de Todos os Santos” e, no dia seguinte, o “Dia de Finados” ou “Dia dos Mortos”. No Dia de Finados, em semelhança ao antigo Samhain, os vivos também se incumbem a auxiliar os mortos, em estado de purgatório, a alcançarem o reino dos céus. A data também foi estrategicamente transferida durante a Baixa Idade Média.
Diga-se de passagem, o Natal também foi transferido para o dia 25 de dezembro, via decreto do Papa Júlio I, em 350 d.c, para coincidir com uma comemoração em veneração pagã a Saturno, o deus da agricultura. A Páscoa, também já citada, é uma ressignificação da Páscoa Judaica que celebra a libertação dos hebreus escravizados no Egito. Foi também instituída politicamente, no chamado Concilio de Niceia.
Comemorações, portanto, na maioria das vezes, são símbolos determinados, por inúmeras razões, para reforçar valores dominantes. Da mesma forma, o Halloween, que cada vez mais faz parte da cultura brasileira e de outros povos latinos, também vêm a reforçar valores dominantes de mercado. Pode-se argumentar, inclusive, que o próprio Halloween, nos Estados Unidos, onde ganhou a dimensão comercial e caricata, mais distante de valores religiosos, se transformou a partir das lógicas econômicas de mercado que avançaram a partir da industrialização e, assim, do consumismo.
Em resistência ao massacrante processo de globalização e, com ele, a apropriação cultural, a imposição de culturas uniformes e, consequentemente, a perda de valores tradicionais localizados, o Brasil, também via lei, assim como os católicos outrora, promulgaram aqui o “Dia do Saci-Pererê”, no dia 31 de outubro. Tentativa inútil, talvez, de resgatar um símbolo do folclore brasileiro, também apropriado da cultura de etnias indígenas tupiniquins, frente ao atraente valor comercial das comemorações norte-americanas.
As festividades americanas do Halloween no Brasil
Há algumas décadas se intensificou no Brasil os valores culturais norte-americanos, principalmente com a popularização da mídia da terra do Tio Sam, como os programas de televisão, a música e o cinema. O fato da superpotência econômica global ainda ter o idioma com o título de “língua internacional” para comércio, turismo e demais relações entre os países criou a crescente demanda do mercado mundial no aprendizado e, consequentemente, na compreensão da cultura de lá.
Os cursinhos de inglês, por exemplo, foram grandes disseminadores das festividades do Halloween. Hoje, numa busca por pertencimento e aceitação aos valores e padrões globalizados transmitidos pela cultura dominante, os brasileiros têm cada vez mais buscado exportar os frutos cujas raízes se encontram a milhares de quilômetros de distância: festas à fantasia, brincadeiras de “gostosuras ou travessuras” e até pegadinhas, costumes americanos celebrados há muito tempo, são, agora, elementos cada vez mais crescentes da própria cultura latina, cada vez mais assimilada.
Edição: Victor Sartório
Imagem Destaque: Bruna Firmes/Núcleo de Publicidade do Lacos