Novos hábitos para evitar a escassez da água e garantir a vida na Terra

Gabriel Barros

No cotidiano, certamente você já deve ter ouvido o termo “sustentabilidade”. Boa parte da população desconhece o significado dessa palavra e a aplicação na prática. É preciso salientar que, muito além do debate ambiental, a sustentabilidade envolve o bem-estar social, o econômico e o cultural das comunidades ao redor do planeta.

Baseada nessas características é que a Organização das Nações Unidas (ONU) estipulou metas a serem cumpridas, até 2030, pelos governantes dos países que compõem o Organização. Dentre os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), destaca-se um fundamental quando reflete-se sobre a vida de todas as espécies: a água. Animais, plantas, bactérias e qualquer outro ser vivo necessita desse recurso natural para sobreviver.

Apesar da hidrosfera compor boa parte do planeta Terra, a quantidade de água própria para consumo humano é baixa. A Agência Nacional de Água (ANA) estima que apenas 2,5% de toda água disponível no mundo é doce. Desse número, 69% estão congeladas nas geleiras e outros 30% estão localizadas em áreas subterrâneas. Ou seja, apenas 1% é de fácil acesso. 

De acordo com o relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) publicado em junho de 2019, apenas uma em cada três pessoas tem acesso à água potável no mundo. Assim, com os dados do relatório, o sexto objetivo de desenvolvimento sustentável define medidas para preservar esse recurso: melhorar a qualidade, aprimorar o saneamento básico e desenvolver ações que visam a reciclagem e a criação de tecnologias para reuso da água. 

Para o biólogo Walter Có, a mobilização para desenvolver técnicas de reciclagem dos recursos hídricos é fundamental para a preservação do bem natural. “Nós coletamos água de um rio, tratamos, decantamos a sujeira e adicionamos o cloro. Esse é um processo caro e demorado para ter água pura. Mas a gente usa essa água para dar descarga, lavar o quintal, lavar roupa. Podemos utilizar a água da chuva para desenvolver esse tipo de atividade”, argumenta. 

Algumas dessas ações já estão em fase de implementação. Em 2018, alunos da Escola Municipal Julite Miranda, em Nova Almeida, na Serra, desenvolveram um projeto para reaproveitar água pluvial, dos bebedouros e dos aparelhos de ar-condicionado do prédio escolar. O projeto “Meio Ambiente e ciência: Reduzir, reutilizar e reciclar – Os 3Rs no meu dia a dia” venceu em primeiro lugar na etapa regional e ficou em terceiro na etapa nacional do Prêmio de Meio Ambiente promovido pela ArcelorMittal. 

Capa do caderno do projeto “Meio Ambiente e ciência: Reduzir, reutilizar e reciclar – Os 3Rs no meu dia a dia” (Foto: Divulgação/AcelorMittal)

Dois anos depois, o professor Rafael Fafá, que acompanhou o desenvolvimento do projeto pelos alunos do ensino fundamental, ressalta a importância de promover mudanças sociais e a reflexão sobre as atitudes dos seres humanos no planeta.

Pequenas mudanças podem, de maneira conjunta, gerar grandes resultados, motivar outras pessoas e, aos poucos, mudar o pensamento sobre o bem comum

Rafael Fafá, professor

Além do projeto desenvolvido para reutilizar a água, os alunos também prepararam cartazes elaborados com colagens que foram expostos na Igreja Reis Magos, que fica na comunidade. A ideia, segundo Rafael, é transbordar essas reflexões e inspirar toda a comunidade a desenvolver ações simples no cotidiano. 

Hábitos simples

Para incentivar a população a adotar hábitos sustentáveis em relação ao consumo de água, em 2018, o governo do Espírito Santo aprovou a Lei 10.923 que, por meio da Política Estadual de Recursos Hídricos, pretende desenvolver práticas de conscientização com a comunidade. Para estruturar a legislação, o governo contou com o apoio técnico da ONG Gotais Brasil por meio do Fundo de Reserva Mundial para Água. 

Com a publicação da lei, o Espírito Santo tornou-se o primeiro Estado brasileiro a desenvolver uma legislação específica para a temática. No Brasil, já vigora, desde de 1997, a Lei 9.433 que incentiva o aproveitamento, a conservação e a reserva de águas pluviais, mas poucas ações são percebidas na prática. 

Empresas ao redor do mundo também estão se mobilizando para desenvolverem ações acerca do assunto. Sofisticados projetos para o aproveitamento da água da chuva, a dessalinização da água do mar e outras propostas estudadas visam contribuir nesse processo e possibilitar a reutilização ou ainda a expansão da quantidade de água potável.

Outras ações, mais simples, podem ser adotadas no cotidiano da população. Reutilizar água da lavagem das roupas para limpar o quintal de casa, por exemplo, é uma das possibilidades que já fazem parte da rotina de muitas pessoas. Gestos simples que trazem uma importante contribuição para a ecologia e para o bolso.

O ser humano, ao reutilizar a água, contribui para a sobrevivência do planeta (Foto: joakant/Pixabay)

A jovem Miriã Dias, 20 anos, aprendeu desde cedo que atitudes positivas podem ser adotadas por qualquer pessoa. Ela faz questão de aplicar na prática o que herdou da família.

Minha mãe sempre me ensinou a usar a água que lavou a roupa para limpar o quintal. Além de economizar água, também podemos economizar nos produtos de limpeza e deixar a casa perfumada

Miriã Dias

A auxiliar administrativa Áurea Depizzol, 70 anos, já adotou esse hábito há muito tempo e sabe dos benefícios que ele traz. Sempre que lava roupa, ela aproveita a água para lavar a calçada de casa. “Eu acho que a gente não tem que jogar a água fora. Temos que reaproveitar”, afirma. 

Desenvolvimento econômico 

Levantamento realizado pela organização World Wide Fund Brasil (WWF-Brasil), divulgado em 2019, aponta que 48% da população brasileira consome água sem a preocupação com os problemas ambientais e econômicos que o uso inconsciente do recurso natural pode trazer. O número pode ser ainda maior, considerando que, além do uso doméstico, os recursos hídricos também são utilizados nas indústrias, na produção agrícola e na pecuária.

O consumo dos brasileiros também é monitorado pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) do Ministério do Desenvolvimento Regional. O relatório mais recente aponta que a média de consumo diário no país é de 154 litros por pessoa. O número ultrapassa a recomendação da ONU que orienta o uso diário de até 110 litros por pessoa. 

Além dos problemas ambientais, o biólogo Walter Có salienta a relação do recurso hídrico com o desenvolvimento socioeconômico da população.

A água é um elemento chave para qualquer processo econômico. Qualquer atividade depende desse recurso, seja a agricultura, a pecuária, a indústria, o uso doméstico e o comercial. Quando há escassez de água, o desenvolvimento econômico é afetado

Walter Có, professor

A título de exemplo, Walter destaca o Nordeste brasileiro, região onde o acesso ao recurso é precário e quase inexistente. Segundo o biólogo, esse fator é a principal justificativa para ausência de grandes indústrias e a baixa produção agrícola na região. Em 2005, na tentativa de mudar essa realidade, o projeto de transposição do Rio São Francisco começou a ser implementado para levar água ao Nordeste Setentrional.

Parte da transposição do Rio São Franscisco no nordeste brasileiro (Foto: Divulgação/Ministério da Integração Nacional)

Projetos implementados em prédios comerciais e em residências também podem contribuir para gerar benefícios econômicos no fim do mês. Um projeto para reaproveitar água de aparelhos de ares-condicionados, por exemplo, pode ser desenvolvido por aproximadamente R$ 800,00, sendo custeado em até três meses pelo valor que seria gasto na fatura de água. 

O engenheiro civil Marcos Vinícius lembra ainda que é possível reutilizar a água mesmo sem investimentos. “Ao invés de descartar a água da máquina de lavar no esgoto, muitas pessoas acumulam em baldes e usam para lavar calçadas, varandas, recirculam a água e reutilizam em casa”, destaca.

Foto Destaque: ronymichaud/Pixabay

Edição: Vinícius Antunes