“Tomamo o trap de refém”

Pollyana Cuel

“Morta, deixo essa mina morta. Dobra, com o porta mala cheio de droga. Dólar, empacota, joga”. Essa frase faz parte da música H-O-R-T-A e é cantada por Matuê, um dos cantores de trap mais conhecidos do momento e autor da frase “Tomamo o trap de réfem”. A frase inicial demonstra, em partes, algumas das características mais usadas na nova vertente do rap, o trap. Apesar de fazerem parte do movimento Hip Hop, os dois ritmos são muito diferentes.

O rap surgiu com a chamada velha escola. O ritmo vem como forma de protesto, fazendo críticas sociais e valorizando mais a voz do que a batida. Com o passar dos anos, já na nova escola, o rap surge em uma pegada mais poética, trazendo nas letras assuntos sobre vida, amor e a rima pela rima. Nesse estilo, a batida se torna mais melódica.

Ainda na nova escola, surge o trap, vertente iniciada nos anos 90, nos Estados Unidos. Caracteriza-se pelo estilo gângster, roupas largas, colares do tipo correntes grandes e fala de assuntos como maconha, charuto, violência e ostentação. Já no trap atual brasileiro, são os chamados new gangster. Eles usam calças apertadas, cinto, colares de ouro, tratam de assuntos como lean- um tipo de droga – maconha, tráfico, mulheres, violência e luxúria. É o que conta um dos MCs mais respeitados da cena do Espírito Santo, André Luiz Angelo Martins, 41 anos, chamado de Adikto.

DreMc (à esquerda) tem o estilo mais voltado para o mundo do rap tradicional (Foto: arquivo pessoal)

Não somente na roupagem e nos assuntos tratados, o trap também se diferencia do rap quando o assunto é a musicalidade e isso modifica o público alvo. André Vieira, 20 anos, chamado de DreMc, tem o estilo mais voltado para o mundo do rap tradicional. O rapper conta que hoje há “batalhas” no bairro de Castelo Branco, em Cariacica, com o objetivo de levar poesia e cultura para a comunidade. Para ele, ser cantor de rap vai além de fazer música. “O rap vive nas ruas. O rap é a voz do gueto e o grito dos oprimidos”, explica DreMc.

O rap ainda está muito forte no cenário capixaba, mas quem está roubando a cena é o trap. Os maiores consumidores de trap são os adolescentes e jovens de 15 a 20 anos. O produtor de áudio da Top Floor Records, Gabriel Giurizatto, 22 anos, abriu a empresa há pouco tempo, mas já possui sete clientes capixabas. Giurizatto revela que o trap está sendo o ritmo mais vendido do momento por ser uma vertente mais “dançante”.

Lucas Coutinho, 18 anos, de nome artístico Coutin, gosta muito do rap por representar o movimento negro, porém possui maior identificação com o trap. “O trap faz o abuso do grave e agudos tanto na batida como na voz do artista. A ideia é se comunicar mais por meio do som”, revela Coutin o motivo de se interessar pelo ritmo. Para ele, não existe separação dos estilos. Ambos são rappers, pois os artistas fazem os dois ao mesmo tempo.

“Não tem fama, só suor”

O rap nunca foi tão consumido. Considerado a “competição nacional” do ritmo, o Duelo de MC acontece há 11 anos no Viaduto Santa Tereza, em Belo Horizonte/MG. Em 2017, Noventa, Cesar Mc e Dudu foram três dos capixabas que marcaram presença no evento, apenas com a vontade de fazer rima e, quem sabe, ganhar.

Noventa, Cesar Mc e Dudu no clipe da música Primeira Vista (Foto: reprodução)

Nesse Duelo, Cesar Mc conseguiu chegar à final e vencer do mineiro Drizy, trazendo para o Espírito Santo reconhecimento com o título de Campeão Nacional do rap. No show da Vitória, Cesar cantou: “Não tem fama, nem hypesó tem suor”, marcando sua passagem. Paulo Alvarez, produtor executivo do maior canal de produção de rap do Brasil, a Pineapple StromTV, convidou Cesar, Noventa e Dudu para participarem do projeto “Perfil” do canal. Desde então, os três rappers capixabas ganham, cada vez mais, visibilidade nacional.

Antes da fama, os três MCs iniciaram as carreiras por meio do projeto Boca a Boca, criado pelo administrador do grupo Afro Odomodê, Jackson Ferreira, 31, conhecido como Jack ‘Da Rua’. Foi nesse projeto, que existe até hoje, que Cesar, Dudu e Noventa aprimoraram com Jackson as rimas e poesias. O Odomodê acolheu os rappers, incluindo na vida deles conhecimento por meio das rodas de conversas, palestras e oficinas.

A Pineapple StromTV é o maior canal de produção de rap do Brasil (Foto: reprodução)

João Paulo Wanzeler, 21, conhecido na música como Noventa, começou a carreira com 14 anos. Segundo o rapper, quando viu um grupo de pessoas reunidas rimando no projeto Boca a Boca, ele se sentiu atraído pela energia e, desde então, isso virou profissão. Hoje, Noventa possui o próprio estúdio para produzir músicas, mas sempre faz parcerias com outras produtoras. “Eu estou subindo degraus e ainda está muito longe do fim. Mas sou muito grato por toda caminhada que tive e por tudo que aprendi”, conta o MC, que se sente realizado com o trabalho.

Chamado nas batalhas de Cesar Mc, Cesar Resende Lemos, 22, compõe desde os 10 anos de idade e participa do Boca a Boca desde 2014. Ele conta que quando percebeu que queria seguir carreira em um ambiente visto como alternativo pela sociedade, os pais demonstraram resistência e não acreditavam que ser cantor de rap fosse lhe dar futuro. Quando ganhou o nacional, Cesar pôde, finalmente, não apenas mostrar, mas trazer a recompensa do esforço de volta para casa.

Cesar Mc em cena do clipe Minha Última Cena (Foto: reprodução)

Hoje, Cesar produz músicas para a Pineapple StormTV e realiza parcerias com grandes nomes do cenário nacional. Ele é considerado o rapper de maior destaque capixaba, fazendo com que os brasileiros olhem para o Espírito Santo e vejam os talentos que o Estado possui. “Conseguir trazer a voz do Estado e quebrar um pouco essa barreira. Isso faz com que eu sinta que estou realizando não somente um sonho meu, mas um sonho coletivo”, frisa o campeão do Duelo Nacional de 2017.

Edição: Diogo Cavalcanti

Foto de Destaque: Arquivo Pessoal