Uso abusivo de medicamentos é ‘válvula de escape’ para a sociedade
Isabella Arruda e Eduarda Galon
A crescente procura por tratamentos medicamentosos, aliada à expectativa de soluções rápidas levanta questões sobre uma possível espécie de entorpecimento coletivo. Neste cenário, medicamentos adquiridos livremente, remédios de tarja preta, álcool e drogas considerada ilícitas passam a integrar um mesmo grupo: o de produtos responsáveis por eliminar dores ou qualquer ordem de sofrimento físico ou mesmo de origem psicológica.
No caso das drogas lícitas, há quem entenda que a própria indústria farmacêutica seja uma das responsáveis pelo aumento da venda de remédios para fins meramente comerciais. De acordo com a doutora em Farmacologia Robéria Arruda, os critérios para alguns diagnósticos são frouxos, o que permite enquadrar o maior número de pessoas em um mesmo quadro patológico.
Uma legião de pessoas usa remédios sem necessidade e isso viria também da influência da indústria, que, por vezes, vende doenças
Robéria Arruda
Robéria relata ainda que a indústria influencia tão fortemente o consumo de medicamentos que se torna presente em tudo, seja pela propaganda médica direta e indireta ou por patrocínio de eventos, por exemplo. A existência da propaganda de remédios, segundo ela, interfere na prescrição, levando muitas vezes à utilização de medicamentos mais caros pela população.
Fatores
A psicóloga Livia Maulaz relata que a sociedade está cada vez mais adoecida e diversas variáveis colaboram para isso. Dentre elas, o excesso de trabalho, a falta de tempo e o excesso de estímulos, por exemplo, advindos da tecnologia. Com a soma dos fatores, há o aumento do consumo de drogas e até mesmo da automedicação.
Lívia afirma que basta a pessoa ter um sentimento de tristeza para que chegue à conclusão, por vezes errônea, de que se trata de uma doença como a depressão. Logo, segundo a psicologa, existe a busca por algum medicamento psicotrópico.
Há todo o contexto que colabora para o adoecimento, inclusive há uma procura cada vez maior pela terapia
Livia Maulaz
Apesar dos medicamentos e drogas ilícitas serem exemplos clássicos para o fenômeno social de entorpecimento, existem diversas válvulas de escape que, por vezes, não são percebidas além da superficialidade. Para a estudante de jornalismo Nina Wyatt, qualquer uma das válvulas de escape, sejam elas representadas por uma religião, remédios ou formas de lazer, por exemplo, podem não ser realmente eficazes, mas, ao contrário, podem colaborar para que um indivíduo entre em um círculo vicioso e perigoso. O melhor caminho, segundo a estudante, a depender do caso, ainda seria tentar enfrentar as situações do dia a dia com persistência e paciência.
Não acredito que o entorpecimento seja recente, mas os métodos de entorpecimento mudam com o tempo. Sempre tentamos fugir dos problemas, mas, muitas vezes, essa válvula de escape acaba virando algo ainda maior. Hoje, além de drogas, temos também, por exemplo, a internet e as redes sociais que entorpecem e anestesiam a realidade
Nina Wyatt
Dependência de remédios
Em meio ao nervosismo do dia a dia, as pessoas esquecem que há outras maneiras de curar uma dor de cabeça ou uma sensação de mal-estar e acabam por recorrer ao que sempre está em alguma gaveta da casa: o remédio. Tornou-se comum o brasileiro andar pelas ruas e encontrar farmácias a cada esquina.
O médico Edson Vinicius Pereira conta que um dos motivos que faz as pessoas ficarem reféns dos remédios é o alto índice de farmácias que existem e a fácil acessibilidade a elas. “Muitos profissionais não são corretos e indicam remédios sem prescrição médica. A automedicação começa a partir do momento que a pessoa procura uma drogaria para comprar remédio e percebe que ele não resolveu o problema
O médico comenta ainda que o consumo de medicamentos nos dias de hoje virou um vício e é raro encontrar alguma pessoa sem remédios dentro de casa. No entanto, é válido afirmar que a primeira atitude de um indivíduo ao sentir indisposição é ficar de repouso, ingerir bastante líquido, comer apenas alimentos leves e procurar um médico o mais rápido possível.
Embora muitas pessoas ainda acreditem que o remédio seja a solução, há quem confie apenas em chás, sucos naturais e uma boa alimentação. É o caso da universitária Carolina Guidoni Coutinho, 20 anos, que desde muito nova, foi educada pelos pais a tomar medicamentos apenas em última opção e com acompanhamento médico.
Ainda assim, há quem pense contrariamente e acredite que o remédio possa ser a solução para muitos incômodos. Uma universitária do curso de Jornalismo, que pediu para não ser identificada, relata que consome remédios desde os 5 anos e não imagina levar uma vida sem o uso deles, mas está procurando ajuda psicológica para sobreviver longe dos medicamentos. A jovem acredita que a prática de atividades físicas ajuda a manter o equilíbrio do corpo.
Desejo parar de depender dos remédios por saber que são produtos químicos prejudiciais ao meu corpo e que no futuro sei que poderão me fazer muito mal
Aluna do Curso de Jornalismo
Edição: Diogo Cavalcanti