Quadrinhos: História, trabalho e preconceito

Rafhael Pardin e Pedro Pimenta Pimenta

O Teórico Scott Mccloud, autor dos livros “Desvendando os Quadrinhos”, “Desenhando Quadrinhos”, escritor e desenhista da HQ “O Escultor”, definiu arte como “qualquer atividade humana que não se origina de nenhum dos dois instintos básicos de nossa espécie: sobrevivência e reprodução”. Talvez o histórico de publicações entregue pelo autor poderia criar dúvidas sobre a qual das artes eles se referiu ao falar tal frase. Então, para os leitores que não fizeram a ligação, é sobre a nona arte, os quadrinhos de forma geral. Essa definição deve ajudar aos mais conservadores a entenderem que HQs são uma manifestação artística, algo que muitos não reconhecem.

Um exemplo do preconceito com os quadrinhos foi um caso no qual o humorista Bill Maher fez diversos insultos ao público fã de HQs nas redes sociais. Ele falou que a mídia dos quadrinhos deve ser destinada apenas ao público infantil e outras falácias do tipo. Esse incidente, apesar de ser um caso específico, exemplifica muito como grande parte das pessoas enxerga a nona arte: como algo infantil consumido, apenas, por crianças. Por um tempo, foi assim mesmo.

Durante a popularização da mídia, em meados dos anos 40, época em que foram criados personagens como Superman, Batman e Capitão América, a nona arte tinha um teor mais inocente e mais infantil. Os anos se passaram, roteiristas se modificaram e as histórias amadureceram. Até que houve a virada de página definitiva na história dos quadrinhos, em 1986. Chegaram às bancas e livrarias duas obras que mudaram o cenário e a concepção dos leitores sobre o que esperar de um gibi. “O Cavaleiro das Trevas” e “Watchmen” sacudiram o mercado e os leitores com seus comentários políticos, personagens complexos e violência, muita violência.

Essas duas obras abriram portas inimagináveis, não só para o mercado, mas, também, para os criadores. Eles viram que os quadrinhos eram uma mídia como outra qualquer e poderiam contar qualquer tipo de história, da mais inocente a mais pesada, complexa ou violenta. Para muitos, as HQs são arte infantilizada, mas nem todos que possuem tal opinião conhecem a fundo as produções. O roteirista e desenhista capixaba Jean Diaz criou a HQ “Steranko” e corrobora com o ponto de vista.

Não sabem que um quadrinho pode ter um roteiro muito mais complexo, muito mais interessante que qualquer outro que uma pessoa que fala essas coisas consome

Jean Diaz, roteirista e desenhista

Brasil

Em 1986, as amarras que associavam HQs a um produto infantil foram quebradas. Com a queda do código de censura dos quadrinhos, os escritores tiveram um pouco mais de liberdade para criarem as histórias de um jeito particular e autoral, sem tantas correntes moralistas impostas pelos órgãos regulamentadores da época. Enquanto os americanos comemoravam a liberdade criativa, na América do Sul, mais especificamente no Brasil, o público enxergava a nona arte ainda como algo não digno de respeito. Isso foi mudar muitos anos mais tarde, em meados de 2010, quando diversos quadrinistas nacionais foram contratados para trabalhar nas grandes editoras como Marvel e DC.

Isso fez com que os quadrinistas e quadrinhos fossem vistos como arte. Um quadrinista que sentiu essa diferença na pele foi Joe Bennett, desenhista indicado ao Eisner (O Oscar dos Quadrinhos) por sua obra “Immortal Hulk”.

Eu vi que com os anos as pessoas passaram a reconhecer mais meu trabalho. Nas mesas da Comic-Cons passaram a me cumprimentar e a ver mais o que eu estava fazendo. Eu passei a ser mais reconhecido tanto por mim quanto por meus desenhos

Joe Bennett, quadrinista

Outro que sentiu a mudança de cenário foi o desenhista do “Velho Logan”, Ibraim Roberson. Ele afirma receber tratamento bem mais variado nas últimas aparições em convenções. Muitos, inclusive, que nem o conhecem comentam a respeito das criações ao vê-las expostas. Todo o reconhecimento deixa, até os mais acostumados com o fervor dos fãs, lisonjeados.

Mercado Independente

Nem só de Marvel e DC vivem os desenhistas. Alguns tentam a sorte no mercado independente, expondo os trabalhos autorais e se arriscando mercado afora. O próprio Jean viu as dificuldades de lançar o projeto autoral e observa até hoje os artistas que se arriscam em nome dos trabalhos. Uma das maiores dificuldades é arrumar uma editora para lançar os primeiros trabalhos, ainda quando não tem muita experiência. Muitos produzem um roteiro, mas não acham um desenhista facilmente. Seja por falta de grana para pagá-los ou por exigências que atrelam a viabilização do projeto ao desenho prévio.

O Brasil se encontra, hoje, em um cenário desastroso de desincentivo à arte, porém, mesmo assim, existem algumas alternativas como leis que vigoram e ajudam os desenhistas e escritores a se lançarem em um mercado mais alternativo. Em 2013, foi aprovada legislação pouco conhecida do grande público, a PL 6.060/2009, de autoria deputado José Stédile (PSB/RS). Ela objetiva o auxílio na produção, na impressão e na distribuição de quadrinhos nacionais.

Mesmo com as leis de incentivo, o futuro da cultura no País é incerto. Mesmo assim, vale parafrasear uma frase dita pelo cineasta Glauber Rocha sobre o fazer artístico. Adaptando para o mundo das HQs: “Um lápis na mão e uma ideia na cabeça” é tudo que um autor precisa para produzir não só um produto, mas uma obra artística ou, em outras palavras, uma história em quadrinhos.

Foto de capa: Pedro Pimenta

Edição: Diogo Cavalcanti