‘SETEMBRO AMARELO’ – O papel da mídia na saúde mental pública

Victor Sartório

Há décadas, na área da saúde mental, as pesquisas apontam sobre os possíveis gatilhos que uma notícia, insensível ao tema do suicídio, pode despertar naquelas pessoas que já se encontram em estado fragilizado. Uma dessas análises mais famosas data do ano de 1974. O sociólogo americano David Phillips cunhou o termo “Efeito Werther”, em referência à obra “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, do escritor alemão Johann W. Goethe, escrito dois séculos antes, em 1774.

(Imagem: Freepik)

Na obra, houve uma romantização do suicídio do protagonista, que tira a própria vida em decorrência de uma desilusão amorosa, provocando, naquele ano, uma grande onda de suicídios pela Europa. Os atos foram cometidos por jovens fragilizados que imitaram o personagem do romance na execução e até nos trajes, em referência clara à história.

Na pesquisa de Phillips, nos anos 70 e 80, o cientista e seus colegas também chegaram à conclusão, já no âmbito da imprensa, de que os casos de suicídio podem aumentar após uma má publicização desses eventos, quando ocorre o chamado “suicídio por contágio”.

Esse efeito é observável ao longo da história. Um exemplo famoso, do século passado, foi o suicídio da atriz Marylin Monroe, que causou um aumento de 12% desses casos nos Estados Unidos. Mais recentemente, a série produzida pela Netflix, “13 Reasons Why”, também abordou o tema. Após o lançamento da obra, na ocasião, houve um aumento nas buscas na internet sobre formas e estratégias de se matar.

13 Reasons Why (Imagem: Divulgação / Netflix)

A série conta a história de Hannah Backer, uma estudante de ensino médio que comete suicídio deixando para os colegas fitas de áudio gravadas sobre os eventos que a levaram à decisão. Segundo Dan Reidenberg, diretor executivo da instituição Suicidade Awareness Voices of Education (SAVE), o fato de a protagonista encontrar um meio para contar sua história após seu suicídio glamoriza seu ato e envia mensagens perigosas aos telespectadores.

O diretor comenta que a trama falha também em não demonstrar alternativas ao suicídio, nem ao menos trabalhar sobre o sofrimento psíquico da personagem:

Jovens não são muito bons em separar ficção de realidade. Isso fica ainda mais difícil quando se está batalhando com pensamentos

Dan Reidenberg.

A Organização Mundial de Saúde (OMS), reconhecendo o suicídio como problema de saúde pública, lançou, em 1999, o Programa de Prevenção ao Suicídio (Suicide Prevention Program – SUPRE). Como parte do chamado programa de prevenção, a OMS, já um ano depois, em 2000, divulgou especificamente um manual para os profissionais da mídia: diretrizes para a imprensa sobre a noticiação dos casos relacionados ao suicídio. Os eventos colhidos na literatura, como a de Goethe, bem como nos noticiários e outras mídias, foram também premissas e influência para a cartilha.

O Brasil, por sua vez, foi o primeiro país de toda a América Latina a aderir à iniciativa da OMS, quando organiza as Diretrizes Nacionais para Prevenção do Suicídio, implantadas em todas as unidades federativas, a partir da Portaria nº. 1.876 de 2006, do Ministério da Saúde. As diretrizes já estavam sendo planejadas no ano anterior a partir de uma previsão do Ministério da Saúde (Portaria nº. 2.542 de 2005) que instituiu o Grupo de Trabalho.

(Imagem: Freepik)

Nas diretrizes promulgadas no ano de 2006, o Ministério da Saúde considerou: “o papel importante dos meios de comunicação de massa por intermédio das diversas mídias no apoio à prevenção e no tratamento humanizado dos casos de tentativa”. Sendo assim, reafirmou o que já vinha sendo discutido há anos até então: sobre a responsabilidade das mídias e da imprensa no manejo ético e apropriado na divulgação dos casos de suicídio e relacionados.

O relato de suicídios de uma maneira apropriada, acurada e cuidadosa, por meios de comunicação esclarecidos, pode prevenir perdas trágicas de vidas

Organização Mundial de Saúde (OMS), “Prevenção do Suicídio: um manual para profissionais da mídia”.

COMO TRABALHAR O SUICÍDIO NA IMPRENSA

No manual para a imprensa, a OMS define, resumidamente, alguns pontos importantes sobre como noticiar o suicídio. Dentre eles, a organização sugere não oferecer explicações simplistas, não usar de sensacionalismo para relatar o caso, não informar detalhes sobre o método ou, ainda, não usar estereótipos religiosos ou culturais. A respeito do que fazer, a entidade enfatiza a importância de se trabalhar em conjunto com autoridades de saúde na apresentação dos fatos, de mostrar indicadores de risco e sinais de alerta sobre o comportamento suicida e, também, de fornecer informações sobre grupos de apoio e serviços onde se possa buscar ajuda.

O jornalista Carlos Guilherme Gomes Serrano, repórter de um jornal sul-capixaba, ressalta que todo jornal deve ter rigor às diretrizes sobre como se noticiar um caso de suicídio. Isso, segundo o profissional, se dá tanto pela ética jornalística, quanto pelo cuidado com a não exposição do caso: “por respeito às famílias que já estão passando por uma situação difícil”. Nesse caso, Serrano também adverte que a não exposição deve ser observada não só em razão à família da vítima, mas, também, àquelas pessoas em situação fragilizada que podem ser influenciadas pelo caso.

O repórter Carlos Guilherme Gomes Serrano (Foto: arquivo pessoal)

Segundo o repórter, a causa da morte como suicídio somente é revelada nas matérias em casos muito excepcionais, como de homicídios seguido de suicídio e o repórter deve ser o mais breve possível quanto as conjunturas do evento. Em outros momentos, por exemplo, quando alguma figura popular da região falece devido a essas circunstâncias não é citada a causa da morte.

Serrano também explica que, nas matérias que tratam de saúde mental, importantes para levantar a visibilidade à causa, é fundamental que se informe aos leitores a respeito de centros de apoio e de acolhimento para quem busca ajuda.

A coordenadora do curso de psicologia da Faesa, Caroline de Paula Correa Bezerra, ressalta que a ausência da divulgação ampla ou epidemiológica sobre o suicídio é uma medida de proteção. O que vem sendo divulgado, no entanto, são: “pesquisas que vão falar do aspecto preventivo, sobre desenvolver comportamentos a longo prazo para prevenção do adoecimento, do transtorno mental e, consequentemente, do risco para o suicídio”.

SERVIÇO

Confira a cartilha da OMS sobre a Prevenção do Suicídio: um Manual para Profissionais da Mídia

O Centro de Valorização da Vida (CVV)www.cvv.org.br . Em Vitória, o posto de atendimento, com funcionamento 24 horas, se localiza na Avenida Alberto Torres, nº. 153, no bairro Jucutuquara. Vale destacar que a linha telefônica 188 é sigilosa e tudo é feito no anonimato.

Em caso de emergência médica de natureza psiquiátrica, a referência no estado é o Hospital Estadual de Atençao Clínica (Heac) – Alameda Élcio Álvares, 339 – Tucum, Cariacica/ES, telefone (27) 3636-2837.

O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) também responde as emergências pelo número 192.

Edição: Victor Sartório

Imagem de destaque: Freepik