Emponderamento feminino no rap

Ingrid Nerys

O rap chegou ao Brasil nos anos de 1980 com pouco espaço para as mulheres. Contudo, percebe-se uma mudança nos cenários nacional e capixaba. Mulheres ganham mais voz e respeito nas “batalhas” de rima. Isso se deve, em partes, ao Movimento Feminista Negro e também às redes sociais, que viralizam cada vez mais essas vozes.

Apesar do Movimento Feminista chegar ao Brasil no século XIX, as pautas das mulheres brancas eram bastante diferentes das mulheres pretas. Enquanto as primeiras lutavam pelo direito ao voto, as segundas lutavam para serem reconhecidas como pessoas. A Lei Áurea foi promulgada somente em 1888 e, mesmo assim, antigas escravas não receberam amparo social, muito menos financeiro, após a abolição da escravatura.

Filha de mãe indígena e pai negro, Lélia Gonzalez foi uma intelectual, política, professora e antropóloga brasileira (Foto: reprodução/internet)

Somente na década de 80 do século XX, após o II Encontro Feminista Latino-americano, o feminismo negro começou a ganhar força no Brasil. Nomes como Sueli Carneiro, Lélia Gonzalez, Núbia Moreira, Luiza Bairros, entre outras surgem para representar e dar voz a essas mulheres. Foi também nesta década que mulheres norte-americanas começaram a lançar álbuns de rap, como o trio Salt-n-Pepa, que lançou, em 1986, o álbum intitulado “Push It”.

O trio Salt-n-Pepa vendeu mais de 15 milhões de álbuns por todo o mundo e foi nomeado ao Grammy por diversas vezes (Foto: reprodução/internet)

No Brasil, em 1999, a rapper Nega Gizza, nome artístico de Gisele Gomes de Souza, foi a primeira locutora de rádio de rap, no programa Hip Hop Brasil, da Imprensa FM. Em 2001, Nega Gizza venceu o Prêmio Hutúz – principal premiação do Hip Hop brasileiro, que acabou em 2009 – na categoria “melhor demo de rap”. A partir desse momento, percebe-se que o número de mulheres dentro do rap aumenta, porém, mesmo assim, o machismo é bastante presente.

MC Capixaba

Formado em 2012, o grupo capixaba feminino Melanina MC’s, composto pelas MC’s Afari, Geeh, Lola e Mary Jane, ganha cada vez mais espaço no cenário nacional do rap, especialmente após lançarem, em 2017, o disco “Sistema Feminino”, que aborda temas como opressão de gênero.

O som das MCs do grupo Melanina MCs é um grito pela libertação da mulher negra periférica (Foto: reprodução/Divulgação)

Afari, MC do grupo Melanina MC’s, conta que decidiu cantar rap em 2014 e, desde esse momento, tem percebido o aumento de mulheres nos eventos. “Quando comecei a participar dos eventos de rap dava para contar nos dedos quantas meninas tinham ativas no movimento. Ao longo dos anos, percebi que o emponderamento feminino já fazia efeito dentro do Hip Hop, pois muitas mulheres se inseriram na cultura e ocuparam espaço”, disse Afari.

A MC relata que o machismo ainda está presente no universo do rap, mesmo que de forma sutil, mas isso não a silencia (Foto: arquivo pessoal)

Nos eventos de rap, o machismo é reproduzido de forma mais camuflada. Por isso, buscamos levar a mensagem de resistência e reciprocidade entre as mulheres para que elas se emponderem por meio dos nossos sons e se sintam representadas por nossas palavras

Afari, MC do grupo Melanina MC’s

Mudança na autoestima

E a mensagem está sendo passada conforme o desejo de Afari. Muitas mulheres se sentem representadas e acolhidas, como é o caso da jornalista Hadassa Nunes, capixaba, que atualmente mora em São Paulo. Ela expôs que sua autoestima mudou após frequentar eventos de rap. “Nesse espaço pude encontrar pessoas com o mesmo estilo de vida e que escutavam as mesmas músicas que eu. Essa sensação é ótima. Você se sente parte deste universo e, consequentemente, acolhida”, revela a capixaba.

A jornalista Hadassa sempre escutou rap e outros ritmos de música preta (Foto: arquivo pessoal)

Questionada sobre quando começou a se interessar pelo estilo, Hadassa relembra de eventos que ocorriam em um bar de Vila Velha. “Acredito que o interesse pelas batalhas e outros eventos tenha surgido aos 20 anos. Minhas melhores memórias são da época do Rapdemia que rolava no Correria Music Bar, em Itaparica”, declara Hadassa

Confira o clipe Castelo de Madeira do grupo Melanina MCs (Fonte: reprodução/Youtube)

Foto de Destaque: Arquivo Pessoal

Edição: Diogo Cavalcanti