O amigo fiel morreu… e agora?

Matheus Metzker

Muitos gostam de ter um animal de estimação para cuidar, dar e receber carinho ou mesmo para ser uma nobre companhia, mas poucos se preparam para o momento mais dolorido: a morte do amigo. Momento esse que, às vezes, vem sem nenhum tipo de aviso e deixa marcas na vida dos donos.

Todo esse processo de difícil aceitação é pelo vínculo criado com o bichinho. É o que explica a psicóloga Fernanda de Freitas, 34 anos. “Qualquer ser vivo pode ser alvo de uma relação afetiva. E temos muito a necessidade de vínculo. Ele é necessário para a nossa saúde mental, física e social”, conta a psicóloga.

O empresário Roberley Polycarpo, 55, sabe bem como é perder um animal. As labradoras Lola e Lila; a akita Yuki; a vira-lata Alcione; e a pug Jovelina são os cães que deixaram boas lembranças e o sentimento de eterna saudade na família Polycarpo.

Todos cachorros que passam na minha vida são únicos. Não existe a possibilidade de você perder um animal e comprar outro igual a aquele. Isso não é brinquedo. É um ser que vem para nos causar alegria e amor. São como anjos. Por isso, para superar, colocamos como pensamento que todos vão continuar morando conosco de alguma forma

Roberley Polycarpo
Os cães deixaram boas lembranças e o sentimento de eterna saudade na família de Roberley Polycarpo (Foto: Matheus Metzker)

Roberley, mesmo com as variadas perdas, sempre quis continuar tendo a presença de animais dentro de casa. Hoje, duas pugs, um labrador e uma vira-lata trazem a alegria. Uma forma de alimentar a paixão e amor que tem desde da infância pelos bichinhos. “Eu pretendo sempre ter cachorros. Eles representam a fidelidade e o companheirismo. Uma alegria incomparável e um amor incondicional. Se você sair da casa cem vezes e voltar, eles farão festa por te reencontrar. Mesmo que você chame a atenção deles por qualquer motivo, eles voltam para brincar e brindar a vida”, conclui Polycarpo.

Não importa nem se o tempo com o animal foi pouco. A auxiliar de crediário Priscila Soares, 34, adotou a labradora Pantera ano passado quando ela já tinha nove meses. Só que não contava com uma coisa: a cadelinha não tinha nenhuma dose de vacinação e já tinha adquirido a doença do carrapato. Apenas dois meses mais tarde veio a morte do bichinho. “Ainda não superei. Pantera representava para mim a alegria diária. Foram os melhores meses da minha vida”, garante a auxiliar de crediário.

Uma dor repentina

Garfield, gato persa muito semelhante aquele dos quadrinhos, morreu e deixou nostalgia para a cirurgiã dentista Neila Campos, 28. O animal participou de cada momento da vida dela e do marido, inclusive do vídeo do casamento. Toda despedida ocorreu após perceberem que ele estava emagrecendo sem motivos aparentes, até constatar que o mesmo já havia adquirido uma anemia avançada atacando até os rins.

Superar a gente nunca supera. Todo dia lembro dele com muita saudade. É algo que não sai da memória. Para quem não tem animalzinho e acredita que é futilidade, pode ter certeza que não é. Faz parte mesmo da vida da gente

Neila Campos
A cirurgiã dentista Neila Campos nunca conseguiu esquecer o gato Garfield (Foto: Matheus Metzker)

Outro exemplo de sofrimento pela perda repentina é a da Cristina Fagundes, 55. O pastor alemão Bruce, a gata angorá Bella e a pequinês Punk foram as mais recentes feridas emocionais em se tratando de animal na vida da dona de casa. Mesmo assim, ela acredita que a força que tais seres fornecem é fundamental. Atualmente, no lar, conta com a pooddle Meg, a shitzu Pérola e a também poodle Pink.

“Meus cachorros sempre me entenderam e sabem quando estou triste ou alegre. Prova disso é quando fiquei 24 dias com meu marido que está com câncer no hospital meridional meses atrás. Eles só bebiam água, mas não comiam e nem brincavam. O dia que chegamos em casa, pulavam de tanta alegria”, relembra Cristina Fagundes.

Já com a fotógrafa Gelma de Oliveira, 41, o fato que aconteceu há trinta anos é muito vivo na memória. Imagens lhe faltam para materializar a pequinês Suzy, companheira fiel da infância. Mas, Gelma, pela perda, decidiu até que nunca mais se apegaria a um novo bicho de estimação pela vontade de não passar por tudo novamente.

Me lembro direitinho do dia que Suzy morreu. Parece que foi ontem. E de como foi difícil enterrá-la. Ela veio ao mundo somente para me fazer feliz. Eu era uma criança muito sozinha, sem irmãos e com pais que viviam um luto constante pela morte do filho. Por isso, ela preenchia um vazio de atenção e carinho

Gelma de Oliveira

O tempo é o maior artifício de superação, segundo a psicóloga clínica Monique Cristina Barbosa, 30. Para ela, as pessoas tratam os animais como se fossem parte integrante da família. É um filho, irmão ou amigo. Por isso, quando há um desfecho na relação afetiva, seja pela morte, fuga ou roubo, é necessário vivenciar cada momento do processo de luto para seguir em frente.

“Um animal pode ter o espaço de um ente querido dentro de casa. Devido a isso, a perda que a pessoa vai ter será vivenciada como um luto de um ente querido no mesmo nível e na mesma intensidade como se fosse um ser humano ou até mais, dependendo do vínculo que a pessoa estabeleceu com aquele animalzinho. É preciso e necessário vivenciar cada fase do luto. A negação, a raiva, a barganha, a depressão até chegar a aceitação”, explica a psicóloga Monique.

‘Poder terapêutico’

Quando se fala em animal de estimação, também é possível perceber o quão ele pode ajudar na superação de problemas pessoais e até em quadros de saúde, como ansiedade e depressão. Isso acontece pela companhia diária servir como uma espécie de terapia e também um verdadeiro desprendimento de situações negativas que acontecem na vida. E exemplo disso é o que não falta.

A auditora e gestora de saúde Thais Cristina Kiefer, 25 anos, busca nos animais um ponto de refúgio. Amante de animais desde de pequena, sempre conviveu com os bichinhos de quatro patas dentro de casa. Eles foram muito responsáveis por trazer a paz em meio às adversidades que a auditora enfrentava.

A vira-lata Girassol resgatou a felicidade da gestora de saúde Thais Cristina (Foto: Matheus Metzker)

Adversidades essas que foram desde do enfrentamento da separação dos pais na adolescência, passando por uma descoberta de um tumor cerebral há oito anos e a perda da mãe há três, também por um câncer. Becah e Branca, cadelas companheiras de Thaís no passado, davam todo o carinho necessário e suporte para a superação. “O cachorro vai te amar com ou sem cabelo, mais magro ou não. Parece até que sentem o que passamos. Quando adoeci, eles não me largavam. Dependendo de onde eu sentia dor, eles deitavam no local para trazer carinho”, lembra a auditora.

Hoje, a Thaís conta com a vira-lata Girassol. Cansada e sem ânimo nem mesmo para continuar morando no Brasil, a auditora notou que precisava voltar a ter novamente um animal de estimação, já que a Becah morreu em dezembro do ano passado e desde então não havia mais um bichinho dentro de casa.

Sentia falta de ter um cachorro. Acabei me sentindo muito sozinha e até com depressão. Tenho a certeza que a companhia de um cachorro muda nossa vida, a maneira de pensar e realmente tem o poder de transformar o lar. A Girassol resgatou novamente toda minha felicidade

Thais Cristina Kiefer

Com a estudante de Cinema e Audiovisual Ana Carolina Pimenta, 19, o vira-lata Ozzy foi o responsável pela transformação da vida da jovem. Por sugestão médica e pelo gosto por animais, Ana resolveu adotar um animal. Mesmo recente, ela nota uma melhora contínua na ansiedade e na depressão, que são doenças que enfrenta desde criança. “Os animais te dão amor incondicional e não pedem nada em troca. É o relacionamento mais saudável e recíproco que você pode ter na vida. Ozzy é com certeza meu antidepressivo natural. Eu choro, ele seca minhas lágrimas e me distrai”, revela a estudante.

Ana Carolina adotou o companheiro Ozzy por sugestão médica. Ozzy ajuda a estudante a superar a depressão e a ansiedade (Foto: Matheus Metzker)

Todo esse poder de terapia proporcionado pelos animais foi gradativo. Para a psicóloga Fernanda de Freitas, 34, antigamente a visão sobre eles era bem inferiorizada e de objetificação. Hoje, como que se tem a ideia de afeto e vínculo para com esses seres, é possível notar a melhoria das pessoas.

Quando alguém está cuidando de um outro ser vivo amplia muito a autoestima e reacende muitas vezes a centelha de esperança, de vida, de boas sensações e de sentimentos que as pessoas podem ter perdido

Fernanda de Freitas

Já para psicóloga clínica Monique Cristina Barbosa, 30, os animais são também pontos de evitar solidão. Por isso, no consultório que atende os pacientes, ela chega a sugerir para quem tem depressão a companhia dos animais.

“Indico para pessoas que tem depressão para obterem um animal para o convívio. Todos que fizeram essa escolha está tendo uma progressão muito grande. Por isso, falo que eles são co-terapeutas. Eles proporcionam a pessoa que está passando um momento difícil, uma perda ou abandono, uma vida baseada em segurança, afetividade e amorosidade”, relata Monique Barbosa.

Foto de Destaque: Matheus Metzker