Algoritmos digitais e o consumo excessivo

Ingrid Almeida Nerys

Não se pode negar que a tecnologia é importante para a sociedade. A partir dela, vacinas foram criadas, distâncias se encurtaram para os casais apaixonados por meio da internet e o telefone se tornou acessível para famílias humildes que desejam conversar com parentes distantes. Contudo nem tudo é um mar de rosas. Como George Orwell previu em 1949, com o livro intitulado “1984”, as pessoas passaram a ser vigiadas constantemente, seja na rua da própria casa até em redes sociais.

No livro, a figura tirânica do “Grande Irmão”, líder do Partido Interno, controla a liberdade de expressão, condena o individualismo e utiliza o culto à personalidade em busca de admiração por parte do povo ocasionado pelo medo.

Traçando um paralelo, o “Grande Irmão” atualmente são as empresas de tecnologia, que vigiam cada passo dado por usuários das redes sociais. O grupo Gartner, empresa de consultoria fundada em 1979, há alguns anos já fala em “algoritmos econômicos” e até oferece serviços relacionados a essa área.

Livro 1984 de George Orwell, lançado em junho de 1949 (Foto: Divulgação)

Mas, afinal, o que são algoritmos? De forma bem simples, um algoritmo consiste em uma série de instruções para realizar um afazer. Ou seja, são etapas que precisam ser efetuadas para que o programa execute as tarefas que lhe são designadas e quem administra essas funções são empresas de tecnologia.

Engana-se quem pensa que os algoritmos são novidades no mercado, pois eles existem desde os primórdios da computação, mas somente agora, a partir de uma polêmica envolvendo o Facebook, o assunto passou a ser debatido.

Empresa fundado em 2009 por Mark Zuckerberg, Dustin Moskovitz, Chris Hughes e Eduardo Saverin (Foto: Facebook)

O Facebook, uma das redes sociais mais populares mundialmente, foi acusado de vazamento de dados de usuários para a Cambridge Analytica, empresa de tecnologia criada em 2013 e extinta em 2018 após decretar falência. Por meio de testes, comentários, curtidas e publicações, o Facebook obtinha acesso aos dados de usuários e, assim, repassava para a empresa. O problema é que esses dados foram usados para influenciar o resultado da eleição de Donald Trump, atual presidente dos Estados Unidos, em 2016.

O analista em Sistema de Informação Paulo Victor Leite relatou que qualquer conhecedor de tecnologia consegue criar aplicativos para espiar os consumidores.

Não é difícil criar aplicativos que vigiem os consumidores e roubam dados. Quando a pessoa desenvolve aplicativos, ela tem uma mecânica que vai coletando dados e informações

Paulo Victor Leite
O analista Paulo Victor Leite diz que não é difícil criar aplicativos que vigiam os consumidores (Foto: Ingrid Almeida Nerys )

Paulo cita o Google como exemplo de equipamento de coleta de dados. O analista explica que o Google já tem o histórico de acesso do usuário para catalogar interesses, a região onde mora, o histórico computador.

Os aplicativos vão além da base de dados internos e acessam as bases de dados globais

Paulo Victor Leite

Contudo, Paulo alerta que há regras rígidas para o profissional que espiona os usuários. Ele ainda afirma que trabalham muito com a ética, pois sabem que muitos dados são sigilosos e diz que profissionais que vazam informações estão sujeitos a sanções severas.

Publicidade e algoritmos

É muito difícil acessar as redes sociais e não ser bombardeado por publicidades. Muitas empresas e influenciadores digitais usam o dispositivo “impulsionar publicação” para obter o maior número de visualizações. Muitas vezes, o consumidor não compra o que ele realmente precisa, mas porque o anúncio apresentou o produto no momento certo.

A partir de uma compra feita on-line, os algoritmos reconhecem a função, entendem os hábitos de compras e começam a recomendar produtos de interesse. Os algoritmos são ferramentas tão inteligentes que possuem capacidade de saber que o número de vendas pode ser reduzido se ofertar somente o que interessa ao consumidor. Então, ele se adianta e indica novas explorações, ampliando o conjunto de ofertas e insistindo na compra.

Empresas, como o Amazon, utilizam muito os algoritmos para fins publicitários e comerciais e, consequentemente, há um aumento expressivo na quantidade de compras realizadas por meio desses sites, transformando esses espaços em um crescente instrumento para o mercado publicitário.

Amazon se destaca no mercado de anúncios on-line de US$ 88 bilhões (Foto: The New York Times)

O publicitário e professor acadêmico Felipe Tessarolo informa que na faculdade de Publicidade e Propaganda há matérias voltadas para algoritmos digitais.

Na universidade, os estudantes aprendem técnicas e métodos de como utilizar o espaço virtual para divulgar um produto, uma ideia e até a fazer marketing político

Felipe Tessarolo

O professor conta, ainda, que a exposição exagerada de publicidade não ocorre somente na internet. Ele diz que na sociedade capitalista, o consumo é a principal válvula de desenvolvimento econômico.

A publicidade é um meio do capitalismo e acaba atuando para que os produtos cheguem o consumidor final, seja na Internet ou em espaço físico, como em outdoor.

Felipe Tessarolo

Consumidor final

A base de toda essa organização é o consumidor, que é alvo das publicidades e dos vazamentos de dados. O problema é que a maioria não sabe que está vulnerável nas redes sociais. Entretanto, os usuários têm percebido cada vez mais o direcionamento de publicidades condizentes com os interesses pessoais.

A estudante Nina Wyatt é uma consumidora assídua de produtos vendidos pela internet e tem percebido cada vez mais a influência que esses algoritmos estão causando na vida real.

A estudante Nina Wyatt afirma que a publicidade sempre a oferece algo que a agrade (Foto: Ingrid Almeida Nerys)

As publicidades são sempre algo que eu quero. Elas aparecem a todo instante nas minhas redes sociais e, muitas vezes, já comprei algo que eu não precisava porque apareceu para mim e eu agi por impulso

Nina Wyatt

O fato é que o “Grande Irmão” está de olho em cada passo dado pelos usuários das redes. Não tem nenhum interesse em parar e nem faz questão em esconder essa perseguição e o bombardeamento diário de publicidades. A questão é: até quando?

Foto do Destaque: Reprodução

EDIÇÃO: Mateus Souza